O cotidiano guarda lugares singulares e tradicionais. É muita onda pegar o ônibus Sideral P. Vargas pela manhã. As “tiazonas véia empoderada” marcam seu status de poder. Vão levando o motora lerdo no 12. Qualquer vacilo, elas denunciam em alto e bom som. Não pode ir muito lento, mas também nem tão rápido. Tem que parar na parada certinho, mas não pode deixar o ônibus tão cheio. Moderação, contraditoriamente, é o que clamam.
Quando paramos ali na estação do Mangueirão, umas tias já queriam sair no tapa com os fiscais da Semob. Mas claro, sempre com muita educação, decoro e elegância, disseram: não dá mais ninguém aqui seus filhos da piiii; enfia passageiro no piiii da tua mãe; olha, corona…. Foi a faísca na pólvora. Logo o ônibus parecia um churrascão de domingo em família, todo mundo rindo, brigando e fofocando.
Até que, lá pelo entroncamento, o motorista dá aquela freiada. A tal tiazona, localizada próximo da roleta, começa a xingar ele de coisas que nem eu sabia que eram xingamentos. Outro passageiro, localizado próximo da porta de saída, diz para tiazona: cala boca, fala muito. Pronto, mais um estopim. Era guerra civil entre os passageiros. Uns riam, outros se metiam, muitos só olhavam.
Tem coisas que só acontecem nesse Sideral. Lá pela Av. Almirante Barroso sobe um casal de idosos, pasmem, com um cachorro com as patinhas com curativo. A risadaria foi geral. Mas a tiazona, com aquele seu humor característico, solta: não quero nenhum vira-lata encostando em mim. Gritaria e risadas depois, foi até linda a cena do cachorro sendo transportado por cima da cabeça das pessoas, como se um rei fosse. Em São Brás o casal desceu, a tiazona solta: égua, tudo pra não pagar um uber?! E mais gargalhadas…
Tudo isso acontecia enquanto o cobrador conversava com uma mulher que se sentava na cadeira mais próxima. Lá pela Av. José Malcher, o assunto dos dois era um assalto que o cobrador teria presenciado na semana passada, de noite, no mesmo ônibus. Enquanto ele contava a tragédia, uma mulher dormia, com a cabeça encostada na janela, posicionada no banco atrás da “cadeirona”, ou seja, não tinha como ela visualizar o que se passava por perto da catraca.
Eufórico, o cobrador começou a contar o assalto com mais e mais detalhes, ao ponto de encenar o diálogo com o ladrão. Nisso que ele está exemplificando as palavras que foram usadas, a mulher sonolenta vai acordando, mas sem entender nada, só ouve alguém falando: bora, passa toda a renda que tu tens porque isso aqui é um assalto. Sem saber que era apenas uma história, a moça aproveita que o ônibus parou e começa a gritar por socorro e literalmente se atira do ônibus.
Ao ver a cena, outros passageiros acabam acreditando e vão juntos com ela. Até eu, que vi toda a cena, cheguei a levantar por precaução. Passada a cena, tudo esclarecido, com a mulher morrendo de vergonha, todos voltam e a viagem segue. A tiazona sempre com seus comentários cirúrgicos: esse filha d’uma égua quer matar a gente do coração… E tome risadas e alívio.
Ali é uma verdadeira família. Com o tempo, sempre no mesmo horário, sabemos até onde cada um vai descer. Quero todas no meu aniversário. Mas fico imaginando as pessoas olhando isso da calçada. Devem achar que é aqueles fretes para piquenique em família.
É parecido, mas é apenas o Sideral P.Vargas das 7 da manhã.
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