O Portal Ver-o-Fato foi selecionado para dissertação de mestrado da universidade paulista Cásper Líbero, conhecida por ter sido a primeira a implantar o jornalismo como disciplina em toda a América Latina. A dissertação foi produzida pelo repórter da Rede Globo Walace Lara, que escolheu para o trabalho, usando critérios definidos, dez blogs das cinco regiões do país.
Do Pará, além do Ver-o-Fato, outro selecionado foi o blog do Zé Dudu, de Marabá, cujo responsável é o jornalista José Eduardo Ferreira do Vale. O trabalho de Lara, agora divulgado, foi realizado em 2020, em plena pandemia. A dissertação teve como orientadora a professora doutora Marli dos Santos e intitulou-se “Jornalistas de blogs: uma análise sobre as estratégias de sobrevivência”.
Naquele ano, para a elaboração da dissertação, o pós-graduado em Comunicação Walace Lara, fez uma longa entrevista com o jornalista Carlos Mendes, criador e editor do Ver-o-Fato, por meio da plataforma Skype. Trechos dessa entrevista você pode ler abaixo. A dissertação completa de Lara com todos os 10 jornalistas ouvidos pelo país, pode ser acessada neste endereço: veja aqui
Segundo Lara, para selecionar os participantes da pesquisa, quatro atributos foram essenciais: o primeiro, a relevância do jornalista blogueiro como referência para as redações de grandes veículos jornalísticos no Brasil; o segundo, a independência (eles não estarem abrigados em nenhum site de grande empresa de comunicação); terceiro, a experiência profissional (todos têm mais de 10 anos de profissão) e quarto, terem sido indicados por jornalistas das capitais de estados das cinco regiões do país.
“Para identificar esses atributos, foi trilhado um caminho metodológico composto por dois procedimentos: análise documental e entrevistas estruturadas. Com o intuito de saber quem seriam os jornalistas blogueiros com relevância para as redações de veículos da grande imprensa, este pesquisador recorreu primeiro aos dados de circulação fechados e liberados excepcionalmente para pesquisadores pelo Instituto Verificador de Comunicação (IVC), para identificar os principais veículos jornalísticos no Brasil por volume publicado e visualizado nas cinco regiões do país. Após analisar os dados, o autor identificou o ranking desses veículos por estado e região, escolhendo o primeiro e o segundo colocados das capitais de cada estado em cada região, para formar uma lista de contatos”, explica o jornalista.
Tendo em mãos a lista de veículos jornalísticos, Lara iniciou os contatos com os jornalistas (editores, chefes de reportagem e repórteres) e aplicou a entrevista estruturada com três questões abertas. O detalhamento do procedimento e os resultados das entrevistas foram apresentados no capítulo 2 da dissertação. Com a indicação dos jornalistas blogueiros de referência para os profissionais de redação, foram selecionados dez entrevistados que atendiam aos demais atributos estabelecidos para o corpus da pesquisa. “Foram escolhidos dois de cada região para dar mais pluralidade e características nacionais”.
Nas entrevistas, os resultados revelaram quais tipos de notícias publicam, como produzem, sobrevivem e qual o segredo para se manterem relevantes.”Foi possível identificar que apesar de todas as dificuldades, esses jornalistas blogueiros são motivados por uma força maior, uma necessidade de informar e interagir”, resume Lara.
.Sobre o Ver-o-Fato, ele diz: “manter a satisfação pessoal e, ao mesmo tempo, ativo no jornalismo foi o que motivou no Pará, Carlos Mendes, jornalista de formação e o profissional entrevistado com maior tempo de carreira a montar um blog. Aposentado, morando no Pará, Mendes tem 55 anos de profissão e cinco de blog. Enquanto ele trabalhava em uma redação, ele não pensava no assunto porque sentia que não teria tempo para administrar o blog, fazendo checagem, filtrando informações, indo atrás das fontes”.
