Janeiro de 2022. Ronaldo Nazário, 45 anos, assume o Cruzeiro como sócio majoritário da SAF, enxerga o time como um ‘paciente na UTI’ e enfrenta um cenário de terra arrasada provocado por uma dívida superior a R$ 1 bilhão. Passados oito meses, o que parecia inviável acontece. Com os salários em dia, as contas equilibradas e um técnico cascudo, o time mineiro garante o acesso à elite e está novamente entre os grandes do futebol brasileiro.
“Nós trabalhamos muito para conseguir isso. Noite especial demais. Jogadores, direção e torcida, em especial, estão de parabéns. Foram três anos de sofrimento, mas agora vamos comemorar. E depois de alguns dias vamos planejar a Série A. Não podemos esquecer das dificuldades financeiras do começo, então, vamos planejar bem”, afirmou Ronaldo.
A política de pés no chão e um planejamento criterioso são os alicerces dessa operação. Estrutura, organização e planejamento ajudaram não só a arrumar a casa, mas também a afinar a sintonia com a torcida.
Se Ronaldo Nazário surge como a figura central dessa mudança, a extensão do seu estafe também é parte integrante na repaginada do Cruzeiro. Homem de confiança do ex-jogador, o diretor de futebol Pedro Martins contou um pouco do esforço feito na atual administração.
“É sempre importante falar que a situação do Cruzeiro é preocupante, a dívida bilionária. A diferença é que está controlada. Isso acontece porque temos gestores no dia a dia do clube, os salários estão em dia, as contas em ordem e não temos nenhuma surpresa financeira.”
Diante do cenário delicado, medidas foram tomadas. Tudo que era relacionado a custos, foi tratado com rédea curta. O departamento de futebol trabalhou de acordo com o orçamento liberado pela diretoria financeira. Com o equilíbrio mantido entre as contratações e saída de atletas, o clube passou a ter mais autonomia.
Enquanto a cúpula trabalhou sob a sombra de uma dívida estratosférica, fatores extracampo contribuíram para melhorar o dia a dia. Um dos desses trunfos foi poder contar com uma figura como a de Ronaldo Fenômeno como aliado.
O lateral Rômulo, atleta com mais jogos pelo Cruzeiro do elenco atual (90 partidas), falou ao Estadão sobre essa relação.
“O Ronaldo é uma grande referência como vencedor no esporte. Sempre que possível, ele está em Belo Horizonte e nesses momentos procura conversar com todos os jogadores e passar um pouco daquilo que viveu e aprendeu ao longo da carreira. Isso é muito importante pelo respaldo que ele passa”, disse o lateral direito de 35 anos.
Outro fator externo que teve peso nessa retomada foi a aproximação do time com a torcida. Tricampeão com a seleção brasileira na Copa de 70, no México, e um dos maiores ídolos da história do Cruzeiro, Wilson Piazza viu de perto o respaldo dado pelos cruzeirenses nesta disputa de Série B.
“O Ronaldo despontou para o cenário do futebol aqui com 16 anos. Os torcedores têm um carinho e um respeito enorme por ele. Como os resultados de campo vieram rápido, a torcida comprou a ideia, marcou presença nas arquibancadas e o time embalou”, comentou o ex-jogador em entrevista por telefone ao Estadão.
Além do acerto na escolha do técnico e na montagem do elenco, o ex-volante, que hoje preside a FAAP (Federação das Associações de Atletas Profissionais), elogiou a organização do novo Cruzeiro.
“O Ronaldo começou do zero, teve que colocar os pagamentos em dia, enxugar custos e fazer a máquina funcionar (time vencer). Confesso que fiquei surpreso. Mas qual o torcedor que não se empolga com uma mudança em tão pouco tempo?”
Uma dessas inovações que aproximam o clube do torcedor acaba de ser lançada. A Caravana do Cruzeiro é um projeto idealizado para criar uma conexão com os torcedores que não residem na capital mineira.
Um caminhão percorre as cidades do interior de Minas durante as rodadas do Brasileiro. Neste veículo especialmente preparado contém novidades como telão para transmissão de jogos, loja oficial e ainda presença de ídolos para tirar fotos com os torcedores. A cidade de Prudente de Morais foi a primeira a ser contemplada. A iniciativa deve ser mantida até o final deste ano e cidades como Conselheiro Lafaiete, Itabira e Montes Claros estão no radar das próximas visitas do projeto.
TÉCNICO CASCUDO
Muito desse sucesso nas quatro linhas também tem a ver com a escolha da diretoria sobre o comando da equipe. Escolhido a dedo, Paulo Pezzolano chegou à Toca da Raposa por indicação do diretor Paulo André
No clube desde janeiro, esse uruguaio, de apenas 38 anos, mostrou a que veio. Ciente das características e dificuldades da Série B, montou um esquema eficiente e criou um ambiente de trabalho totalmente favorável.
“Ele possui ótimas ideias de jogo e tem papel fundamental nesta campanha. Além disso, a comissão técnica é competente. O Pezzolano cobra muito durante a realização dos trabalhos e também procura ser super amigo dos atletas nos demais momentos”, completou Rômulo.
O foco no jogo a jogo, e a cautela em relação ao que viria pela frente, marcaram a postura de Ronaldo. Mesmo com a gordura na liderança criada durante a campanha do acesso, o ex-centroavante manteve sempre os pés no chão.
“Não temos nada para comemorar. O clube ainda vive uma situação complicada e estamos ajeitando a casa”, afirmou o jogador em participação no canal Ronaldo TV após o empate com o Grêmio.
Na mesma linha e evitando declarações pirotécnicas, o treinador uruguaio pregou sempre a força do elenco nos momentos mais críticos. Nesta Série B, mais do que um time vencedor, o Cruzeiro apresentou um elenco cascudo.
“A virtude do Cruzeiro não foi ganhar dos times que estão em cima, mas vencer os jogos que precisava. Temos uma equipe corajosa”, afirmou o técnico cruzeirense.
No jogo que foi considerado o grande teste da equipe neste returno do Campeonato Brasileiro da Série B, o Cruzeiro mostrou bem esse espírito. Em um ambiente bastante tenso no Sul, a equipe mineira arrancou um empate de 2 a 2 com o Grêmio, vice-líder da competição, em uma atuação que encheu os olhos do seu mandatário.
“Foi um jogaço, assisti pela televisão. O Grêmio muito arrumadinho, competitivo. Achei que foi o jogo do ano na Série B em termos de qualidade, agressividade, intensidade. Foi um grande duelo e isso só mostra o nível muito alto da Segunda Divisão”, comentou Ronaldo.
Agora, de volta à elite, o desafio promete ser maior. A missão vai ser montar um time forte sem abrir mão de uma política austera de gastos. E nessa retomada, a meta vai ser formar um Cruzeiro novamente aguerrido mas também com talento para se manter entre os maiores clubes do país.
(AE)