As confraternizações de Natal e Ano Novo fazem parte do calendário do mundo corporativo. Consistem, sem dúvida, em ocasião fundamental para desenvolver e consolidar o espírito de equipe e, preferencialmente, um meio ambiente de trabalho saudável.
São comuns – e importantes – as regras de etiqueta profissional sobre como o empregado – nas posições de subordinado e/ou chefia – deve se portar, notadamente em um cenário em que haja consumo de bebida alcóolica por exemplo.
Mas para além das eventuais gafes, é preciso estar atento às responsabilidades inerentes aos eventos corporativos de modo geral. As situações variam desde a comida que acabou azedando (a festa e a saúde dos empregados), passando por brigas entre empregados e, infelizmente, acidentes de trânsito na saída dos eventos.
Para cada tipo de situação pode haver ou não a responsabilidade do empregador por eventuais danos sofridos pelos empregados e convidados. Não há como esgotar as possibilidades, mas algumas situações mais comuns são interessantes.
No caso de eventos organizados pela empresa e de comparecimento obrigatório(seja de cunho motivacional, como premiação da equipe; seja festa de confraternização)realizados no horário de trabalho, eventuais acidentes podem ser caracterizados como “de trabalho” e, além das repercussões previdenciárias (auxílio acidentário, estabilidade) podem implicar também na responsabilidade do empregador por eventuais danos experimentados pelo empregado.
Portanto, essa definição quanto à obrigatoriedade de comparecimento é fundamental, por exemplo, para a empresa decidir sobre a emissão ou não de CAT, pois, provada a sequela, o nexo de causalidade com o acidente e eventual incapacidade laborativa (total, parcial, provisória ou permanente), é de reconhecer o evento como acidente de trabalho, sendo devida a concessão de auxílio-acidente, na forma da Lei (artigo 86 da Lei 8.213/91).
O mesmo raciocínio aplica-se aos acidentes de percurso,ocorridos no deslocamento residência-evento/empresa-residência. A Lei 8213/91, no artigo 21, prevê que se equipara a acidente de trabalho aquele ocorrido, ainda que fora do horário de trabalho, “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.”
Por outro lado, os eventos organizados pelos próprios empregados, ainda que com algum grau de colaboração do empregador, tendem a descaracterizar eventuais acidentes como sendo “de trabalho”. Na mesma linha, aqueles organizados pela empresa, porém sem caráter obrigatório, independente de realizados no horário de trabalho ou não, também tendem a afastar a responsabilidade do empregador, devendo ser caracterizada a responsabilidade pela aferição da culpa.
É importante uma comunicação clara quanto à obrigatoriedade ou não do evento e, sobretudo, que seja reproduzida na atitude das chefias. Portanto, se o evento não é obrigatório, nada de pressionar os empregados com brincadeiras vexatórias e/ou insinuações de que a presença poderá ser considerada em futuras avaliações, por exemplo.
O Tribunal Superior do Trabalho-TST[1] afastou o caráter acidentário e a responsabilidade da empresa por um acidente ocorrido na saída da confraternização. No caso, o empregado “sofreu acidente automobilístico após uma confraternização com colegas de trabalho, em veículo de propriedade da reclamada e dirigido por outro empregado”. Não há dúvidas quanto ao nexo de causalidade entre o acidente, as lesões e o próprio evento. Todavia, configurou-se a exclusão da responsabilidade do empregador pelo fato de o evento ter sido organizado e custeado pelos próprios empregados, não havendo qualquer ato omissivo ou comissivo da empresa que pudesse caracterizar sua culpa. O TST entendeu que “o transporte não ocorreu em razão do serviço e o reclamante não estava sujeito a aceitá-lo, sendo certo que(…) ficou evidenciada a culpa exclusiva da vítima, que assumiu os riscos ao entrar em veículo conduzido pelo colega após consumo de álcool.”
Há ainda os eventos organizados e custeados pelos empregados, porém realizados dentro das instalações da empresa. Nesse caso,o tempo do empregado não é computado na sua jornada, nos termos do artigo 4º da CLT, que exclui o período em que o empregado– por escolha própria – permanece na empresa para fins de lazer, descanso, estudo, dentre outros.Assim, eventuais acidentes – dado o caráter opcional da festa – não serão considerados acidente de trabalho. Mas fica o alerta:como regra, pode haver a responsabilidade civil geral do empregador por eventuais infortúnios ocorridos nas suas dependências, mediante apuração de culpa.
O TST[2], ao apreciar um caso em que “o infortúnio sofrido pela autora, consistente na queda ocasionada por um amigo que lhe atingiu ao escorregar no chão, ocorreu em uma confraternização de final de ano, de comparecimento facultativo, organizada pelos próprios empregados da agência, sem participação do reclamado” decidiu que não haveria responsabilidade do empregador, validando o entendimento de que“a mera contribuição financeira do Réu ao grupo não torna o evento de responsabilidade empresarial, não concorrendo para a organização do mesmo…“
Na prática, o caráter facultativo da confraternização é um dos principais elementos para apuração da responsabilidade, além das demais circunstâncias de cada caso concreto, como a conduta do empregado, a atividade do empregador e o local do evento.Fique atento e boas festas, para sua empresa e equipe!
*Texto de Evando Antunes Costa, com colaboração de Ana Flávia Monteiro, Consultoria jurídica do escritório Barreto&Costa Advogados Associados
[1]PROCESSO Nº TST-Ag-AIRR – 11814-58.2015.5.15.0125.
[2]TST – ARR: 00116004320175030186, Relator: Claudio Mascarenhas Brandao, Data de Julgamento: 31/08/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: 09/09/2022)