Por Danilo Casaletti
Do escritório de sua casa em Jaú, no interior de São Paulo, onde passa férias, o cantor e compositor Nando Reis diz à reportagem que se dedica a retomar a intimidade com o contrabaixo, instrumento que ele não toca com regularidade há mais de 20 anos. O empenho é para que assuma seu antigo posto nos Titãs, na turnê de reencontro do grupo, que cairá na estrada em abril.
Foi desse escritório que ele ligou, há dois anos, para Sérgio Britto, para falar sobre o reencontro. “Ele ficou surpreso com a minha disposição para que isso ocorresse. Talvez houvesse a impressão de que eu seria o menos empolgado. E não!”, diz Nando, explicando que uma ou duas gerações, incluindo três de seus cinco filhos, não vivenciaram os Titãs em sua formação original
Para além do reencontro temporário com o grupo, Nando está na estrada com as turnês Nando Hits e Pitty e Nando, ao lado da roqueira baiana. Para não deixar passar em branco a comemoração dos 60 anos de idade, que ele completa nesta quinta, 12, coloca nas plataformas e em vinil duplo uma versão remasterizada de seu primeiro álbum solo, 12 de Janeiro, lançado em 1995, quando Nando ainda era dos Titãs.
A nova versão do álbum ainda traz como faixas bônus uma versão remix de ECT e gravações de Real Grandeza e Gerânio. Recentemente, Nando lançou uma nova versão da música A Fila, dele e de Marcelo Fromer (1961-2001), em dueto com a cantora e compositora Jade Baraldo, ex-participante do The Voice Brasil.
Como você olha para o álbum 12 de Janeiro, depois de quase 30 anos?
Não costumo ouvir meus discos depois de lançados. Mas, evidentemente, eu voltei a ouvir esse por conta da remasterização. E, nisso, tem sempre algo de arriscado. Todo disco tem suas ambivalências, ou melhor, sentimentos ambivalentes. Considero o 12 de Janeiro uma espécie de prólogo. Isso fica simbolizado em algo que o distingue de todos os outros da minha discografia: ele foi feito e gravado com violão de nylon. É como se esse disco resumisse tudo o que eu era até então, de um acumulado desde a infância, na busca e compreensão de uma linguagem própria. Há, ao meu ver, nesse disco, uma qualidade muito boa nas canções. Entre os aspectos talvez mais insatisfatórios está a minha voz. Nela há uma estridência quase infantil no timbre. Mas gosto dele. Esse disco é distinto dos demais no que há de melhor e no que não é tão bom assim.
Como funcionava, à época, a ideia de que uma determinada música não era para os Titãs ou para o seu disco solo?
Antes de mim mesmo, o próprio Titãs dizia “essa não é para nós”. Eles me davam o cartão vermelho com toda a clareza. Isso eu aprendi a muito custo. Mas, no contexto em que esse disco foi feito, era evidente essa dissociação. Ele está entre o Titanomaquia, considerado um dos mais pesados do grupo, e o Domingo. Ou seja, o 12 de Janeiro é oposto do Titanomaquia. Pela sua sonoridade, pode ser chamado de MPB. Talvez uma ou duas músicas pudessem servir para o Titanomaquia. Mas não serviram. Tanto que esse disco está assinado como Titãs, o grupo, mas não tem nenhuma música minha nele. A única minha era Meu Aniversário, mas ela não entrou.
A canção que abre o disco, Bom Dia, repete o verso “eu vou andando” e fala “uma vida melhor”. Era mesmo um movimento e uma vontade de, naquele momento, pegar novos caminhos que dariam na sua saída dos Titãs?
A posteriori, sempre fazemos essas relações. Antes, são suspeitas. Mas, claro, uma busca atrás de algo que não sabia exatamente o que era. Naquele momento eu queria mais autoria, um trabalho distinto do que eu poderia alcançar com os Titãs. Não só essa música, que compus impactado pela minha aproximação com o Carlinhos Brown, mas igualmente o nome do disco, 12 de Janeiro, que é o dia do meu aniversário, têm, sim, um simbolismo de um novo nascimento.
Na época que você lançou esse álbum, Na Estrada e Diariamente já eram sucessos com a Marisa Monte, Onde Você Mora com o Cidade Negra também e Cássia Eller tinha gravado a canção ECT. E, a partir daí, você começou a ser reconhecido como grande compositor, atividade que você já exercia nos Titãs. Como isso bateu para você?
Eu estava acostumado com essa posição oculta quando se faz parte de uma banda, sobretudo como os Titãs, muito numerosa. Nesse momento, eu estava me arvorando dessa condição de compositor, ganhando confiança. Para mim, funcionou como um condutor de identidade suficientemente encorajador.
Você acaba de regravar A Fila com Jade Baraldo. E tem feito muito esse movimento de gravar com vários artistas como Pitty, Péricles, Anavitória, Duda Beat, Jão. Você gosta desses encontros musicais, não?
Eu gosto. E eles são o avesso de minha natureza. Sou retraído. Quando você canta com outro artista há uma camada diferente de aproximação. Tenho curiosidade pelo modo de produção de cada pessoa. Péricles é algo como uma entidade. Tenho mais facilidade com as mulheres. Com homens, sempre há um grau de fricção. Talvez tenha esgotado tudo da relação com homens nos Titãs. Tenha fascínio por vozes femininas e talvez por isso o dueto com o Jão foi algo surpreendente, de toda beleza.
Você chega aos 60 anos com vigor criativo e físico. Acha que ter dado um “freio de arrumação” no álcool e nas drogas, como você disse anteriormente, contribuiu para isso?
Há seis anos não bebo e não uso nada. Sim, usei muito, em excesso. Em alguns momentos, isso tinha uma função associada ao processo de composição. Com o tempo, essas coisas trouxeram seus efeitos colaterais, sobretudo na minha saúde mental. Agora, me julgo mais saudável e mentalmente mais apto do que estava aos 50 anos. Não é uma impressão, é uma constatação. Claro, tem horas em que sinto vontade de me drogar, beber. Os últimos quatro anos foram um pesadelo (diz em referência ao governo Bolsonaro). Fico feliz de ter conseguido olhar para tudo com muita lucidez. Acabou o álcool. E os demônios (risos).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.