Uma história marcada pelo medo e pela violência abalou o município de Novo Progresso, no sudoeste do Pará, uma das regiões mais conflituosas da Amazônia. Márcia Kelly Teixeira, cozinheira que trabalhava em uma balsa na área garimpeira do Rio Novo, próximo ao chamado garimpo da 64, foi resgatada pela Polícia Militar após permanecer desaparecida desde o último sábado (4).
A mulher, conhecida por prestar serviços em embarcações que dão suporte aos garimpeiros, havia feito um último contato com a família em estado de desespero, relatando agressões físicas e ameaças sofridas dentro da própria balsa onde trabalhava.
Segundo familiares, Márcia contou por telefone que teria sido agredida pelo dono da balsa e pela esposa dele, conseguindo escapar às pressas com a ajuda de dois garimpeiros, que a levaram até outra embarcação.
Logo depois, o silêncio. O telefone foi desligado, e o rastro da cozinheira desapareceu nas águas turvas do Rio Novo — uma área isolada, de difícil acesso e marcada por conflitos, exploração ilegal e ausência quase total do Estado.
Vídeos como pedido de socorro
Antes de sumir, Márcia ainda conseguiu enviar vídeos e mensagens à família, identificando os supostos agressores e pedindo ajuda. Em uma das gravações, a voz trêmula revela o desespero de quem teme por sua vida:
“Não sei para onde vão me levar, marca o local, é Rio Novo.”
A gravação viralizou em grupos locais e chamou a atenção das autoridades. Movidos pela denúncia, policiais militares iniciaram buscas por rios e trilhas da região. Após horas de procura, Márcia foi localizada com vida, em uma área próxima ao garimpo onde havia desaparecido.
A Polícia Militar confirmou o resgate e informou que a vítima foi encaminhada para receber atendimento médico e psicológico, antes de prestar depoimento formal sobre o ocorrido. As circunstâncias da agressão e o envolvimento dos suspeitos ainda estão sob apuração, e o caso deverá ser acompanhado pela Polícia Civil.
Fontes da segurança pública admitem que a investigação enfrenta desafios: os garimpos ilegais do sudoeste do Pará são territórios dominados por facções locais, milícias e grupos armados, onde a presença do Estado é mínima e o medo reina absoluto.
Paisagem humana degradada
O drama de Márcia Kelly expõe, mais uma vez, a face invisível e brutal da economia garimpeira amazônica. Em locais como Novo Progresso, a ausência de fiscalização, a precariedade das relações de trabalho e a violência cotidiana criam um ambiente de total vulnerabilidade, especialmente para mulheres.
Não é raro que cozinheiras, lavadeiras e trabalhadoras de apoio — muitas vindas de outras cidades em busca de sustento — sejam submetidas a jornadas exaustivas, humilhações e agressões, sem qualquer proteção legal. O caso de Márcia é simbólico porque revela que, além da destruição ambiental e do contrabando de ouro, o garimpo ilegal produz uma paisagem humana degradada, onde vidas valem pouco e a lei é substituída pela força.
A rápida ação da Polícia Militar, nesse contexto, foi uma exceção em um território que há muito opera à margem da institucionalidade. O resgate de Márcia foi uma vitória pontual da vida sobre o abandono — mas também um lembrete doloroso de que centenas de outras “Márcia Kellys” continuam invisíveis, perdidas entre o barulho dos motores das balsas e o silêncio dos rios amazônicos.















