O líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, admitiu que o movimento dos sem-terra errou ao invadir fazenda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Petrolina (PE). Pressionado por deputados da oposição que comandam a CPI do MST a expor sua ligação com a gestão petista, Stédile afirmou que o movimento é autônomo e até já fez críticas aos governos do PT. Mas disse que o agronegócio que não está com Lula “é burro”.
No começo deste ano, como parte de ações de ocupação do chamado “abril vermelho”, o MST invadiu uma área de preservação ambiental e de pesquisas genéticas da Embrapa em Pernambuco. Após a ocupação a empresa pública divulgou comunicado dizendo que ação era “inaceitável”. Stédile foi questionado na CPI e acabou reconhecendo que o ato foi um equívoco.
“Cada acampamento tem autonomia do que faz. Concordo, às vezes eles exageram e erram, mas eles têm o direito de decidir”, afirmou Stédile. Ele alegou que a invasão à Embrapa aconteceu porque era “a área pública mais próxima” e que conseguiram chamar a atenção da opinião pública, sem “destruir nada”. Naquela data, cerca de 1.500 integrantes de diferentes movimentos invadiram o centro de pesquisas da empresa, ligada ao ministério da Agricultura porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cumpriu a promessa de destinar áreas para assentar as família acampadas na região.
No longo depoimento à CPI do MST, o líder do movimento disse que estava mais preocupado em “discutir o Brasil” do que tratar de pequenas questões e fugiu de responder perguntas do relator, deputado Ricardo Salles (PL-SP). Stédile foi questionado sobre a existência de uma associação que detém o controle sobre o site do MST, assina convênios e recebe recursos públicos em nome do movimento. Segundo Salles, a Associação Brasil Popular (Abrapo) recebeu R$ 2 milhões de recursos da União, incluindo repasses da Petrobras e do BNDES. Stédile disse que não sabia dos repasses financeiros a essa associação.
Apropriação de recursos
Salles também confrontou Stédile sobretudo nas acusações de que lideranças de assentamentos se apropriam indevidamente de recursos e não os distribuem para os demais assentados. Stédile disse se tratar de “casos isolados”, refutado pelo relator. “O relator apontou que as falas do depoente não condizem com o que a CPI apurou. “A descrição que o senhor faz, qualificando isso como exceção, não condiz com as informações que a CPI tem”, afirmou. (Os relatos) demonstram a prática de líderes se valerem dos liderados para o trabalho enquanto esses ficam com casas melhores, carros melhores e ficam com o resultado desses assentamentos”.
“Por que que caíram as invasões no governo Bolsonaro?”, questionou Salles. Stédile justificou a queda pela pandemia de covid-19 e pela postura do próprio ex-presidente. “Era um governo fascista que quer resolver tudo pelo meio da violência. (A invasão) corria o risco de vida”, disse.
Stédile tentou usar o depoimento para fazer propaganda as ações do MST e criticar setores do agronegócio que segundo ele ainda não se deram conta dos prejuízos que causam. A Aprosoja foi o principal alvo dos ataques. “O agronegócio está dividido. Há a metade que estuda e apoiou Lula. A outra parcela só pensa em ganhar dinheiro. É o agronegócio burro, financiou o 8 de janeiro”, disse. “Aquele agronegócio burro, que só pensa em lucro fácil, está com os dias contados.”
Esquerda no movimento
O líder do MST afirmou que políticos ligados a partidos de esquerda como PT e PSOL fazem parte do movimento, mas “não têm ingerência” sobre ele. Os parlamentares associados terão sua ligação indicada no relatório de Salles.
Houve uma recepção incomum para receber Stédile na Câmara dos Deputados. Aplaudido e abraçado por parlamentares do PT e do PSOL e integrantes do grupo, Stédile seguiu o caminho ao plenário da CPI do MST para dar o seu depoimento de braços dados com baianas. O acompanharam militantes, lideranças religiosas, congressistas e três advogados.
Um deles, Roberto Podval, teve a entrada barrada, gerando uma confusão generalizada ainda na porta de entrada, antes de a sessão iniciar. A razão do tumulto: a audiência desta terça-feira, 15, era, até o momento, o dia mais importante do trabalho da CPI. Assessores, integrantes do movimento e militantes fizeram fila para tentar entrar. A presidência optou a limitar a quantidade de assessores presentes e restringiu o acesso apenas para funcionários parlamentares que usassem pulseira.
De um lado, a oposição — derrotada após uma articulação do governo com o Centrão que retirou a maioria do grupo — tinha a melhor oportunidade para fazer denúncias sobre o MST na comissão. Cabia então à base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara fazer a defesa.
Como mostrou o Estadão, em reunião com Stédile na segunda-feira, parlamentares do PT e PSOL previram a prisão do líder do MST, já que ele optou por não pedir habeas corpus. Nas redes, o movimento organizou um “tuitaço” com a #TôComMST para mobilizar militantes que começou às 11h. Até às 14h37, foram 5.896 mensagens produzidas.
O dia já foi cercado de acontecimentos simbólicos no Congresso. Pela manhã, o Senado realizava uma sessão solene em homenagem à Marcha das Margaridas, um movimento de trabalhadoras rurais em busca de direitos; na mesma Casa, o relator da CPI do MST, Ricardo Salles (PL-SP), denunciava o trabalho de ONGs ambientais na Amazônia na CPI das ONGs.
A esquerda fez volume na comissão. Os deputados acompanharam a sessão ou vestindo bonés do MST ou os posicionando em suas mesas. A reportagem identificou pelo menos 11 dentro da sala. “Temos orgulho de estar com um movimento como esse”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR).
Os principais nomes do partido marcaram presença: entre eles, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), Maria do Rosário (RS) e até o governador do Ceará, Elmano de Freitas, que abraçaram Stédile enquanto Salles o fazia questões.
Os parlamentares mais radicais da oposição falaram e não pouparam os ataques. Delegado Éder Mauro (PL-PA) o chamou de “delinquente que invade terras dos outros”, “vagabundo” e bandido”; Evair Vieira de Melo (PP-ES) associou o MST ao narcotráfico. Ambos foram repreendidos por Podval, advogado de Stédile. “Eu não vou aceitar”, disse. Stédile apenas ouviu os ataques enquanto comia uma maçã.
Relatório adiado
A apresentação do relatório final da CPI do MST, previsto para esta terça-feira, 15, foi adiado. Deputados da oposição pretendem fazer diligências na região sul da Bahia antes de encerrar os trabalhos. A visita ao Estado está prevista para a próxima sexta-feira, 25.
Neste momento, o plano é que esta seja a última ação antes do fim, que deve ocorrer antes do prazo limite, dia 14 de setembro. O Estado da Bahia é uma principais frentes de investigação da comissão, em que os integrantes apuram o papel da polícia do Estado em desarticular invasões e quais eram os planos do governo para coibi-las. O principal alvo, o ministro da Casa Civil e ex-governador do Estado, Rui Costa, teve a convocação anulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Nesta quarta-feira, 16, a CPI ouvirá, entre outros, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, e o coronel da Polícia Militar baiana, Paulo José Reis de Azevedo Coutinho. (As informações são do jornal O Estado de São Paulo)