O Brasil assiste a uma sequência de decisões judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) que parecem, aos olhos de muitos, caminhar na contramão do que a população espera no combate à corrupção. Em meio a um cenário de sucessivas crises e um clamor por maior transparência e ética, o STF, que deveria ser um pilar de justiça e imparcialidade, tem sido frequentemente alvo de críticas pela leniência em processos contra figuras poderosas e influentes do país.
Ontem, 28, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulou todas as condenações da Lava Jato contra o ex-ministro José Dirceu (PT). O processo está sob sigilo. Com a decisão, na prática, Dirceu retoma seus direitos políticos e deixa de ser considerado “ficha-suja”.
A decisão atende a um pedido da defesa para estender ao ex-ministro a decisão da 2ª Turma do STF que considerou o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar Lula.
Na decisão, Gilmar critica a “confraria formada pelo ex-Juiz Sérgio Moro e os Procuradores da Curitiba”. Ele diz que a operação “encarava a condenação de Dirceu como objetivo a ser alcançado para alicerçar as denúncias que, em seguida, seriam oferecidas contra Luiz Inácio Lula da Silva”.
Ações da Lava Jato contra Dirceu eram “alicerce” contra Lula, argumentou Gilmar. O ministro do STF entendeu que as ações movidas contra o petista tinham como objetivo servir de “alicerce” para as denúncias que foram apresentadas posteriormente contra Lula.
Por isso, Gilmar decidiu estender a Dirceu o entendimento que anulou condenações de Lula. “A extensão, assim, legitima-se não como uma medida geral, que aproveita a qualquer outro investigado na Lava Jato, mas devido a indicativos de que o juiz e procuradores ajustaram estratégias contra esses réus, tendo a condenação de um deles como alicerce da denúncia oferecida contra outro”, decidiu o ministro do STF.
“Ante o exposto, ante a situação particular do réu, defiro o pedido da defesa para determinar a extensão da ordem de Habeas Corpus (…) anulando todos os atos processuais do ex-juiz federal Sergio Moro nesses processos e em procedimentos conexos, exclusivamente em relação ao ex-ministro José Dirceu”, escreveu o ministro.
Trechos da decisão do ministro Gilmar Mendes
Na decisão tomada logo após o fim do segundo turno das eleições, o decano do STF recupera o julgamento do STF e mensagens da Vaza Jato. Ao longo de 24 páginas, Gilmar menciona os sete indícios que o Supremo levou em conta ao considerar que houve quebra de imparcialidade por Moro ao julgar Lula. Ele também lista mensagens entre a força-tarefa de Curitiba e o ex-juiz reveladas pela imprensa.
Gilmar afirma que Moro tinha o desejo de “impulsionar movimentos sociais e forças de oposição ao partido político liderado pelo paciente —forças estas a que ele mesmo, em seguida, viria a aderir, quando aceitou o convite para integrar o governo de Jair Bolsonaro”, escreve o decano do STF.
Procurada, a defesa de Dirceu não se manifestou sobre a decisão de Gilmar.
Outra condenação por propina
O ex-ministro ainda tinha uma condenação por recebimento de propina da empreiteira Engevix no âmbito do esquema de corrupção da Petrobras. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) chegou a analisar o caso em 2022 e entendeu que a pena dele deveria ser de 27 anos de prisão. A defesa do ministro, porém, havia recorrido da decisão e o caso estava para ser analisado no próprio tribunal.
Em paralelo à ação no STJ, a defesa buscava a anulação do caso por meio de um habeas corpus com o ministro Gilmar Mendes. Com a decisão do ministro do STF, na prática, este outro processo que estava no STJ deve perder o objeto.
Império da impunidade
A sensação de impunidade que paira sobre casos de corrupção no Brasil não é nova, mas as recentes decisões da mais alta Corte do país têm gerado um sentimento de frustração e descrença. Em vez de um sistema rigoroso e implacável, voltado para a punição exemplar de quem desvia recursos públicos e abusa do poder, a população vê réus influentes escaparem ilesos de consequências, usando brechas processuais, acordos favoráveis ou até mesmo a demora judicial.
Para o cidadão brasileiro, que almeja um país mais inclusivo, justo e digno, essa realidade é amarga. O desgaste é visível, e o contraste entre o rigor da Justiça para crimes comuns e a suavidade com que o sistema muitas vezes trata a elite política e econômica expõe um paradoxo que corrói a fé pública. O desejo de um Brasil mais equitativo e ético fica ameaçado quando a impunidade se torna recorrente.
Em tempos de debates sobre reformas e ajustes na legislação, essa pauta da impunidade deveria estar no centro das atenções do sistema judiciário e dos legisladores. Afinal, sem uma Justiça firme, que responda ao clamor por integridade e responsabilidade, a luta por um país melhor permanece apenas como um sonho para milhões de brasileiros que, dia após dia, continuam a sofrer com as consequências de um sistema falho. (Do Ver-o-Fato, com informações do UOL)