Depois da derrota nas eleições de 1912, Theodore Roosevelt, que tinha sido presidente entre 1901 e 1909, fez o que costumava fazer em momentos de revés: fugiu. Desta vez, para o Brasil, juntando-se à expedição do então coronel Cândido Rondon para explorar o chamado Rio da Dúvida. Esse encontro improvável, que quase resultou na morte de Teddy, é o tema da minissérie em quatro episódios O Hóspede Americano, dirigida por Bruno Barreto, que estreia neste domingo, 26, na HBO Max.
“Eu fiquei obcecado com essa história”, disse Barreto em entrevista ao Estadão. “Roosevelt era um cara contraditório.” Ligado à natureza, criou a maior parte dos parques nacionais americanos. “Sem ele, o Grand Canyon teria virado a Serra Pelada”, afirmou o diretor. O presidente também foi contra as grandes corporações, porque achava importante não haver monopólios e equilibrar a desigualdade social criada durante a Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, tinha um lado conservador.
Ao pesquisar o episódio em questão, Barreto acabou conhecendo melhor Rondon, um homem também controverso. “Ele era um grande intelectual, um estadista, com uma visão de país”, disse Barreto “Os dois são visionários, recusam dogmas, ideologias, cartilhas e acabam se encontrando mesmo no lado mais escuro da alma humana, que é a crueldade.” Na série, isso aparece quando Rondon castiga um dos camaradas da expedição, e Roosevelt admite para o filho Kermit (Chris Mason) que dançou, sim, sobre os corpos dos soldados espanhóis mortos na guerra em Cuba.
A complexidade dos personagens foi o que fascinou Barreto. “Para mim, o maior antídoto contra essa polarização nefasta não só no Brasil, no mundo inteiro, é a complexidade. Sem ela, não tem democracia. Com polarização, só vai ter autoritarismo.”
Sua obsessão com essa história foi tamanha que pagou do próprio bolso o desenvolvimento do roteiro, escrito por Matthew Chapman. Em princípio, seria um longa, mas o então vice-presidente corporativo de produção original da HBO Latin America, Roberto Rios, sugeriu o formato minissérie, mais adequado ao canal.
Aidan Quinn foi escalado no papel do presidente americano, e Chico Diaz como Rondon. “Eu tinha trabalhado em uma série de canal aberto por sete anos e estava louco para fazer algo que usasse tudo de mim, mas não imaginava que seria algo assim. Foi um projeto duro, mas, às vezes, os que valem a pena são.” Diaz sonhava havia anos com Rondon. “Via nele uma representação brasileira fundamental, um militar nobilíssimo. Tudo o que ele fez foi exemplar.”
Filmar na natureza não foi fácil. O calor era grande, assim como a quantidade de mosquitos. “Não tinha como não comparar com a história que estávamos contando”, afirmou Chico Díaz. Só não teve morte, como na expedição real, que debilitou bastante a saúde de Roosevelt. Durante a campanha de 1912, ele tinha sofrido um atentado, e a bala ficou alojada em seu corpo. Na floresta, um ferimento não muito grave acabou evoluindo para uma infecção no osso. Ele emagreceu mais de 20 quilos e quase morreu depois da viagem que percorreu o rio, hoje chamado Roosevelt, de mais de 700 quilômetros.
O diretor dá de ombros. Paixão e obsessão, repetiu. “Você vira um missionário.” E lembra-se de quando o ator Robert Duvall disse que, se não fosse cineasta, Barreto poderia ser um padre jesuíta. “Perguntei se era elogio ou crítica, e ele respondeu: os dois.”
Aidan Quinn, que já tinha filmado no Brasil (em Brincando nos Campos do Senhor, de Hector Babenco), não reclamou. “Eu ia trabalhar de manhã em um barco pela Amazônia. É a jornada mais bela, espiritual que se pode ter”, afirmou o ator, que, como Roosevelt, tem um amor profundo pela natureza e justiça social. “Estou em Nova York aspirando a fumaça produzida pelos incêndios na Costa Oeste, a 4.500 quilômetros daqui”, disse. “Se todos nós não formos tratados decentemente, todos sofremos. A covid é prova disso.” Por isso ele admira Roosevelt, que, apesar de ter crescido rico, foi contra muitos de seus amigos milionários.
Chico Diaz também reconhece em Cândido Rondon mensagens para nós hoje. “O presidente de uma das maiores nações do mundo ficou nas mãos de um nativo brasileiro”, afirmou o ator sobre o coronel, que era descendente de indígenas. “Isso poderia ser trazido para os tempos de hoje, haver uma confiança nas nossas sabedorias mais originárias. Rondon foi um exemplo nesse sentido, desde 1914. Faz mais de cem anos que tentamos mostrar o valor da nossa gente para o mundo inteiro, mas não está fácil.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.