Câmaras permitiram o aumento, que terá efeito cascata sobre a folha de pagamento do funcionalismo, a maioria a partir de 2022
As câmaras municipais de seis das 12 maiores capitais do país aprovaram reajustes salariais para seus prefeitos apesar da retração nas receitas no último ano, de acordo com levantamento feito pelo jornal O Globo. Assim como em São Paulo, onde o prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB) receberá um aumento de 46% a partir de 2022, poderão ser contemplados mandatários de Manaus, Belém, João Pessoa, Curitiba e Salvador.
Além disso, tramitam nas câmaras de Goiânia e Palmas dois projetos de lei que preveem a correção das remunerações dos prefeitos, vices, secretários e dos próprios vereadores. Segundo o jornal carioca, os reajustes são motivo de controvérsia. De um lado, as câmaras municipais defendem que a responsabilidade do cargo de prefeito exige compensação financeira à altura.
De outro lado, pesa a impopularidade da medida num momento de alta do desemprego e o risco de efeito cascata sobre a folha de pagamento com forte impacto sobre as contas públicas, já que o salário do prefeito serve como teto para remuneração do funcionalismo.
Na capital paulista, o salário de Covas saltará de R$ 24,1 mil para R$ 35,4 mil a partir de 2022. Ao justificar a medida, a Câmara informou que o teto salarial do município estava defasado nos últimos oito anos e o aumento de 46% está em patamar abaixo da inflação acumulada no período. “Desde a última correção, em 2012, a inflação acumulada chega a 63,11% pelo IPCA e 100,41% pelo IGP”, disse a nota da Casa.
A estimativa é de que o reajuste do prefeito paulista beneficie outros cerca de cinco mil servidores da elite do funcionalismo — de um total de 150 mil. A conta ficaria na casa dos R$ 500 milhões anuais, segundo o gabinete do vereador Police Neto (PSD).
Durante a sessão na Casa, que aprovou o benefício na última quinta, aliados de Covas argumentaram que os cargos de prefeito e secretário municipal precisam ter salários mais atrativos na cidade mais rica do país. Alegaram ainda que os cargos públicos considerados chave, como os de secretários, já enfrentam desinteresse de pessoas qualificadas que obtém melhor remuneração na iniciativa privada.
— Se a gente nivela por baixo quem administra um orçamento de R$ 70 bilhões, talvez mais pessoas despreparadas possam vir para política — afirmou o vereador Caio Miranda Carneiro, do DEM.
A oposição criticou a proposta e lembrou que os salários dos próprios vereadores foram cortados em 30% durante a pandemia.
Polêmica à parte, na maioria dos casos, os aumentos para os prefeitos entram em vigor a partir de 2022 em obediência à lei complementar 173/2020. O texto permitiu socorro financeiro a estados e municípios em meio à Covid-19 e impede reajustes de servidores até dezembro de 2021.
A desobediência a essa norma, no entanto, levou a Justiça da Paraíba a suspender no último dia 20 um aumento no salário do prefeito de João Pessoa de R$ 22 mil para R$ 25,5 mil. O projeto também elevava as remunerações do vice, dos secretários e dos próprios vereadores já a partir de 2021.

Para Edmilson, um equívoco
O prefeito eleito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), foi no caminho oposto e defendeu o veto ao projeto que aumenta em 50% o seu salário de R$ 18 mil para R$ 25,3 mil, além do vice e dos vereadores.
“Respeito a autonomia do parlamento, porém, é um equívoco priorizar este tema num momento de crise econômica, com milhares de belenenses desempregados e sem renda e anos de congelamento de salários do funcionalismo”, escreveu Rodrigues em sua rede social.
Em Manaus, uma das cidades mais afetadas pela Covid-19, a prefeitura ainda não se manifestou sobre a chance de sanção do reajuste de 50% para o prefeito. O projeto já foi aprovado pela Câmara. Lá, o salário do atual prefeito Artur Virgílio (PSDB) é de R$ 18 mil. Com o aumento, o novo prefeito David Almeida (Avante) deve receber R$ 27 mil em 2022. Já o vice-prefeito, subiria de R$ 17 mil para R$ 26 mil, enquanto os subsecretários e secretários de R$ 14 e R$ 15 mil, respectivamente, para R$ 19 mil e R$ 21 mil.
Já em Curitiba, a Câmara aprovou um reajuste linear de 3,14% para todos os servidores, aposentados e pensionistas. A proposta contempla a categoria de agentes políticos, o que inclui o prefeito Rafael Greca (DEM), o vice e os secretários. O percentual equivale ao IPCA entre outubro de 2019 e setembro de 2020. O impacto orçamentário é de R$ 22,5 milhões este ano e de R$ 139 milhões, em 2021.
Na justificativa, o prefeito diz que a proposta não traz riscos ao saneamento das contas. Esclarece ainda que atende aos critérios da lei complementar 173/2020 que criou o Programa de Enfrentamento ao Coronavírus, já que o reajuste de servidores estaria limitado à reposição da inflação medida pelo IPCA e não acima do índice, o que é vedado.
No Rio, o vereador Cesar Maia (DEM) chegou a propor em novembro um projeto que aumentava o salário de prefeito de R$ 20,5 mil para R$ 35,5 mil. Mas, ele pediu o arquivamento após a polêmica provocada pela proposta.
Professor do Departamento de Gestão Pública da FGV, Marco Antonio Teixeira, considera “preocupante” os aumentos salariais para prefeitos e seus pares em tempos de crise. Ele lembra que as capitais têm perdido arrecadação de seus principais impostos, como IPTU e ISS.
— As câmaras vivem num mundo isolado da realidade fiscal. O momento é inoportuno. Alarga-se o teto do funcionalismo e obviamente que as elites do serviço público se beneficiam.
Realidade fiscal
O economista Raul Velloso avalia que os salários de prefeitos, sobretudo o de São Paulo, estão aquém do patamar ideal. No entanto, afirma que a realidade fiscal não permite esse tipo de reajuste.
— Um aumento desse tipo não leva em conta o impacto duradouro que causará nas contas públicas, porque se reflete nas aposentadorias. Isso explica parte da explosão do comprometimento dos orçamentos com Previdência — afirma Velloso. — Mas quem olha o salário de prefeitos como o de São Paulo sabe que é quase impossível que ele viva com aquilo. É preciso de criatividade para encontrar uma forma de pagar mais que não seja encarada de forma pecuniária. Também é preciso ponderar que o cargo é um sacerdócio e tem outras vantagens, como estabilidade no emprego e aposentadoria integral.
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