Nos primeiros três anos, o jornalista trabalhou incessantemente, sem conseguir ganhar nada, situação que mudou com o passar do tempo: Como eu não tinha tempo para isso, eu pensei: agora que estou parado, aposentado, vou montar um blog. Aí montei o Ver-o-Fato, Opinião e Denúncias sobre Fatos de Interesse Público. Fiquei com o Ver-o-Fato durante quatro anos como um blog. E em setembro do ano passado, acabou fazendo um ano, graças a evolução que foi tendo consegui transformar em um portal de notícia. Foi assim que ele surgiu: ele surgiu com planejamento, como uma ideia de transformar isso também de agregar
financeiramente alguma coisa para complementar a minha aposentadoria de jornalista”.
Trechos da entrevista com o editor, Carlos Mendes
Por que você decidiu criar um blog jornalístico?
R: Deixa eu te dizer: em 2015, meu último emprego foi no jornal Diário do Pará aqui de Belém, que pertence à família do senador Jader Barbalho e do atual governador do Pará, Helder Barbalho. Antes eu já havia passado, trabalhei 23 anos no jornal Liberal e bem lá atrás trabalhei no outro jornal A Província do Pará, no início dos anos 1970. E eu tenho 70 anos de idade, vou fazer 71 em dezembro. Nunca parei. Passei por todos esses jornais todinho e 23 anos como correspondente do O Estado de S.Paulo. Quando eu parei, meu último emprego, no jornal Diário do Pará – eu sempre quis montar um blog. Mas eu não tinha tempo, eu acho que para você montar um blog você tem de ter tempo de se dedicar principalmente à área jornalística, você tem de fazer tudo aquilo que você faz normalmente no seu trabalho: filtrar informações, checar, ir atrás de fonte, ligar, receber e-mails, trocar ideias, aparar dúvidas, passar tudo a limpo e um blog exige essa dedicação. Como eu não tinha tempo para isso, eu pensei: agora que estou parado, aposentado, vou montar um blog. Aí montei o Ver-o-Fato. Fiquei com o Ver-o-Fato durante quatro anos como blog. E em setembro do ano passado, acabou de fazendo um ano, graças a evolução que foi tendo consegui transformar
em um portal de notícia. Foi assim que ele surgiu: ele surgiu como planejamento, como uma ideia de transformar isso também de agregar financeiramente algo para complementar a minha aposentadoria de jornalista.
Por que você escolheu esse formato de blog?
R: Ele se adaptava mais à minha dinâmica de trabalho. Eu tinha saído de uma redação de jornal, sou da época da máquina de escrever, com barulho, pessoas chegando, aquelas brincadeiras. Hoje em dia as redações de jornais são verdadeiros sepulcros. Você não consegue mais ter aquela dinâmica, as pessoas, as redações são quase impessoais. Cada um na sua. O sujeito chega ali só consulta o colega para determinada informação, ainda há aquelas brincadeiras assim, mas muito pouco em relação ao que era da máquina de escrever. Eu passei por essa fase de passar para o computador. Aliás, eu fui um dos últimos jornalistas do Pará a aderir ao computador. Todo mundo já tinha computador e eu tinha máquina de escrever. Teve um dia que um diretor chegou e disse: “vais ter de fazer, porque agora o sistema aqui está todo computadorizado e tu vais ter de entrar nessa”. E eu me adaptei e hoje não consigo mais sair. É diferente agora. Dessa época eu só não tenho saudade do cigarro, porque o pessoal fumava muito dentro das redações… virei fumante passivo por causa das redações. Eu sempre procurava me afastar.
Como foi a escolha do foco editorial?
