Um homem entra pela porta traseira do ônibus. Não tinha permissão para isso, mas acabou embarcando no desafio do motorista que o provoca a entrar no exato instante entre a descida do último passageiro e o fechamento da porta.
Ele se sentou na última cadeira, esperando uma mulher, com uma criança no colo, terminar de vender pipoca. Quando terminou, foi logo distribuindo de cadeira em cadeira uns bilhetes com textos religiosos. Depois, se apoiou, respirou fundo, aparentando estar com algo entre a vergonha e o cansaço, se alocou no púlpito dos pedintes e vendedores do ônibus da cidade de Belém.
Lá ele falou de reflexões contidas na biblía. Também explicou que os bilhetes eram simbólicos, que custaria quanto o coração de cada um sentisse que seria. Ninguém deu nada, talvez por não ter, talvez por já ter ajudado a moça da pipoca, talvez por indiferença. Cabisbaixo, sentou na escadinha de saída do busão.
Num repente, resolveu voltar ao púlpito e quase em lágrimas discursou como último apelo. Contou que no ônibus anterior já conseguira o valor do aluguel, que agora o objetivo seria o almoço, que desde ontem não conseguia se alimentar.
Eram 18 horas, na Augusto Montenegro engarrafada, ônibus um tanto lotado, todos de máscara, depois de um dia escaldante de julho. Quem anda de ônibus muitas vezes por semana, certamente sabe identificar quando uma história é real. Aquela era uma delas. Então algumas pessoas deram suas moedas. Ele desceu e eu o segui com o olhar. Sua primeira parada: uma venda de salgados. Enfim almoçou.
Um dia desses, resolvendo tarefas e problemas cotidianos, só pude almoçar 17 horas. Fazia tempo que isso não acontecia. Desde 7 horas sem comer, foi tenso. O pior é pensar que tem gente que passa um dia inteiro, ou até mais, sem alimento ou perspectiva do mesmo. Eu sabia que quando a correria parasse, comeria, seja por ter dinheiro, seja por ter alimento em casa.
Agora imagina alguém sem isso?! O alimento é quase um milagre. As vezes nos estressamos por coisa tão banal. Reclamamos de coisas tão fúteis. Talvez fosse o momento de agradecer pela vida que se tem.
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