Atraso no anúncio de novas metas climáticas e agenda complexa de negociações antes e durante o evento desabonam qualquer tentativa de dar à conferência de Belém um clima de festa
” A nove meses da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém, apenas 10 entre 197 países apresentaram suas novas metas de cortes de emissões de gases de efeito estufa, segundo divulgado recentemente pelo grupo científico internacional Climate Tracker. A atualização desses objetivos, chamados NDCs (a sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada), era prevista para os signatários do Acordo de Paris, pacto destinado a ajustar os esforços a fim de mitigar os efeitos das mudanças climáticas no planeta. Não é algo mandatório nem o seu atraso é passível de punição, portanto a ONU deve estender o cronograma. Entretanto, o balanço oferece uma boa medida do desafio em formação no horizonte.
Só a constatação do tamanho do dever de casa a ser feito até novembro – quando Belém receberá negociadores, lideranças políticas, organizações da sociedade civil, ambientalistas, jornalistas, lobistas e representantes dos 197 países que compõem a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) – já deveria ser suficiente para dizer com todas as letras: a COP-30 não é uma grande festa, um espaço midiático, uma feira de negócios ou um festival de oba-oba cultural e simbólico.
É, isso sim, um processo multilateral complexo, que envolve realidades e interesses distintos e que depende de um esforço gigantesco de todos os países para produzir resultados úteis para o futuro do planeta.
Como costuma lembrar a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a gravidade da era dos eventos climáticos extremos não deixa espaço para um clima de festa. Que ela então convença o seu chefe, o presidente Lula da Silva, e demais autoridades envolvidas na “COP da floresta”. Porque não faltam sinais de uma visão ainda torta sobre o seu significado – inclusive do governo do Pará, anfitrião do encontro.
Noves fora o simbolismo de ser realizada em plena Amazônia, a oportunidade não é difundir a região como destino turístico, tampouco satisfazer o desejo de Lula da Silva de ser reconhecido como o salvador do planeta, ou ainda aumentar a musculatura política de ninguém por seu eventual sucesso, incluindo Marina, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), ou políticos assumidamente negacionistas.
É significativa também a preocupação sobre as dificuldades de infraestrutura e logística que Belém apresenta, tema explorado pelo presidente Lula nos últimos dias. Durante agenda para entregar unidades habitacionais, ele disse que não iria “enfeitar” a cidade e sugeriu que as pessoas durmam ao ar livre se não houver hotéis suficientes.
Convém lembrar que dificuldades de infraestrutura foram comuns em outras conferências, sobretudo pelo seu crescente tamanho. A primeira COP, realizada em Berlim, na Alemanha, em 1995, contou com a participação de 3.900 pessoas. Era um tempo de conferências mais restritas, pouca participação da sociedade civil e baixa atenção da mídia. Mas na última, no Azerbaijão, foram mais de 40 mil presentes. E nem foi a maior: no ano anterior, 70 mil pessoas estiveram na COP-28, em Dubai.
Os maiores desafios, porém, não se concentram na disponibilidade de hotéis ou na programação cultural paralela, como se viu nos delírios paralelos à reunião do G-20, no Rio, em que repercutiu mal o conjunto de eventos organizados pela primeira-dama Janja da Silva. Eles abrangem complexas negociações prévias que ocorrem antes de a Conferência começar oficialmente, ainda mais com o fator Donald Trump na Casa Branca.
A timidez da COP-29 deixou sobre Belém uma tarefa dupla gigantesca. De um lado, resgatar a credibilidade das negociações climáticas, em parte desmoralizadas pela implementação lenta da UNFCCC, que completa 33 anos, e do Acordo de Paris, que faz dez anos. De outro, resolver o que a anterior não resolveu, o que inclui aperfeiçoar o mecanismo de financiamento climático, dar um passo na direção dos indicadores que nortearão os planos nacionais de adaptação à mudança do clima e, claro, discutir se as metas, em conjunto, são compatíveis com o objetivo de conter o aquecimento global.
Eis por que alguns têm definido a COP-30 como a “COP dos resultados” ou a “COP da implementação”. São atributos que decididamente não combinam com a sensação de que o Brasil sediará uma Copa do Mundo. (Editorial de O Estado de São Paulo deste domingo, 16.)