Talvez porque no Brasil havia falta de liberdade.
Talvez porque seus leitores fossem jovens.
Talvez porque a vida humana necessita de um sentido, em qualquer contexto político.
Talvez por estes motivos e por outros mais, o certo é que o casal de filósofos escritores existencialistas Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir foi incorporado à história pessoal de milhares de brasileiros, na pior fase da Ditadura Militar, nos anos de 1970.
Ateus, sem o consolo da religiosidade e da militância política fanáticas, voltados inteiramente ao experimento das alegrias e dissabores provocados pelos encontros com as pessoas, os filósofos escritores eram o espelho nos quais muitos jovens brasileiros se viam em si mesmos
E neles reconheciam seus anseios por liberdade individual e social.
Por anos a fio o casal esteve presente – com seus livros de ensaios, memórias, romances e peças de teatro – nas cogitações mais íntimas de brasileiros sobre a situação deles próprios e do Brasil.
Os dois tornaram-se mais que parentes.
Eram duas pessoas a quem aqueles brasileiros se ligaram por opção própria, pois admiravam o empenho e o talento com que transformaram sua produção intelectual num modo criativo e instigante de viver.
Simone não só havia feito o mais profundo mergulho na condição da mulher, através do ensaio “O Segundo Sexo”.
Também encontrara uma infinidade de detalhes em cada fase de sua existência – na infância, na juventude, na maturidade – e os narrara de modo envolvente e interessante nos seus livros de memória: “Memórias de uma moça bem comportada”, “A força da idade”, “A força das coisas”.
E, ainda, transpusera a convivência com sua mãe e com Sartre, nos momentos mais dolorosos, o da proximidade da morte deles, para os livros “Uma morte muito suave”, e, “A cerimônia do adeus”, respectivamente.
Sempre com lucidez, diga-se, uma característica que ela levou para o registro da aproximação do fim dela própria, em “A velhice”, e, em “Balanço final”.
A intimidade de que Simone desfrutou com amigos e amantes apareceu, de forma mais ou menos direta, no relacionamento de personagens dos romances que tanto encantaram seus leitores brasileiros, como “A convidada”, “Todos os homens são mortais”, e, “Os mandarins”.
Um destes personagens, sabia-se, era o escritor norte-americano Nelson Algren, com quem Simone manteve a relação íntima mais duradoura e consistente, além da que tivera com Sartre.
Mas toda a intensidade da paixão com que ela se entregara àquela ligação com Algren só muito tempo depois os leitores de Simone no Brasil dos anos de 1970, já sexagenários, conheceram, com a publicação das cartas dela no livro “Cartas a Nelson Agren – Um amor transatlântico (1947-1964)”.
Ninguém poderia imaginar que, no embalo daquela paixão, Simone havia se mantido passiva quando um amigo indiscreto de Aldren a fotografou nua.
Mostrando-a desvendada e desmistificada, mais humana, respeitável, interessante e admirável do que sempre fora.
- Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista