Auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) identificaram fortes indícios de superfaturamento e irregularidades graves nos contratos firmados para a comercialização de espaços das chamadas Green Zone e Blue Zone da COP30, que será realizada em novembro próximo, em Belém. O órgão de controle determinou que o governo federal apresente explicações formais sobre os valores praticados e os critérios de precificação utilizados.
O alerta consta em um documento de 11 páginas no qual o TCU aponta “a gravidade das irregularidades identificadas” e afirma ser “indispensável a oitiva da Secretaria Extraordinária da COP30”. A auditoria foi feita sobre dois contratos assinados em 2 de junho entre a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) — que representa o governo federal na organização do evento — e o Consórcio Pronto RG, responsável pela comercialização dos espaços nas duas zonas do evento.
A análise do TCU partiu de uma representação feita pela oposição ao governo e encontrou fortes indícios de superfaturamento. Segundo os técnicos, há “plausibilidade jurídica robusta” nas denúncias apresentadas, que mostram disparidades escandalosas entre os preços cobrados pela empresa contratada e os valores praticados no mercado.
Em alguns casos, as diferenças chegam a 1.000%. O relatório cita, por exemplo:
Uma cadeira Charles Eames de R$ 150,00 sendo vendida por R$ 1.650,00;
Uma impressora multifuncional com preço de mercado de R$ 400,00 ofertada por R$ 3.000,00;
Um frigobar de 120 litros que custa R$ 500,00 comercializado por R$ 1.400,00.
Esses casos, segundo o TCU, evidenciam “padrão sistemático de superfaturamento” e um “abuso de posição dominante decorrente da exclusividade concedida pelo certame”.
Os auditores também criticam a estrutura normativa do edital, que teria favorecido práticas abusivas. O item 23 do documento permitiu que a empresa contratada tivesse exclusividade total na comercialização de espaços e serviços, sem que houvesse mecanismos de controle sobre os preços. Essa exclusividade, na avaliação técnica, “incentiva a prática de subsidiação cruzada e impede propostas que reflitam o real valor econômico da contratação”.
Além da disparidade de preços, o TCU também questiona o fato de a contratação da OEI — e, por consequência, da Pronto RG — ter sido feita sem licitação. A CNN já havia revelado essa irregularidade em fevereiro, o que levou o governo a rever o valor inicial do contrato.
Agora, diante do novo relatório, caberá ao presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, decidir se suspende os contratos ou apenas determina que o governo apresente esclarecimentos. Dentro do tribunal, a avaliação predominante é que a segunda opção prevaleça, em razão da proximidade da COP30 e do risco de comprometer o evento, que contará com a presença de chefes de Estado de todo o mundo.
Enquanto isso, o governo federal deve explicações urgentes. O que está em jogo não é apenas o custo financeiro de um contrato milionário, mas a credibilidade do país diante da comunidade internacional, justamente em um evento que deveria simbolizar transparência, sustentabilidade e responsabilidade pública.
O portal CNN informou ter procurado a OEI e a Secretaria Extraordinária da COP30, mas ainda não obteve resposta. O caso é escandaloso e expõe uma contradição gritante: a Conferência da ONU sobre o Clima, que deveria representar o compromisso do Brasil com a ética e a sustentabilidade, começa a ser manchada por suspeitas de corrupção e favorecimento.
O governo federal precisa se explicar ao TCU e ao país. Afinal, se confirmados os sobrepreços de até mil por cento, estaríamos diante de um caso clássico de drenagem de dinheiro público sob o disfarce da “urgência” e da “relevância internacional” do evento.
A COP30, que poderia marcar a entrada do Brasil em um novo ciclo de responsabilidade ambiental e social, corre o risco de se tornar símbolo de desperdício e desconfiança. O que falta, mais uma vez, é transparência — e vontade política de cortar privilégios disfarçados de contratos técnicos.
Explicações pedidas em março
Em março passado, ainda segundo a CNN, O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou indícios graves de irregularidades no contrato firmado pelo governo federal com a Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI) para a organização da COP30. O acordo, no valor de R$ 478,3 milhões, foi firmado sem licitação e levanta suspeitas sobre a transparência e legalidade do processo. Enquanto edições anteriores da conferência seguiram modelos de concorrência pública, o atual governo optou por um direcionamento direto, sem justificativa clara.
O TCU também questiona a antecipação de pagamentos à OEI antes da assinatura do contrato, um procedimento no mínimo temerário. Registros do Portal da Transparência indicam que R$ 5 milhões foram pagos em agosto e outros R$ 15,7 milhões em dezembro de 2024, antes da formalização do acordo. O tribunal alerta que os repasses podem indicar uma execução antecipada não declarada ou a existência de outro instrumento obscuro.
Outro fator alarmante é a escalada dos contratos com a OEI desde a chegada de Leonardo Barchini ao Ministério da Educação. Ex-diretor da própria OEI, ele viu os valores saltarem de R$ 17,4 milhões em 2023 para uma projeção de R$ 676,1 milhões até 2025. O TCU exige explicações da Casa Civil sobre a escolha da entidade e a composição do montante milionário.















