A velha imprensa de Belém, hoje diário oficial a serviço do governo Helder Barbalho, escondeu o caso em suas páginas e tenta ignorá-lo, mas o que aconteceu na tarde da última sexta-feira (3), durante operação do 37º Batalhão da Polícia Militar que resultou na morte de dois adolescentes, de 15 e 16 anos, no bairro do Guamá, merece uma abordagem sobre eventual excesso policial e a necessidade, já tardia, de uso de câmeras nos uniformes dos agentes no Pará.
Uma discussão que no estado parece proibida, inclusive entre os políticos detentores de mandato eletivo, embora em São Paulo, por exemplo, até por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), o uso de câmeras em operações da PM seja obrigatório.
Os benefícios da utilização de câmeras nos uniformes traz inúmeros benefícios, como a redução de abusos. As câmeras podem levar o policial a seguir os protocolos operacionais. Elas também contribuem para a transparência das ações policiais. além disso, podem ajudar na apuração de crimes, inclusive nos casos de falsas imputações aos agentes de segurança.
Pesquisas indicam que o uso de câmeras pode contribuir para diminuir a violência de forma geral. Essas pesquisas mostram que os batalhões com câmeras corporais tiveram redução na letalidade policial. E mais: o uso contribui para efetivar o verdadeiro Estado democrático de Direito e proteger direitos fundamentais. Seria um avanço da segurança pública no Pará, hoje patinando no combate à violência, sobretudo de facções criminosas.
Pedras contra depósito de bebidas
Os mortos eram suspeitos de envolvimento em um ataque com pedras contra um estabelecimento comercial, ocorrido no dia anterior, supostamente ligado à recusa do proprietário em pagar uma “taxa do crime” imposta por uma facção que domina a área.
Cerca de oito viaturas da PM participaram da ação na rua da Paz, onde os adolescentes residiam. Testemunhas relataram que um dos jovens tentou fugir e foi baleado próximo a uma área de mata, enquanto o outro foi encontrado e morto dentro da casa de sua avó. A polícia afirma que ambos estavam armados e teriam reagido, trocando tiros com os agentes, que, segundo a versão oficial, agiram em legítima defesa.
O adolescente de 15 anos ainda foi levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Terra Firme, mas não resistiu aos ferimentos. Já o jovem de 16 anos morreu no local do suposto confronto, de acordo com relatos de moradores.
O episódio que motivou a operação policial aconteceu na tarde de quinta-feira (2), quando câmeras de segurança registraram os adolescentes, um usando regata vermelha e outro com camisa azul e boné claro, atirando pedras contra a vidraça de um depósito de bebidas na rua Epitácio Pessoa.
O proprietário do estabelecimento, que preferiu não se identificar, afirmou que vinha pagando a chamada “taxa do crime” há seis anos. Contudo, após um aumento no valor cobrado, decidiu interromper os pagamentos, o que teria levado à retaliação.
Embora o dono da loja não tenha registrado boletim de ocorrência, a polícia tomou conhecimento do ataque e iniciou investigações. O crime de dano, inicialmente apurado, ganhou novas dimensões ao ser associado a práticas de extorsão e ameaças por facções criminosas que operam na região.
Controvérsias sobre a operação policial
A operação que culminou na morte dos dois adolescentes gerou questionamentos por parte da comunidade local e organizações de direitos humanos. Moradores apontam para a possibilidade de uso excessivo na atuação policial, com relatos de execução e ausência de provas materiais que sustentem a alegação de troca de tiros.
A Polícia Militar apresentou duas armas de fogo supostamente apreendidas com os adolescentes e afirmou que a ação foi uma resposta à resistência armada. No entanto, os relatos de testemunhas sugerem um cenário mais complexo e que carece de apuração minuciosa por parte das autoridades.
Esse é um caso da alçada dos Ministérios Públicos do Pará e Federal, fiscais da lei. Ambos devem apurar em que circunstâncias as mortes ocorreram, já que a versão da PM é de troca de tiros. As armas devem ser submetidas à perícia, inclusive para identificação da impressão digital dos adolescentes, além da apresentação dos cartuchos recolhidos.
Também é importante o depoimento de testemunhas e apresentação de antecedentes criminais dos mortos, cujos nomes ou iniciais ninguém sabe, a não ser parentes, vizinhos e conhecidos.
Reflexão sobre a segurança pública em Belém
O caso evidencia a crescente tensão entre ações policiais e a dinâmica do crime organizado na capital paraense, onde facções têm ampliado o controle sobre comunidades periféricas por meio de extorsão, intimidação e violência.
A prática de cobrar “taxas do crime” de comerciantes e a dificuldade em romper esse ciclo de opressão demonstram o desafio estrutural enfrentado pelas forças de segurança e pela sociedade como um todo.
Por outro lado, as circunstâncias em que a operação policial foi conduzida também levantam debates sobre o uso da força letal, especialmente em um contexto que envolve adolescentes, aumentando a pressão para que as autoridades garantam transparência e imparcialidade na apuração dos fatos.
O Ver-o-Fato aguarda um posicionamento da Polícia Militar sobre como foi conduzida a operação. Enquanto isso, o clima de insegurança e indignação permanece entre os moradores do Guamá, que vivem diariamente os impactos de um sistema marcado por violência e desigualdade.