Qual o interesse econômico que a classe política paraense tem na exploração das riquezas minerais do Estado do Pará? Por que, durante tantos anos, as grandes empresas mineradoras vêm lucrando com o nosso minério e não oferecem a mínima contrapartida para o desenvolvimento regional e social do Estado?
As empresas trazem de fora a mão de obra qualificada pronta, porque sai mais barato, e apenas aproveitam os “peões” locais para o serviço braçal, sendo que uma grande parte desses vem do Estado do Maranhão. Qual o comprometimento da Vale e das grandes mineradoras instaladas aqui em investirem em educação qualificada para formar e empregar mão de obra local?
Essas e outras perguntas foram respondidas durante o programa Linha de Tiro pela economista e PHD em desenvolvimento sustentável, Maria Amélia Enriquez e pelo presidente do Sindifisco PA, Charles Alcântara. A economista lembrou que quando foi criada como empresa estatal, na década de 40, e antes de ser privatizada, nos anos 1990, a então Vale do Rio Doce tinha a obrigação de investir 5 por cento do lucro líquido na região do entorno. Ela nasceu em Itabira e então investiu muito em melhorias de hospitais, escolas e etc, pensando no futuro ser a cidade independente da mineração.
Hoje, estudando mineração há mais de três décadas, o que ela vê é que no Pará “os diferentes governos que se sucederam vão empurrando com a barriga e pensam só no curto prazo – como é que eu vou resolver o equilíbrio agora? – mas a conta vai chegar mais tarde para toda a população, para a sociedade”.
Ela propõe que nós paraenses temos de ter coragem, pensarmos estrategicamente, tendo o interesse genuíno para que todo mundo se beneficie, inclusive as empresas. Porque elas não querem ser tachadas de inimigas do Estado.
Maria Amélia explicou que a Vale e as outras empresas de mineração estão seguindo o que fala a legislação. Se a legislação não cobra o ICMS é problema do legislador, não da empresa. “Mas o que o Estado pode fazer? Ele pode definir uma política de compras, de conteúdo mínimo, e também como vai estimular outros negócios a partir dessa empresa; como vai criar cadeias produtivas integradas que permitam que as compras e vendas dessas empresas possam estimular um parque industrial? Como vai exigir na política industrial dessas empresa que tenham no seu staff a população local, tomadores de decisão e não apenas operários chão de fábrica? Como eu posso colocar, por exemplo, condicionantes para essas empresas terem um acordo com as universidades para formar mão de obra de alto nível para serem tomadores de decisões dessas empresas?”, provocou.
E prosseguiu: “Então tudo isso é resultado de uma política que eu vejo assim: eu resolvi o problema orçamentário, então eu deixo para lá, porque eu vou ter muito trabalho”. Ela defendeu que as empresas mineradoras devem ter um staff de pessoas altamente qualificadas que tivesse essa visão global, que pudesse sentar numa mesa de negociação e decidir.
Segundo ela, os diferentes governos criaram e fecharam secretarias de desenvolvimento e teve uma época que não tinha nem secretaria de mineração. “Aí não tem quadro próprio, pega gente emprestado, vai outro governo, sai todo mundo, perde a memória, quer dizer, você não consegue construir uma política realmente séria, consequente estrategicamente, com interesse genuíno”, constatou Maria Amélia.
Por sua vez, Charles Alcântara considerou que “a gente não está cuidando do presente, que é terrível, muito ruim e não está cuidando do futuro pós mineração, pois como disse a professora Maria Amélia, nós estamos empurrando com a barriga, depois a gente resolve”. Na visão dele, “os sucessivos governos resolvem a equação orçamentária e financeira, implementam um programa que vai atenuando aqui e ali um problema e deixam essa questão para depois. E vão deixando e o tempo vai passando”.
Ele sugeriu que seria bom se levantar quanto saiu de mineração em cada ciclo de governo, porque é uma descapitalização, o empobrecimento do Estado em termos de riqueza mineral. De acordo com Charles Alcântara, se nós fizermos uma comparação no setor mineral de ativos e passivos, nós fomos perdendo ativos e aumentando passivos.
“A gente não está cuidando. A opção política é de não enfrentar esse problema, porque ele pode gerar desgaste, pode não me reeleger, porque eu posse estar enfrentando uma briga com gente muito poderosa, que tem muito dinheiro. muita articulação, grandes anunciantes. Então, não enfrentam”, completou.
Sobre a construção de casas populares prometidas no governo Simão Jatene, explicou que não é papel da Vale. “É para o Estado fazer, nós temos que ter receita pública para isso. Nós temos que extrair receita da nossa principal atividade econômica hoje, que daqui a alguns anos não será mais a principal, porque não é eterna, para financiar um novo modelo, a diversificação da economia do estado pós mineração e nós não estamos fazendo isso. Nós estamos agindo, como naquela fábula da cigarra e da formiga, como a cigarra. É de uma irresponsabilidade atroz e não há nenhuma transparência”.
Ainda sobre empurrar o problema com a barriga, ele arrematou: “A gente fala da Vale, mas a responsabilidade é da nossa elite política, dos nossos gestores, dos nossos representantes, e da sociedade. O debate é esse. Não dá para debater o Pará sem discutir mineração, não tem como, é esconder o problema”.
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