R: Eu sempre fui do jornalismo, da escola generalista. Generalista em especialidades e não especialista em generalidades. Eu já fiz polícia, já fiz política, já cobri palácio do governo, assembleia legislativa, câmara municipal, delegacia de polícia, bancos, escrevi matérias sobre economia. Sou dessa área generalista. Escrevendo um pouco de tudo. Já tinha essa dinâmica quando eu comecei a trabalhar no jornal, porque já tinha lido, aos 16, 17 anos, já tinha lido quase toda a literatura universal. Mas escolhi os clássicos, os meus, não é? Kafka, Rimbaud, Graciliano Ramos, os contistas russos, todinhos, Dickens, Proust, Poe e sobretudo o Franz Kafka me deram muito a dinâmica de como desvendar os mistérios do jornalismo e os corredores insondáveis do poder. A minha leitura de Kafka me ajudou muito a fazer o que eu fiz nos últimos 40 anos e o que estou fazendo até hoje, que é o jornalismo na área investigativa.
E você leva isso para o blog?
R: Eu trouxe esse vício, entre aspas, do jornalismo impresso, porque acho que você precisa fazer a diferença na rede social, que é uma verdadeira terra de ninguém, onde todo mundo que tem um blog, se acha um pouco repórter. Mas a diferença de quem é do ramo, está no sentido de checar, de filtrar informação, evitar fake news. Fujo de fake news como o “diabo da cruz”. Sou obsessivo em evitar isso.
Em quantos jornais você trabalhou?
R: Trabalhei em todos os jornais aqui. A Província do Pará, jornal O Estado do Pará, que me deu uma dimensão muito grande, porque graças a ele, fiquei conhecido não pelo jornalismo investigativo que eu faço. Muita gente no Brasil me conhece como o repórter que investigou a “Operação Prato” – que foi a primeira operação militar no Brasil para investigar objetos voadores não identificados, os famosos “UFOs”. Um caso emblemático dos ETs de Colares – não sei se você já ouviu falar – que a Globo já fez muito especial, no canal de TV a cabo History toda hora está passando, que já rendeu muita entrevista para canais estrangeiros. Então de vez em quando sou convidado para proferir palestra no Brasil, porque eu fui o repórter que esteve nos locais dos acontecimentos, antes dos militares brasileiros, em plena ditadura, mandar a Aeronáutica investigar esses fenômenos. Me atritei com esses militares, tive problemas – tanto que acabei de lançar um livro chamado Luzes do Medo, onde conto tudo isso, toda essa história.
Você chegou a avaliar ofertas de outros blogs para trabalhar?
R: Sempre quis essa independência. Quando terminou eu disse chega de patrão, chega de cara dizendo que: “Olha, tá ótima a matéria que você fez. Mas eu vou cortar aquilo, vou segurar porque temos clientes comerciais e isso vai nos prejudicar, vamos acabar perdendo cliente, você não vai receber o seu salário porque fez uma matéria que contraria o interesse comercial da empresa”. Quando chegou 2015, eu disse: “Chega, patrão nunca mais! Vou ser patrão de mim mesmo.” E eu trato as pessoas do Ver-o-Fato exatamente como gostaria de ser tratado. Dou ampla liberdade a elas, mas eu digo a elas: o critério editorial é meu. O critério editorial, a seleção, a manchete, é minha. Você pode sugerir, se eu achar que a sua sugestão bate com aquilo que eu penso. Eu aproveito totalmente a manchete que eles dão quando escrevem as notícias. Essa liberdade é fundamental não só para gerir o seu negócio, mas também para editar, no caso do Ver-o-Fato, ter essa liberdade de edição. Tem gente que lê o Ver-o-Fato porque diz que gosta das manchetes, não gosta tanto do conteúdo. Eu digo: não faça isso, você tem de ler o
conteúdo. Eu sempre uso essa figura de linguagem: a manchete no jornalismo ela tem de ser seguida de um bom texto, porque senão não tem graça. É como você vestir uma roupa nova em um defunto ou em um cara doente. O cara está doente, bem doente, compra uma roupa nova e sai desfilando por aí, até que alguém diz: “Olha, fulano, você está bem doente, estou notando por sua aparência. Aí acabou a festa do cara”. Então, no jornalismo, na rede social, é o mesmo. Até porque o strip-tease que você faz, digamos, o strip-tease moral e editorial da rede social, ele é muito maior do que no impresso. No impresso, ninguém está vendo o que você escreve. É um pedaço de papel. É diferente: aqui você tem de se mostrar, tem de aparecer. E detalhe: não gosto muito de aparecer. Mas tenho um programa aqui, que apresento toda quinta-feira.
