“Caixas de segredos”, “modelo passível de correções”, “menos holofote”: essas frases ditas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, evidenciavam seu pensamento sobre a Lava-Jato. Após assumir o comando do Ministério Público Federal, em setembro de 2019, Aras estabeleceu uma relação conturbada com a operação e elegeu como uma de suas prioridades o fim do modelo das forças-tarefas.
Oficializada hoje, o fim da força-tarefa de Curitiba é a derrota mais simbólica à operação desde seu início, em março de 2014. A medida capitaneada pela gestão de Aras tem como principal intenção enterrar a marca “Lava-Jato”. A força-tarefa do Rio de Janeiro deve ser a próxima a ser encerrada.
Com isso, Aras agrada à classe política atingida pela Lava-Jato e também faz um forte aceno ao presidente Jair Bolsonaro, os responsáveis por sua nomeação. O fim da marca esvazia a lembrança do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que se tornou adversário do bolsonarismo e uma voz contrária ao presidente para as eleições do próximo ano.
Internamente, a justificativa apresentada era de que as forças-tarefas traziam gastos excessivos e criavam problemas por exigir o remanejamento de procuradores. O Conselho Superior da PGR tentou discutir alternativas, mas Aras não permitiu que o assunto fosse decidido de maneira conjunta. Apostou na criação dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) e praticamente emparedou os procuradores para aceitarem a solução. O MPF do Rio foi pressionado a criar seu Gaeco para poder integrar a Lava-Jato à estrutura do órgão.
O maior problema na nova estrutura é a dificuldade de colocar procuradores com dedicação exclusiva. A medida ficará sob responsabilidade das unidades do MPF nos estados, responsáveis pela gestão dos Gaecos. A Lava-Jato de Curitiba passa a ter quatro membros com dedicação exclusiva. No auge da operação, eram 14.
A situação lembra uma explicação apresentada com frequência por investigadores da Polícia Federal e do MPF sobre interferências: para acabar com uma investigação, um chefe não precisa fazer um pedido explícito, basta retirar sua estrutura.
Morte anunciada
Os procuradores da Lava-Jato de Curitiba, que deixou de existir oficialmente nesta quarta-feira, sempre souberam que o limite das investigações esbarrava nas forças políticas. No Congresso Nacional, onde são criadas as leis, e no Executivo, a quem cabe controle da administração pública. Mas puseram suas fichas no lugar errado. Na política, se aproximaram de líderes estridentes, que se elegeram para o Congresso na esteira da popularidade da jornada anticorrupção e, na prática, queriam mais usar a fama da operação como marketing.
Às vésperas do segundo turno, o então candidato do PSL à Presidência da República prometia levar adiante o pacote de 10 medidas anticorrupção, que teve o procurador Deltan Dallagnol à frente. “Transparência e combate à corrupção são metas inegociáveis”, dizia o programa de Jair Bolsonaro.
Com o início do novo governo, veio a decepção. Nem o juiz Sergio Moro, que trocou a toga pelo Ministério da Justiça a convite de Bolsonaro, sobreviveu neste novo mundo político surgido das eleições de 2018.
O grupo de Curitiba, que ambicionava longevidade e alcance dentro do próprio Ministério Público investigando de Norte a Sul do país – estiveram na mira a Eletrobras, obras de hidrelétricas como Belo Monte e contratos de concessionárias de rodovias por todo o país – foi longe demais, na visão de boa parte dos políticos.
Diante do que se tornou o Brasil nos últimos dois anos, não fazia mesmo sentido a existência de uma força-tarefa à parte dentro da estrutura do Ministério Público Federal em Curitiba. A tarefa que lhes foi confiada se tornou uma só: investigar os esquemas na Petrobras. E disso, o que sobram hoje são rescaldos pouco significativos. Fonte: o Globo.
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