O corpo da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, assassinada a facadas pelo ex-marido na frente das três filhas, será cremado na manhã deste sábado (26) Crematório e Cemitério da Penitência, no bairro do Caju, zona portuária do Rio de Janeiro. Ex-marido de Viviane, o engenheiro Paulo José Arronenzi, preso em flagrante logo após o crime, teve sua prisão convertida em preventiva pela juíza Monique Brandão, do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) na tarde de sexta-feira (25). O assassinato aconteceu na tarde de quinta-feira (24), véspera de Natal.
Com a pandemia, o convívio com as melhores amigas diminuiu, e o silêncio sobre o problema, tão delicado, aumentou. Viviane Vieira do Amaral Arronenzi era reservada, e nas raras vezes que tocou no assunto o fez por uma imposição de fatos que não podiam ser escondidos, como uma briga na rua e uma tentativa de invasão do apartamento da mãe, para o qual havia se mudado com as três filhas.
A juíza, de 45 anos, passou os últimos meses sofrendo. Seu ex-marido, o engenheiro Paulo José Arronenzi, de 52, reagia violentamente a cada esforço fracassado de retomar o casamento que ela decidiu terminar em julho.
Três meses depois de denunciá-lo à polícia e passar a contar com uma escolta cedida pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, Viviane foi assassinada a facadas por Paulo José. O feminicídio ocorreu no fim da tarde de quinta-feira na Barra, no momento em que entregava as meninas ao pai, com quem esperavam passar a noite de Natal. Estava sozinha com as filhas, de idade entre 7 e 9 anos: tinha decidido, um mês atrás, abrir mão do esquema de proteção.
Sentia-se incomodada com a presença permanente de seguranças e queria preservar, apesar de tudo, a imagem do homem com quem viveu por mais de uma década e formou uma família.
— Era uma pessoa supertranquila, que nunca impediu as filhas de verem o pai — afirmou nesta sexta-feira um dos seguranças que faziam a escolta de Viviane. — Levávamos ela e as crianças no carro para vários lugares. As meninas ficavam um tempo com ele e depois voltavam com a doutora — completou.
Uma colega do Tribunal de Justiça do Rio também comentou o esforço de Viviane para poupar as crianças do relacionamento conturbado com Paulo José.
— Ficou evidente que ela tentava preservar a figura do ex-marido como pai. Tentou se proteger e, ao mesmo tempo, protegê-lo. Acabou abrindo mão da escolta por pena dele — disse uma magistrada, que pediu anonimato.
A juíza Simone Nacif, que era amiga da vítima, lembra que Viviane era uma mulher forte e que sempre quis preservar as filhas.
— Viviane era uma mulher forte, independente financeiramente e reservada. Estava refém de um relacionamento que demonstrava ser fatal — disse. — Ela procurou os órgãos oficiais, fez um registro de ocorrência e chegou a pedir uma escolta, mas pode ser que tenha achado que o perigo havia passado. Queria preservar as filhas.
A escritora e também juíza Andréa Pachá, que tinha uma relação profissional com a vítima, destacou que muitas vezes o silêncio marcou casos de feminicídio:
— Essa violência ocorre em todos os locais e classes sociais. E o silêncio não é só por medo, mas pela convicção de que é possível reverter a situação com racionalidade.
Dia de fúria
O esquema de proteção havia sido pedido em 14 de setembro. Acreditando que o engenheiro havia aceitado a separação, Viviane lhe deu uma carona para que ele pudesse visitá-las. Mas aconteceu uma discussão, e ela foi ameaçada de morte. Ao ser alertado que estava sem condições de vê-las, Paulo José empurrou a ex-mulher e forçou a entrada no prédio da mãe dela, em Niterói. A PM foi chamada e, algumas horas depois, a juíza registrou queixa na 77ª DP (Icaraí) e solicitou medidas protetivas.
A escolta durou dois meses. Viviane acabou por assinar um termo de responsabilidade no TJ ao pedir sua suspensão. Nesta quinta-feira, aceitou um pedido de Paulo José para encontrá-lo com as filhas numa rua de pouco movimento da Barra. Foi atacada ao sair do carro para entregar as crianças. Após o feminicídio, o engenheiro se sentou ao lado do corpo, enquanto uma mulher tentava consolar as meninas.
Uma equipe da Guarda Municipal o prendeu, e, ao ser perguntado por que fizera aquilo, balançou os ombros, sem falar nada. No carro do assassino, foram encontradas três facas, o que dá à polícia a convicção de que se trata de crime premeditado.
Levado à Delegacia de Homicídios, Paulo José permaneceu calado. Disse apenas que só se manifestará perante a Justiça. Em 2007, ele já havia sido denunciado por agressão e ameaça a uma ex-namorada. Nesta sexta-feira, sua prisão em flagrante foi convertida em preventiva, desfecho tardio para uma crise que se agravava.
A juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi e o engenheiro Paulo José Arronenzi se casaram em 1º de agosto de 2009. A foto da cerimônia, publicada em um site para noivas, mostra a magistrada sorridente, ouvindo o discurso do companheiro. Os convidados acomodados em um espaço verde, ao ar livre, também parecem alegres. A cena contrasta com a tragédia que marcou a história da família na quinta-feira, véspera de Natal, quando Paulo assassinou Viviane a facadas, na Barra da Tijuca.
Repercussão
A morte de Viviane, que era juíza há 15 anos e trabalhava na 24ª Vara Cível da Capital, teve grande repercussão em todo o país. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, disse que as duas instituições estão consternadas e comprometidas com o desenvolvimento de ações para prevenir e erradicar o feminicídio. “Tal forma brutal de violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, uma triste realidade que precisa ser enfrentada”, afirmou, em nota.
Outro integrante da Corte, o ministro Gilmar Mendes, comentou pelo Twitter que o assassinato “mostra que o feminicídio é endêmico no país: não conhece limites de idade, cor ou classe econômica” e destacou que o combate à violência contra a mulher deve ser prioritário. Em nota conjunta, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro e a Associação dos Magistrados Brasileiros informaram que entraram em contato com a família de Viviane para prestar apoio e prometeram não deixar que sua morte e outros casos de feminicídio fiquem impunes. Fonte: O Globo.
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