É programa de TV, rádio?
R: De TV mesmo, de imagem. Eu convido jornalistas e nós temos o programa chamado Linha de Tiro. Eu criei. Eu chamo de “jornalismo sem patrão, sem censura, sem balcão”.
E ele passa onde?
R: Ele passa toda quinta-feira na página do Ver-o-Fato. Ele fica do lado direito da página e se chama Linha de Tiro. Fica durante uma semana até que vem o da próxima semana. Ele é feito ao vivo, eu gosto do contato ao vivo, os leitores fazem perguntas para os convidados. Tem jornalista que fala de Brasília, que o André Mutran, ele cobre o Congresso Nacional, traz as notícias direto de Brasília. Eu tenho um historiador e um antropólogo da Universidade Federal do Pará (UFPA), que dividem o programa comigo. Mais um outro jornalista. Tenho cinco jornalistas que participam do programa. Às vezes um não pode e entra outro. A média é sempre quatro e o Mutran de Brasília. Eu apelidei ele de “a nossa luneta jornalística na capital federal”.
Esse modelo já é de multiplataforma, não é? Você já está agregando mais elementos…
R: O Linha de Tiro já tem três anos. Ele é anterior ao blog. Já fazia antes. Eu já estava empregado e já tinha o Linha de Tiro.
Você se lembra da primeira notícia que você deu no blog?
R: A primeira notícia que eu dei foi de uma empresa baiana que se instalou no Pará e montou um “Lixão”, a gente chama assim – essa empresa armazena todo o lixo da cidade de Belém e da região metropolitana, que está em torno de 2 milhões de pessoas e essa empresa montou esse local que eles chamam de resíduos sólidos e nós apelidamos de “Lixão”. A primeira vez que eu fui lá, eu fiquei espantado, porque tinham fechado um “Lixão” antigo e tinham inaugurado um novo, que iria aproveitar os gases e tal e transformar isso em bioenergia, fecharam um contrato bilionário. Quando foi ver, os resíduos estavam sendo depositados, criando novas montanhas de lixo. Isso só tem quatro anos. Eu abri uma guerra, investiguei essa empresa descobri uma série de problemas: contrato superfaturado e o governo todo do Pará prorrogou o contrato com ela, mesmo com uma série de ilegalidades. Ela violou as leis ambientais do estado, fechou igarapés na proximidade do “Lixão”. Ou seja, ela degradou completamente a área. E aí ela estava impunemente fazendo isso. Eu comecei a denunciar. A grande mídia ficou calada. Os dois jornais ficaram calados, porque ela era cliente dos dois jornais, onde eu havia trabalhado e eu comecei a bater, a bater. Aí os caras começaram: “o Carlos quer isso?”. Queriam me dar entrevista e eu dizia: “então venham para o Linha de Tiro”, quero ver a sua empresa, vamos lá filmar a sua empresa. E eles: “não, não pode”. E eu dizia: “vocês estão vendo? Vocês querem enganar a população do Pará e eu não vou permitir isso. Meu jornalismo não vai aceitar esse tipo de coisa que vocês estão fazendo. Vou denunciar vocês”. Denunciei. O Ministério Público abriu procedimento, tem vários processos contra eles e agora a Justiça do Pará deu um prazo no ano passado para que esse lixão seja fechado definitivamente em maio de 2021 agora. Nós estamos acompanhando com o Ver-o-Fato, tem uma série de denúncias, desde a primeira reportagem.
Pela descrição que você está fazendo eles prometeram um aterro sanitário e entregaram um lixão?
