A investigação da Polícia Federal sobre os desvios de recursos públicos da saúde para o combate à Covid-19 no Pará, apurou que um dos meios mais utilizados por Nicolas André Tsontakis Morais – atualmente preso – para a lavagem de dinheiro, ocorria por meio da atividade agropecuária, principalmente a criação de gado. Nicolas comprava fazendas e bovinos.
Apurou-se que, inicialmente, o investimento na agropecuária pelo operador financeiro se deu em nome de Nicolas Freire, nome falso que ele utilizava para, provavelmente, ocultar a sua real identidade e, consequentemente, a propriedade dos bens móveis e imóveis adquiridos.
Ocorre que, a partir de meados de 2020, especialmente com a deflagração da Operação Para Bellum da Polícia Federal, Nicolas começou a se desfazer do gado, passando a titularidade de tudo que era vinculado à área pecuária para o nome da mulher dele, Ana Caroline Oliveira, utilizando-a como “laranja”. No dia 8 de setembro de 2020, essa estratégia de Nicolas fica bem clara no diálogo que ele mantém com seu homem de confiança no esquema e gerente, Manoel Rodojalma Medeiros de Lima.
Nicolas diz para Manoel não colocar nada de gado em nome dele, mas sim no nome de Ana Caroline, tratada por Carol.
Áudio de Nicolas para Manoel: “Adalto vai te mandar os dados da fazenda dele. É um agendamento para 250 cabeça, tempo 24 meses, vou pagar 6 meses, adiantada, R$ 30, depois eu começo a pagar mês a mês, tá?! Livro de touro explicando que o gado de propriedade minha não é dele bem detalhado que ele é um cara meio complicado, viu Manoel”
Em seguida, Manoel pergunta para Nicolas: “teu nome ou o nome da Carol?”, encaminhando o contrato referente à locação de área de pastagem”. Ao final, Nicolas responde: “tudo é Carol! Nada, nada de gado em meu nome”.
Rico da noite para o dia
Diz o relatório da investigação da Polícia Federal que a partir da deflagração da Operação SOS, em 29 de setembro de 2020, Ana Caroline, que, na ocasião, já havia registrado em seu nome boa parte do gado pertencente, inicialmente, a Nicolas Freire, “iniciou um processo de dilapidação sistemática e pulverizada do patrimônio, realizando diversas remessas de gado para terceiros, transferindo o rebanho para diversas fazendas, na provável expectativa de evitar o rastreamento e constrição dos bens pelos órgãos de persecução penal”.
Impressiona a apuração feita pela PF nos dados das fichas sanitárias disponibilizadas pela Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará). Essas fichas mostram que Nicolas, em apenas um único dia – 26 de junho de 2020 -, transferiu 10.557 bovinos para Ana Caroline. A partir do início de outubro, pós-operação SOS, verifica-se que ela transferiu expressiva quantidade de gado a terceiros, a ponto de ter, em 12 de abril de 2021, apenas 3.086 bovinos registrados em nome dela. Ou seja, ela recebeu de Nicolas o montante de 10.557 bovinos, mas, poucos meses depois da deflagração da operação policial, já não possuía nem um terço do quantitativo que lhe foi repassado.
“ Aliás, comparando-se as informações relativas a Nicolas Tsontakis e Nicolas Freire (identidade falsa que ele usava), percebe-se que o verdadeiro Nicolas, até 2017, não tinha atividade significativa no agronegócio. Adquiriu, entre os anos de 2011 e 2017, a singela quantia de 115 bovinos, o que permite inferir que ele não tirava sua renda de atividade agropecuária. Entretanto, a partir de 2018, quando, provavelmente, Nicolas Tsontakis falsifica sua identidade e passa a utilizar o nome de Nicolas Freire, ele se torna, repentinamente, um grande proprietário de milhares de cabeças de gado que estão espelhados ao longo de dezenas de propriedades rurais”, observa a PF.
Nesse ponto, a investigação repete que Nicolas não exerce qualquer atividade lícita que dê amparo à movimentação financeira correspondente à aquisição repentina e exponencial de fazendas e bovinos. Prova são as informações condensadas, em sua maioria, no Relatório de Análise de Polícia Judiciária, que se baseou nos dados constantes nas fichas sanitárias disponibilizadas pela Adepará nos relatórios de análise bancária e em conversas obtidas nos celulares apreendidos pertencentes a integrantes da organização criminosa.
Duas fazendas, R$ 52 milhões
A partir de 2018, quando falsifica a identidade, Nicolas, da noite para o dia, se torna um grande proprietário de milhares de cabeças de gado no Pará. E arrenda seis fazendas: Santa Bárbara, em Ipixuna; São Paulo, Estrela do Norte, Ipiranga, Santa Brígida e São José. A fazenda Ipiranga, localizada em Paragominas, foi vendida para Nicolas por R$ 32 milhões.
Ele deu R$ 8 milhões de entrada e pagaria o restante em parcelas de R$ 500 mil mensais. Desse dinheiro da entrada, R$ 2,6 milhões, segundo a PF, foram desviados do Hospital de Itaituba, onde doentes morriam acometidos pela Covid-19. A fazenda Aurora, localizada em Aurora do Pará, foi comprada por Nicolas por R$ 20 milhões. Outras tantas fazendas foram arrendadas para que o gado fosse transferido de uma fazenda para outra e, assim, despistar as investigações.
“Dito isso, é possível perceber, com clareza, que Nicolas praticou atos de lavagem por meio da atividade agropecuária, não apenas se utilizando de uma falsa identidade como, também, valendo-se de sua esposa, Ana Caroline, na condição de interposta pessoa, para ocultar a real propriedade dos bens adquiridos, muito provavelmente, através dos recursos públicos desviados no Estado do Pará, notadamente na área da saúde”, argumenta o relatório da PF.