Por Ubiratan Brasil
Era início de 1972 e um jovem Stephen King rascunhava um conto sobre uma garota chamada Carrie White que apresentava poderes telecinéticos, ou seja, era capaz de mover objetos com a força da mente. Enquanto escrevia, o autor sentia-se incomodado pelo que julgava ser a assombração de duas amigas do colégio apontadas como “diferentes” (ou seja, alvo de bullying) que já estavam mortas. O texto, recuperado do lixo por Tabitha, mulher do escritor que o encorajou a continuar a escrita, logo se tornou o livro Carrie que, publicado em 1974, iniciou uma vitoriosa carreira que hoje conta com 62 romances, além de 12 volumes de contos, seis de não ficção, quatro de HQs e um musical.
É justamente com Carrie que a Suma, selo da Companhia das Letras, inicia a reedição da obra de King que, em setembro, completa 75 anos. O projeto prevê ainda uma edição da série Torre Negra, saga épica em sete volumes publicada a partir de 1982 e que é um dos trabalhos mais ambiciosos do autor. Também a publicação de A Longa Marcha (1979) dará início ao relançamento dos livros esgotados de Richard Bachman, pseudônimo usado pelo autor.
Finalmente, no segundo semestre, a editora pretende publicar o novo livro inédito de King, Fairy Tale (ainda sem título em português), que conta a história de Charlie Reade, rapaz de 17 anos que herda as chaves de um universo paralelo onde o bem e o mal travam uma guerra.
SUCESSO
Ainda que contestado por críticos (Harold Bloom o considerava um dos piores autores dos EUA), King é um best-seller mundial, com mais de 400 milhões de cópias vendidas, publicadas em 40 países. Também é o escritor vivo que mais tem títulos adaptados para os mais diversos tipos de mídia, como cinema, televisão, streaming, teatro, quadrinhos. Uma vasta galeria que inclui Carrie, a Estranha, O Iluminado, It: A Coisa, À Espera de um Milagre e Misery (cuja versão teatral está em cartaz em São Paulo), entre outros.
“O maior desafio da tradução é o uso de recursos de fala nos personagens, como sotaques, gagueira, ceceio e outras questões de pronúncia”, diz Regiane Winarski, responsável pela tradução. “É preciso tomar cuidado para não cair no ridículo ou ficar uma caricatura.”
“Stephen King conhece a alma humana”, observa Rita Ribeiro, doutora em Geografia e especializada na obra do americano. “Seus livros são sempre e fatalmente sobre pessoas. Sobre como sucumbimos aos nossos medos, mas, na maioria das vezes, sobrevivemos a eles.”
De fato, o próprio escritor reconhece que a atenção que confere aos personagens humanos é o que explica o sucesso de suas histórias. “Uma das razões pelas quais funciona – a única razão pela qual esse tipo de história dá certo – é que o leitor ou espectador se importa com as pessoas envolvidas. É diferente, por exemplo, quando se assiste a filmes como Sexta-Feira 13 – ali, você torce para ver 12 jovens bonitos sendo mortos de 12 maneiras interessantes”, disse à agência AP, em 2017.
Na mesma conversa, King contou que o medo que sente ao escrever certas histórias serve como parâmetro para o efeito que provoca nos leitores. “Sou instintivo, não planejo com muita antecedência”, observou. “Tenho uma ideia do caminho da trama, mas deixo os detalhes aparecerem à medida que escrevo. Então, em alguns momentos, eu conseguia me assustar. Lembro de uma cena de O Iluminado (1977), quando o garotinho Danny entra no quarto 217 e vê a mulher na banheira. Aquilo me assustou de verdade.”
Apesar de apontado como Mestre do Terror, King não se considera um autor de tramas desse tipo. “Minha ideia é contar uma boa história e, se ela cruza certos limites e não se enquadra em um gênero particular, melhor ainda”, disse ele à AP. Como exemplo, cita The Colorado Kid (2005) que, a partir da narrativa sobre um garoto morto em uma ilha na costa do Maine, ele questiona por que certos assassinatos permanecem sem solução. “É a beleza do mistério que nos permite viver sãos à medida que pilotamos nossos corpos frágeis através deste mundo de corridas demolidoras”, ele escreve no epílogo.
(AE)