R: Ainda estão fazendo um “Lixão”. Rapaz, é um mau cheiro horrível, a população foi para a rua. Gente vivia nos hospitais. As pessoas sentiam dor de cabeça, náuseas, aquele mau cheiro dentro de uma cidade pequena, como Marituba. Nós encampamos essa luta das pessoas e quando eu comecei, eu fui lá, levava câmera, os caras diziam: “Olha, esse jornalista quer ser deputado, quer ser senador, quer ser algo”. Veio a eleição e provei que não tinha nada a ver. Não sou político. Eu sou político no outro sentido, de fazer jornalismo, da denúncia jornalística, isso aí é fazer política, outro é a política partidária. Eu bato em todo mundo.
O seu percurso profissional ajudou no blog?
R: Tive de agregar a minha experiência com o entusiasmo de fazer jornalismo. Mesmo aos 70 anos. Isso é algo que eu trago comigo e eu vou morrer fazendo jornalismo. Rapaz, “tu trabalha” mais hoje aposentado do que quando você estava no jornal. Hoje “tu vive trancado nesse estúdio, tem de atualizar o Ver-o-Fato, tem de checar determinada informação”. Tem gente que liga para mim até na hora de ir dormir e ela diz: “Desliga esse celular” e eu digo que não posso, porque sou jornalista 24 horas. “Você está ficando louco” e eu digo: “Bendita loucura!” e a gente ri. Eu consegui agregar esse entusiasmo – que não é um entusiasmo senil –
mas sim de quem vibra pela profissão, mesmo aos 70 anos, com a experiência que eu consegui agregar, que vai evoluindo com o passar do tempo. Aquele cara que diz que é um “bam bam” que não erra nunca, esse aí é um farsante, é um mentiroso, tem de desconfiar. Jornalismo está aprendendo todo dia e a gente vai aprendendo com os próprios erros. Alguns não assimilam os erros e continuam a praticá-los. Eu procuro sempre consertar os meus erros e melhorar cada vez
mais.
E a sua relação com as fontes?
R: Aumentou muito e com um detalhe. Eu consigo trazer todas as antigas fontes por onde eu passei. Quando as pessoas me viram assinando matéria no blog, me procuraram perguntando se podiam mandar alguma notícia, mesmo morando fora de Belém e eu dizia: “Pode mandar, o Ver-o-Fato é nacional.” Eu adquiri novas fontes na internet. Quando você agrega credibilidade, você consegue dentro dessa terra de ninguém que é a rede social, a internet, você consegue fazer a diferença. A diferença está aí: quando você demonstra que tem credibilidade, é quando as fontes te procuram já sabendo que você vai dar a notícia. Você vai dizer o seguinte: olha eu quero prova gravada, documental, testemunhal. É assim que eu trabalho: jornalismo investigativo é isso. E ainda tem mais: depois de tudo que você apresentar, eu vou checar pra ver a autenticidade de tudo isso, porque já teve gente que plantou provas contra determinadas pessoas com base em
falsidade ideológica, documento falso. Quase que eu caio nessa – não agora na rede social, mas no impresso, de publicar vendetas pessoais com base em documento falso, fui checar, descobri, “fui para o pau” com a fonte, rompi com a fonte. Acontece muito raramente. Eu e a minha fonte temos cumplicidade. Eu digo para ela: a minha cumplicidade é até morrer. Ela é indissolúvel. Ela é melhor que o casamento.
Numericamente, aumentou, diminuiu?
