Mais de 23 mil beneficiários do auxílio emergencial e do Bolsa Família fizeram doações a campanhas eleitorais de candidatos a prefeito e vereador que somam R$ 23,8 milhões, revela cruzamento feito pelo jornal O Globo com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Ministério da Cidadania.
O levantamento considera os repasses de R$ 13,2 milhões em doações financeiras e R$ 10,6 milhões das chamadas doações estimadas, aquelas em que as pessoas contribuem com algum tipo de material ou serviço e calculam quanto custariam — uma faxina ou a pintura de um comitê de campanha, por exemplo.
A mediana das doações é de R$ 650. É como se uma parcela das seis recebidas até aqui fossem repassadas para financiar um político.
A quantia deve aumentar, já que o prazo para a entrega da primeira parcial de contas termina hoje e muitos deixam para fazê-la no tempo limite. Até sexta-feira à noite, os candidatos haviam declararam mais de R$ 424 milhões em receitas próprias ou de pessoas físicas — cerca de 5,6% vêm de beneficiários do auxílio emergencial e do Bolsa Família.
A doação não é irregular, desde que não ultrapasse 10% da renda do ano anterior. Mas, se comprovada a falta de capacidade econômica de doadores inscritos no cadastro, o candidato pode ter o registro indeferido. Há casos de candidaturas cassadas pela Justiça Eleitoral por essa razão.
O Tribunal Superior Eleitoral já articula uma parceria com Receita Federal, Tribunal de Contas da União, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ministério Público e Polícia Federal para investigar esses casos. O balanço deve sair em fevereiro, quando as contas forem julgadas.
O maior volume de doação (R$ 13,8 milhões) é de beneficiários para campanhas de terceiros. Já os R$ 10 milhões restantes foram desembolsados pelos próprios candidatos, também cadastrados nos programas.
A maior doação foi registrada por Leonardo Silva Menezes, candidato à prefeitura de Goianésia (GO) pelo DEM. Beneficiário do auxílio emergencial, segundo dados do Ministério da Cidadania, ele fez um aporte de R$ 71,5 mil na campanha com recursos próprios.
O valor representa mais do que um terço do que ele declarou em bens ao TSE, R$ 183,7 mil. Menezes explicou ter sido alvo de fraude e que devolverá os R$ 1.200 correspondentes a duas parcelas do auxílio, mesmo sem ter recebido o dinheiro.
Em Paracambi, Região Metropolitana do Rio, duas beneficiárias do Bolsa Família fizeram doações de R$ 2,4 mil, cada, por transferência eletrônica, para a candidatura à reeleição do vereador Chambarelli (DEM).
Os R$ 4,8 mil equivalem a tudo o que foi declarado até aqui pela campanha do vereador, além da totalidade do que foi recebido por uma delas e a 40% do que foi obtido pela outra no programa do governo federal. Nas redes sociais, fotos indicam que ambas apoiam o candidato e levam uma vida bem simples.
Em 2012, Chambarelli chegou a ser condenado por abuso de poder econômico e captação ilícita de votos, mas foi absolvido em segunda instância. Ele não respondeu aos contatos do GLOBO.
No interior de Pernambuco, a situação é similar, mas envolve a própria beneficiária. Em Santa Cruz do Capibaribe, a candidata Sandra da Goiaba, do PSDB, repassou R$ 7,3 mil reais em depósitos em espécie para a sua campanha.
Desde 2013, Sandra consta como beneficiária do Bolsa Família, recebendo R$ 212 por mês. Mas já gastou destinou mais para a sua na campanha do que recebeu no período da crise sanitária.
Ao GLOBO, após tomar conhecimento do teor da reportagem, uma mulher que se identificou como filha de Sandra demorou alguns segundos para responder que a mãe não se encontrava em casa e que estava sem celular. Ao fundo, foi possível ouvir que ela avisava alguém sobre o telefonema.
Em Beberibe, no interior do Ceará, Iracilma Gomes Anjos, também inscrita no Bolsa Família, doou mais que o dobro do que recebeu do governo para a campanha de João Germano Barros ao cargo de vereador.
Conforme o sistema do TSE, ela prestou serviços no valor de R$ 8 mil para a candidatura com o empréstimo de um Corsa, enquanto recebeu mais de R$ 3 mil do governo nesse período de pandemia. Questionado, Barros afirmou que ela é “sua companheira” e que doou o carro para que ele fizesse campanha.
— Ela tem um carro velho no nome dela, ela fez uma doação para mim rodar na campanha. Eu tô pagando só combustível — garante.
O candidato do Patriota à prefeitura de São Paulo, Arthur do Val, recebeu R$ 3 mil em doações de cidadãos que aparecem na lista de beneficiários do auxílio emergencial. Alexandre do Carmo Straus, responsável por um repasse de R$ 1.000, confirmou a doação ao candidato do Patriota, mas disse que foi vítima de fraude com seu CPF:
— Eu nunca pedi auxílio emergencial. Vou ligar para o meu advogado. Tenho renda alta, não preciso.
Ao todo, os recursos foram recebidos por candidatos das 32 legendas do país. Os partidos que mais receberam são MDB, PSD, DEM, PP e PSDB.
O Ministério da Cidadania afirmou vai apurar possíveis irregularidades e garantir que não se trata de uso indevido de CPF de terceiros por candidatos para encobrir doações. A pasta acrescentou que poderá cancelar benefícios, se comprovado que os inscritos estão fora do perfil. Fonte: O Globo.
Discussion about this post