Audiência na Justiça do Trabalho em Redenção, ontem, expôs a recusa da empresa em negociar um acordo, o que pode manchar ainda mais sua imagem.
A Volkswagen do Brasil está enrolada em um processo movido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) que cobra R$ 165 milhões em indenização por danos morais coletivos devido a casos de trabalho escravo em sua fazenda no sul do Pará, nas décadas de 1970 e 1980. A audiência de instrução, realizada nesta sexta-feira (30) na Vara do Trabalho de Redenção, trouxe à tona relatos chocantes de trabalhadores submetidos a condições degradantes, violência e violações graves de direitos humanos na Fazenda Vale do Rio Cristalino, também conhecida como Fazenda Volkswagen, em Santana do Araguaia.
Durante a sessão, testemunhas do MPT descreveram um cenário de horror: trabalhadores viviam em alojamentos insalubres, sem água potável ou alimentação adequada, enfrentavam vigilância armada e eram impedidos de deixar a fazenda, muitas vezes presos por dívidas forjadas. A falta de assistência médica, mesmo em casos de malária, agravava a situação.
“Os responsáveis agiram deliberadamente, com motivação discriminatória, atacando um grupo social vulnerável”, destaca trecho da ação.
Com cerca de 140 mil hectares – área equivalente à cidade de São Paulo –, a fazenda recebeu incentivos fiscais e recursos públicos na época para se tornar um polo de criação de gado, o que amplia a responsabilidade da Volkswagen. Além do pagamento de R$ 165 milhões por danos morais, a ação civil pública do MPT no Pará e Amapá exige “um pedido público de desculpas e medidas para evitar a repetição de tais práticas, como canais de denúncia e fiscalização rigorosa na cadeia produtiva.”
O julgamento foi acompanhado por representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, representantes da Comissão Pastoral da Terra, da CNBB e da OAB, além de um membro do Conatetrap, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). As partes têm 15 dias para apresentar suas razões finais antes do julgamento.
Paulo César Funghi Alberto, coordenador-geral de Erradicação do Trabalho Escravo (CGCTE/MDHC), enfatizou a importância de responsabilizar empresas por violações históricas. “O Brasil não tolerará mais o silêncio diante de tamanha injustiça. É essencial garantir a memória das vítimas e a reparação”, afirmou.
Já Carla Craice, coordenadora de Erradicação do Trabalho Escravo do MDHC, classificou o processo como uma oportunidade de reparação histórica. “Não se trata apenas de compensar as vítimas diretas, mas de fazer justiça à sociedade brasileira, que clama por respostas diante de violações cometidas com a conivência de grandes corporações durante o regime militar”, declarou.
Práticas desumanas
Representantes da Volkswagen também foram ouvidos, mas a empresa, que opera a fazenda por meio de sua subsidiária Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária (CVRC), não chegou a um acordo prévio com o MPT. Após cinco audiências entre 2022 e 2023, a montadora abandonou as negociações para um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) em março de 2023.
O caso expõe uma página sombria da história da Volkswagen no Brasil, revelando como práticas desumanas foram toleradas em nome do lucro décadas atrás. A cobrança de R$ 165 milhões pelo MPT não apenas busca reparação às vítimas, mas também sinaliza que violações de direitos humanos, mesmo de um passado distante, não podem ficar impunes.
A recusa da empresa em negociar um acordo reforça a percepção de relutância em assumir responsabilidade plena, o que pode manchar ainda mais sua imagem. Este processo é um lembrete de que a justiça, mesmo tardia, é essencial para garantir dignidade e prevenir abusos no futuro.
A audiência de instrução e julgamento é um marco no combate ao trabalho escravo no Brasil, trazendo à tona a necessidade de enfrentar o passado para construir um futuro mais justo. A decisão final do caso ainda será anunciada, mas o processo já reacende o debate sobre a responsabilidade de grandes empresas em crimes contra os direitos humanos.