R: No impresso, a fonte anônima mandava alguma coisa e a gente recebia na caixa de correio do jornal. Tinha um telefone, eu ligava para a pessoa e pedia se havia documentos, fatos, uma gravação, algo que você tenha, para que dê credibilidade e eu posso avançar no fato, ouvindo o outro lado. É assim que eu trabalho. Hoje na internet, eu tenho as fontes que se identificam pra mim. “Olha, eu sou engenheiro, eu sou professor, isso aquilo, está aqui meu ‘Zap’”, eles dizem. É muito mais rápido, muito mais instantâneo checar, se aquilo é uma fonte falsa ou uma fonte que está se apresentando porque ela quer desabafar. E eu continuo fazendo esse cotejo. Eu acho que a rede social hoje ela abandonou um pouco essa ideia de escrever uma matéria e ouvir o outro lado: para mim isso é fundamental. Às vezes eu fico dois dias com uma matéria, segurando, que eu sei que ninguém tem, porque estou correndo atrás da fonte, do outro lado. Só quando eu não consigo ou eu sinto que não quer falar, eu coloco que “fulano de tal foi procurado e o espaço está aberto”. Depois que eu publico, sempre aparece um advogado para dizer que: “Não foi assim, não, foi assado”. Então eu digo: “Olhe, mande a sua resposta, o espaço está aberto”. Eu digo sempre para todos eles que eu não tive como segurar porque a informação estava documentada, tem prova. Hoje tem conversa de “zap”, no impresso não tinha isso. Hoje tem Twitter. Você deixa rastro de informação em tudo que é lugar da rede social. A rede social é uma “terra de ninguém”, mas é muito produtiva para o trabalho jornalístico. Tem jornalista que fica de olho fechado, que não consegue investigar nada, porque ele acha que o mais importante é produzir. Eu acho que esse é um mal da imprensa nacional. Eu já trabalhei em um grande jornal e ainda continuo, que é o Estadão, onde havia um rigor, um critério na informação, a informação enxuta. Às vezes eu tinha material para escrever uma página e o cara dizia: “Olha, transforma isso em 60 linhas”. Eu fui me adaptando a essa realidade de “vender o peixe” em 60 linhas tranquilo e o jornal dar a manchete. Se você colocar o meu nome no Estadão vai encontrar mais de 6 mil matérias. Quando eu olho pra trás, eu me pergunto como eu consegui produzir tanto? Eu, um cara aqui da Amazônia, mais requisitado quando eles exigiam e conseguia dar conta do recado. Onde foi que eu cheguei? Como cheguei
a fazer isso? Dentro das minhas limitações. Eu tenho uma sequela de poliomielite. Aos 2 anos de idade, eu tive paralisia infantil. Os médicos diziam que eu não ia andar, que eu ia ficar paralisado. Não só andei, como corri, subi em árvore, joguei futebol, quebrei a perna jogando futebol. Viajei toda a Amazônia, pelo Estadão, pelos jornais daqui…
Você teve muita ameaça nesse período?
R: Sim, principalmente na área de conflito de terra, que é a minha praia. Extração ilegal de madeira, trabalho escravo, crime organizado, garimpagem ilegal, tráfico de mulheres e crianças para abuso sexual do Marajó para Europa. Tudo isso eu já relatei em muita reportagem. Agora imagina os interesses contrariados por trás disso.
Você citou o tamanho da reportagem no jornal, das 60 linhas e lá no blog, como funciona?
R: Eu aprendi que quanto menor e mais condensada for a informação na rede social, ela é mais digerível para o público. O meu conselho – se eu tivesse condições de aconselhar alguém – eu diria o seguinte: escreva texto bem curto, enxuto, se você puder transformar 60 linhas em 15 linhas… O leitor de rede social não tem tempo de ler notícia muito longa. Só quando interessa a ele. Eu digo: olha eu vou narrar porque o E.T. de Colares desceu do céu, chupou o sangue das pessoas, como está no meu livro lá. Aí o cara que se interessa vai ler. De vez em quando vem gente aqui em casa e pergunta quanto está o livro? Eu digo: 50 reais. O sujeito leva dois, dá de presente e volta depois para comprar, porque a pessoa que leu quer dar de presente para outra pessoa. Essas notícias na rede social hoje elas agravam mais a responsabilidade, porque você tem de escrever menos, mas dar a mensagem de um conteúdo que seja interessante para as pessoas.
Qual a vantagem e desvantagem de ter um blog?
