Em março próximo, a Corte Interamericana de DireitosHumanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) julgará o Estado Brasileiro por negligência e morosidade no processo sobre a execução do advogado de posseiros Gabriel Pimenta. O defensor dos lavradores foi assassinado em plena via pública no dia 18 de julho de 1982, na cidade de Marabá, sudeste do Pará, quando somava apenas 27 anos.
A região sudeste do Pará é considerada a mais letal na dinâmica de luta pela terra do país, mesmo nos dias atuais, que registrou no dia 09 a chacina da família de ambientalistas em São Félix do Xingu, onde o pai, esposa e a filha adolescente foram executados.
Uma nota assinada por Rafael Pimenta, irmão do advogado, esclarece que a polícia encerrou as apurações do caso de Gabriel em 72 horas e o Ministério Público e Poder Judiciário demoraram 21 anos para a conclusão da sentença, onde o júri popular nunca chegou a ocorrer. A conjuntura do caso Gabriel Pimenta representa uma espécie de modus operandi do setor de segurança do estado e do Poder Judiciário, quando a questão envolve posseiros, camponeses, sem terra e seus aliados.
O evento que redundou na execução de Gabriel Pimenta tem relação com a defesa que ele fez de 150 famílias de trabalhadores rurais em 1981 na cidade de Marabá, explica a nota do irmão Rafael. Ao vencer a causa em favor dos posseiros, os grileiros de terras juraram pela morte de Pimenta, fato que ocorreu 15 dias após a vitória na Justiça.
Apelar para as cortes internacionais tem sido uma saída para que os casos ocorridos na década de 1980 e em anos subsequentes não consagre a impunidade como regra, ainda que a luta seja longeva, como no caso do advogado Pimenta.
Quem era
O advogado Gabriel Pimenta veio ao mundo no dia 20 de novembro de 1954, na Zona da Mata do estado de Minas Gerais, na cidade de Juiz de Fora. Uma cidade universitária. Agitada pelo fervor político. Gabriel foi o terceiro entre os sete filhos homens do seu Geraldo Pimenta e de dona Glória.
Pimenta cresceu no berço desta agitação política, quando o país ainda era asfixiado pelo obscurantismo da ditadura civil militar. Foi forjado na construção de centros e diretórios acadêmicos e na reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1978, aos 24 anos, gradua-se em Direito.
No mesmo ano ingressou no Banco do Brasil via concurso público. Não suportou a atividade no banco por mais de um ano, quando se desligou e mudou para Conceição do Araguaia, sul do Pará, para advogar na Comissão Pastoral da Terra (CPT). O contexto político era delicado, marcado pela militarização da questão agrária, e acirramento dos conflitos pela terra, e muita tensão por conta da Guerrilha do Araguaia, movimento organizado pelo PC do B.
Por diferença metodológica de ação junto aos camponeses com os religiosos da CPT, Gabriel migrou de Conceição do Araguaia para Marabá, por conta de vínculo de amizade com D. Alano Pena, que combatia o latifúndio da região. Em 1981, após romper com a CPT, e ainda assim continuar na região a defender trabalhadores rurais, impediu uma reintegração de posse. A ação em favor dos posseiros rendeu ao advogado a jura de morte por fazendeiros da região.
No dia 18 de julho de 1982, no final da convenção municipal do PMDB de Marabá, ao sair à rua, Gabriel Pimenta foi covardemente assassinado com três tiros de revólver, pelas costas, disparados a curta distância pelo pistoleiro José Crescêncio de Oliveira, contratado pelo chefe de pistolagem José Pereira Nóbrega, o Marinheiro, sócio de Manoel Cardoso Neto, o Nelito. Gabriel Pimenta tombou sem vida aos 27 anos de idade.
A breve e contundente trajetória de Pimenta é contada pela Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo) e irmão de Gabriel, Rafael Sales Pimenta, bem como dos advogados Paulo Fonteles e João Batista fazem parte de um projeto de extensão universitária de produção de um livro que busca recuperar parte desta memória da luta pela terra no Pará. Conheça o projeto AQUI
Anos de 1980 – a década mais sangrenta no estado do Pará
A dissertação do professor Rogerio Almeida, apresentada junto a Núcleo de Altos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará, Territorialização do campesinato nosudeste do Pará, laureada com o Prêmio NAEA/2008, adverte que a década de 1980 é considerada a mais violenta na região na tríplice fronteira do Pará, Maranhão e norte de Goiás, hoje estado do Tocantins. Os anos registram várias chacinas e execução de dirigentes sindicais camponeses e seus aliados, e mesmo de família, como no caso dos Canuto, da cidade de Rio Maria.
Ainda segundo a mesma pesquisa, por conta da atmosfera de violência, setores populares organizaram o Tribunal da Terra, uma instância de caráter simbólico, forjada no sentido em chamar a atenção do país e do exterior para o que ocorria no sertão amazônico. Para ler mais sobre o trabalho de Rogério Almeida acesse: http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/2022/01/caso-gabriel-pimenta-advogado-de.html