Interceptações telefônicas revelam a relação próxima entre os advogados Luciel Caxiado e Antônio Vitor Tourão Pantoja com o juiz federal Antônio Carlos Campelo, da 4ª Vara de Belém, afastado do cargo e aposentado na última terça-feira, segundo decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A decisão foi unânime. Segundo o CNJ, Campelo foi aposentado compulsoriamente “por condutas incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro das funções, em clara afronta ao Código de Ética da Magistratura Nacional”.
No voto, a relatora do caso, conselheira Salise Monteiro Sanchotene, citou ainda, que os documentos recebidos a título de prova emprestada “revelaram contatos telefônicos constantes com advogados, transações bancárias suspeitas, depósitos de quantia sem comprovação da origem, e aquisição de bens com pagamentos à vista e em espécie, sem constarem da declaração de Imposto de Renda”.
“A Polícia Federal encontrou ligações que foram feitas do telefone do advogado Luciel Caxiado para o juiz num período que compreende 2016 e 2019. “Havia uma relação de longa data estabelecida entre ambos”, diz a relatora. Segundo Salise Sanchotene, também aparecem contatos estabelecidos entre Igor Campelo, que é filho do juiz Antônio Carlos Campelo, e o advogado Luciel Caxiado “em datas próximas de importantes decisões proferidas pelo requerido (juiz) nos processos sob sua jurisdição”.
Isso tudo, continua a conselheira do CNJ, está na análise do relatório da Polícia Judiciária. Luciel Caxiado, quando ouvido sobre sua relação com Campelo, disse: “sou paraense, o dr. Campelo também é e funciono também como advogado dele em alguns processos, inclusive um processo sobre violência doméstica em que é parte ele e sua ex-esposa Karina Figueiredo. Então, eu tenho muito contato com o dr. Campelo”.
Karina, aliás, falou sobre a relação próxima do ex-marido com Luciel e Tourão Pantoja, dizendo que ambos frequentavam a casa do magistrado, entre 10 e 20 vezes. Dois filhos do juiz e a noiva do magistrado, ainda de acordo com a relatora Salise Sanchotene foram nomeados em 2019 e exerciam cargos no governo do Pará – gestão de Helder Barbalho.
No caso de Tourão Pantoja, enfatiza a relatora, ele realizou para a advogada Leila 76 transferências bancárias durante os anos de 2017 a 2019 “a denotar uma relação empregatícia ou quando menos de colaboração entre ambos”. Tourão Pantoja, por sua vez, foi mencionado no depoimento da testemunha Karina, ex-esposa do magistrado, como um dos advogados que frequentava a casa dela, e tratava com Campelo de assuntos referentes a processos em que ele atuava.
De acordo com o relatório de inteligência, durante as investigações, no bojo da Operação Alcalis, foram interceptadas ligações telefônicas de Francisco de Farias, e numa delas na qual menciona o nome do advogado Tourão, fala como ele consegue atender a seus clientes. Fotos anexadas ao caso mostram o juiz no casamento de Tourão. Há ainda mensagens trocadas entre Tourão e o juiz em que ambos estavam juntos, em restaurantes ou na praia. Por tudo que foi apurado, resume a relatora, o caso denota uma “relação atípica” entre os envolvidos. (Veja detalhes completos, com outros votos, no julgamento, no final desta matéria)
Doze acusações
A decisão foi tomada durante o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 0000074-15.2022.2.00.0000 na 10ª Sessão Ordinária, que apurou 12 imputações contra o magistrado, relacionadas à atividade jurisdicional, “como indevida liberação de bens apreendidos, revogação de prisões sem fatos novos, absolvições sumárias fora das hipóteses legais, entre outros, circundadas por relações indevidas com advogados das causas e prejuízos concretos para investigações criminais”.
Entre as decisões “incomuns” que apontavam para indícios de infração disciplinar esteve uma que liberou expressiva carga de madeira apreendida pela Polícia Federal na Operação Handroanthus, iniciada em 2020. “O contexto de todas essas decisões prolatadas com a comprovação dos contatos indevidos com advogados descortinaram a quebra do decoro dos deveres inerentes ao cargo num grau de elevada reprovabilidade, dada a motivação ilícita para a prolação das decisões que eu analisei.
“Entendo que elas representam risco para a credibilidade do Poder Judiciário (…) Por ter violado os artigos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) e do Código de Ética, o magistrado deve receber pena máxima”, defendeu a relatora.
Modus operandi
“O magistrado federal em questão possui um modus operandi que afronta e infringe os deveres de cumprir e fazer cumprir com independência, celeridade, e exatidão as disposições legais e de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, além dos princípios de decoro essenciais ao exercício da magistratura”, afirmou o representante do Ministério Público Federal (MPF), subprocurador-geral da República Alcides Martins.
A aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de contribuição é a pena mais grave em termos administrativos contra os juízes. A penalidade prevista na LOMAN consiste no afastamento do juiz de seu cargo, com provento ajustado por tempo de serviço.