Câmara, Senado e STF, ao negarem acesso às imagens do 8 de Janeiro, depreciam o direito constitucional à informação. Cada autoridade acha que, no seu caso, vale a exceção do sigilo
No dia 21 de abril, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a quebra do sigilo das imagens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) relativas à invasão do Palácio do Planalto no 8 de Janeiro. Segundo a decisão, “inexiste sigilo das imagens, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011), sobretudo por serem absolutamente necessárias à tutela jurisdicional dos direitos fundamentais e ao regime democrático e republicano”.
Após essa decisão, no dia 24 de abril, o Estadão solicitou, por meio da LAI, acesso à íntegra das gravações de todas as câmeras internas e externas do STF, do Senado e da Câmara. No entanto, os três órgãos rejeitaram o pedido do jornal.
Citando resoluções internas e o art. 23 da LAI, que trata das informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, a Câmara e o Senado alegaram que a publicação das imagens poderia comprometer as investigações em andamento sobre o 8 de Janeiro, bem como a segurança das Casas Legislativas. Após descumprir o prazo de resposta de 30 dias disposto na LAI, o STF respondeu, por meio da assessoria de imprensa, negando acesso às imagens. Segundo a nota do tribunal, seria informação protegida, disciplinada pela Resolução n.º 657/2020, sobre a segurança da Corte.
Os argumentos utilizados pelo STF, pelo Senado e pela Câmara para indeferir o pedido do jornal são semelhantes aos que haviam sido alegados pelo GSI – e que já foram rebatidos na decisão de Alexandre de Moraes de 21 de abril. Segundo o ministro, não se caracteriza a hipótese excepcional de sigilo, “não sendo possível, com base na LAI, a manutenção da vedação de divulgação de todas – absolutamente todas – as imagens verificadas na ocasião do nefasto e criminoso atentado à democracia e ao Estado de Direito, ocorrido em 08/1/23″.
O acesso à informação dos órgãos estatais é um direito constitucional. “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, diz a Constituição, no art. 5.º, XXXIII.
No entanto, como se observa nas negativas do STF, da Câmara e do Senado, trata-se de um direito que ainda não é muito respeitado. Utiliza-se a exceção do sigilo para negar o acesso à informação, mesmo quando um ministro do Supremo já afirmou que o caso não se enquadra nas hipóteses excepcionais de acesso restrito.
A Constituição veio assegurar um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, a transparência. Os dados obtidos pelo aparato estatal, seja qual for sua esfera, não são do Estado. Regra geral, eles são de acesso público, devendo ser disponibilizados quando solicitados. Trata-se de consequência necessária do regime democrático. A informação não pertence ao Estado, como se ele pudesse decidir de forma discricionária o que mostra e o que esconde, mas à sociedade. A plena transparência do funcionamento estatal é condição para o exercício da cidadania.
No entanto, mesmo com o direito ao acesso à informação previsto na Constituição e devidamente regulamentado pelo Congresso em 2011 com a LAI, o fato é que a cultura do sigilo continua dominante. O próprio Alexandre de Moraes, que determinou a quebra do sigilo das imagens do GSI, é reticente em liberar o acesso a diversos inquéritos sob sua relatoria sobre fake news contra o STF, ameaças antidemocráticas e os atos do 8 de Janeiro. Parece que cada autoridade considera que, no seu caso específico, deve valer a exceção do sigilo, e não a regra geral da transparência.
Para quem ocupa cargo público, é sempre mais incômodo, não há dúvida, o exercício do poder à luz do dia, permitindo o controle pela sociedade. Por isso, exatamente porque haveria resistência à transparência, a Constituição estabeleceu o direito à informação. E é parte essencial da proteção da democracia defender esse direito, em todas as esferas. Fonte: O Estado de São Paulo.