R: A vantagem é administrar o seu tempo. Ao contrário das cinco horas do jornalismo, mas ninguém nunca trabalha só as cinco horas, a não ser o burocrata do jornalismo. Eu vivia nas redações. Quando eu chefiei nas redações, eu não podia cobrar dos outros o mesmo desempenho que eu tenho, porque cada um tem a sua dinâmica. O sujeito que não se dedica tanto é porque o jornalismo para ele é só para ganhar um dinheiro ali e depois partir para uma outra profissão. É só um pulo para ele. Jornalismo para mim é uma praia, algo que eu me dediquei, razão da minha vida. Eu não posso querer das outras pessoas da mesma forma que eu sou. Então eu entendo isso. Eu compreendo isso. Na rede social, eu consigo administrar esse tempo hoje, porque chega muita notícia. Algumas informações são de colegas que dizem que “Olha eu não posso publicar isso no O Liberal, nem no Diário do Pará, nem no jornal do governador, nem no jornal do senador, você publica no Ver-o-Fato?”. Então eu falo: “Deixa eu ler, ‘tá amarrada a matéria’?” “Tá sim”. Então me dá que eu publico. Aí a pessoa diz: “Mas se você publicar do jeito que eu lhe mandei vão saber porque está lá a matéria original”. Eu digo: “Deixa que eu reescrevo”. Aí eu pego toda aquela “maçaroca” e vou ter de reescrever. Quando eu vejo que vale a pena, que ninguém deu, censuraram, eu gosto de colocar a tarja de exclusividade. Isso faz a diferença, entendeu? Exclusivo…eu criei essa tarja da exclusividade e isso fez o blog crescer, porque o cara diz: “Opa, só ele que tem. Só ele que tem”. Um dia desses eu vi um blog aqui no sul do Pará, de Marabá, ele botou em caixa alta “exclusivo”, até o meu filho falou: “Olha, pai, já estão imitando, Ver-o-Fato está fazendo escola…”, eu disse: “Que bom, que bom, essa escola que eu aprendi. Estamos dando só os caminhos das pedras.”
Esse exclusivo é o furo jornalístico. Ele faz diferença no blog?
R: É a grande diferença na rede social. É o furo jornalístico também. Recentemente, eu fui convidado para voltar a redação do jornal O Liberal. O jornal O Liberal já foi o de maior vendagem no Norte e Nordeste. Ele estava “pau a pau” com o jornal A Tarde, de Salvador, no início de 2010, por aí. Era uma das maiores tiragens. Tirava 150 mil exemplares no domingo e de 60 mil a 80 mil durante a semana. Fui 10 anos chefe de reportagem. Teve um momento que eu quis sair para fazer o que eu gosto que é reportagem, vou investigar, porque eu sou essencialmente repórter, porque você fica se envolvendo demais. Você acaba tendo um envolvimento que foge à sua competência. Você acaba se envolvendo demais com falta de condições da redação: filme para fotógrafo, pilha para gravador, motorista que precisa buscar repórter não sei aonde, assinar ordem de serviço, isso estava me burocratizando. Eu sempre dizia que estava me “burrocratizando”. E eu não quero me “burrocratizar” dentro de uma redação, saí, fui ser repórter especial. Mas em uma rede social, qual é a desvantagem? A desvantagem é que você está muito sujeito a uma interrupção – se houver um bug na internet, acabou o seu trabalho. Ontem a área técnica me informou que nós sofremos mais de 1.800 ataques na rede social. Tivemos de bloquear tudo isso. Três blogs aqui do Pará foram tirados do ar: portais, blogs e sites. O Ver-o-Fato escapou ileso, porque tenho uma equipe técnica que é muito boa. Paga para não ter problema. Eu estou aqui, mas ele está cuidando. Ele está atualizando os plugins que chegam. Tá sempre atualizando, bloqueando tentativa de ataque. Ele me disse que às vezes, à 1h da manhã, ele não dormiu, ele vai ver antes dele deitar se tem alguém tentando algum ataque. Ele já conseguiu identificar. Quando ele acorda, a primeira coisa que ele faz de manhã é correr e ver se alguém conseguiu tirar o Ver-o-Fato ou não. Tem dado certo, mas é o trabalho de um profissional.
E isso é resultado do seu crescimento…
R: Exatamente. Isso agrega também credibilidade de pessoas que estão por trás, sustentando isso. O público pensa que a credibilidade só é de quem está escrevendo, assinando matéria. Não, e não. É de quem está por trás. Trabalho em equipe. Sempre valorizei esse trabalho. Todo mundo tem a sua importância dentro da dinâmica da informação.
Hoje você tem quantas pessoas trabalhando?
R: Hoje eu tenho só três pessoas que produzem informação: sou eu e mais 2, que são pagos. Os outros são só colaboradores. São colunistas. Eu falo para
eles escreverem quando tiverem uma folga. Tem colunista aqui que escreve duas vezes por semana, outro uma vez por semana. E eu tive a felicidade de ter na nossa equipe uma pessoa que é meu amigo e é um dos maiores intelectuais brasileiros e que a Folha de S.Paulo e O Globo estão correndo atrás dele para fazer capa de “Caderno Cultural”, que é o Vicente Cecim. Ele é um intelectual paraense que acaba de lançar o livro dele em vários idiomas. Ele tem Os jardins da noite, Viagens a Andara, ele criou uma Amazônia imaginária, mítica, nem real, nem irreal, mas uma Amazônia que é uma quantidade do real e do irreal, ele vem sempre aqui e conversa muito sobre isso. Eu disse para ele criar uma série sobre a Amazônica mítica. Deixa que sobre a Amazônia que está tendo a madeira roubada, eu escrevo. Essa Amazônia do dia a dia, que toma “porrada” toda hora, que as ONGs não fazem nada, que o governo Bolsonaro não faz nada, essa Amazônia eu tomo conta, do dia a dia, da denúncia, do Ministério Público Federal tomando providência. Agora a Amazônia mítica, do boto, a Amazônia grande, do curupira, encantada, essa Amazônia “tu vais cuidar”. Então ele está cuidando e está dando muito certo. (OBS: Vicente Cecim faleceu em junho do ano passado)
E a sua rotina?
R: Hoje só de matérias que chegaram pra mim e eu não pude publicar, eu tenho nove matérias. Eu vou dar tratamento para publicar amanhã. São matérias exclusivas nossas. Começo a trabalhar às 7h30 da manhã e vou até às 20h30. Essa é a minha dinâmica. Eu gosto de trabalhar ouvindo música. Tem música rodando. Gosto de ficar ouvindo rock, blues, jazz. Eu tenho uma rádio na internet, que administro e ainda faço programa. A sintonia está 24 horas no ar. Tem gente que vem aqui apresentar programa. Ela ainda não está no Ver-o-Fato estamos tentando colocar.
Para você, o futuro do jornalismo está no blog?
R: Eu acho que o futuro do jornalismo está em tentar se reciclar, ousando. Eu não vejo essa ousadia, eu vejo uma meninice de você correr atrás de informações oficiais. As informações oficiais são boas, mas a verdadeira informação é aquela que está na sociedade, pulsando, reclamando, denunciando. Eu acho que a gente tem mais que estar sintonizado com isso. E a maneira de se encontrar essas fontes é a rede social, é a internet, esse é um vastíssimo campo a ser explorado. Eu te diria hoje que a rede social, a internet, para Ver-o-Fato é um campo maior a ser explorado do que a Amazônia. Nós estamos aqui e em muitos aspectos a gente se identifica: nós já temos uma rede de informantes. Eu tenho informante onde você possa imaginar: na Polícia Federal, Secretaria de Segurança, no governo, na prefeitura, nas áreas política, empresarial e sobretudo em movimentos sociais. Eu acho que o futuro do jornalismo está na rede social.