No auge da pandemia de Covid-19, quando mais de 20 mil paraenses perderam a vida, cerca de R$ 1,2 bilhão destinados ao combate da doença foram desviados no Pará, em um escândalo que abalou o estado e teve repercussão em todo o país. Entre os principais investigados estava o governador Helder Barbalho, posteriormente excluído do inquérito policial por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme matéria exclusiva publicada pelo Portal Ver-o-Fato.
Embora a PF tivesse colhido vasto material e realizado pelo menos duas operações na sede do governo estadual, apreendido documentos, celulares e computadores, a Procuradoria Geral da República (PGR) informou ao ministro do STJ, Francisco Falcão, relator do caso, que não havia indícios suficientes para incriminar Helder Barbalho, mesmo o governador sendo apontado pelo próprio Falcão e pela subprocuradora da República, Lindôra Araújo, durante as investigações, de supostamente “chefiar organização criminosa”. Helder, no frigir dos ovos, sequer foi indiciado.
Contudo, enquanto empresários e ex-auxiliares diretos de Barbalho ainda respondem na Justiça Federal em Belém pelos crimes de corrupção ativa e passiva, fraudes, peculato e falsificação de documentos, a Polícia Federal segue apurando novas fraudes no uso de recursos da saúde durante aquele trágico período, entre 2020 e 2021.
Nesta quinta-feira, 12, por exemplo, a PF deflagrou a operação “Ouro de Hipócrates” para investigar desvio de recursos públicos e superfaturamento de contratos durante a pandemia em municípios do sul do Pará. Foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão em Redenção, Pau D’Arco, Xinguara e Conceição do Araguaia.
As investigações apontam uma organização criminosa que usava empresas fantasmas para fraudar licitações e desviar milhões dos cofres públicos, prejudicando diretamente a compra de equipamentos essenciais, como respiradores, no momento crítico da pandemia.
Fraude milionária no sul do Pará
A operação focou em três frentes de investigação, todas relacionadas a contratos firmados durante a pandemia. A primeira investigação surgiu a partir de denúncias do Ministério Público do Pará (MPPA) contra a Prefeitura de São Félix do Xingu, que ignorou recomendações para transparência nas contratações emergenciais.
A PF descobriu que todas as empresas contratadas apresentavam indícios de fraude, como inexistência de sedes, ausência de funcionários e e-mails de contato compartilhados entre as firmas.
A segunda frente de investigação apurou o superfaturamento de respiradores adquiridos pela Prefeitura de Redenção. Os investigadores detectaram montagem nos procedimentos licitatórios e mais indícios de empresas de fachada envolvidas nas contratações.
Os respiradores superfaturados, comprados em um momento de alta demanda, acabaram não sendo entregues de forma adequada, contribuindo para a crise sanitária no município.
Na terceira investigação, a PF descobriu que uma empresa contratada para fornecer médicos plantonistas em Santana do Araguaia havia usado um representante falecido à época da assinatura do contrato, além de não possuir sede física. Esses contratos, como nos demais casos, também foram feitos por empresas fantasmas, que não tinham condições operacionais para prestar os serviços contratados.
Milhões em recursos desviados
Ainda sem um valor final calculado, a PF estima que os contratos fraudulentos, ao menos 20 até o momento, geraram milhões de reais em prejuízo para os cofres públicos. Durante as buscas, a PF apreendeu armas, munições, computadores, comprovantes de transferências bancárias e celulares, que agora serão analisados para aprofundar as investigações.
O nome da operação, “Ouro de Hipócrates”, faz referência ao médico grego considerado o pai da medicina, simbolizando o abuso dos recursos destinados à saúde. O escândalo do desvio de recursos públicos durante a pandemia continua a ser um dos maiores golpes sofridos pelo Pará, que enfrenta até hoje as consequências de uma má gestão durante uma das maiores crises sanitárias da história recente.
Implicações políticas
Embora o governador Helder Barbalho tenha sido retirado da lista de investigados pelo STJ, os desdobramentos das investigações da PF continuam a levantar questionamentos sobre o papel de sua gestão na fiscalização e controle dos recursos destinados ao combate à pandemia.
Empresários e ex-assessores do governo envolvidos no escândalo continuam sendo processados na Justiça Federal em Belém, e a pressão por respostas sobre o destino dos recursos desviados cresce entre a população, que ainda sofre as consequências econômicas e sanitárias da pandemia.
A operação “Ouro de Hipócrates” é mais uma etapa na tentativa de responsabilizar aqueles que se aproveitaram da crise de saúde pública para enriquecimento ilícito, comprometendo o atendimento hospitalar e o combate efetivo à Covid-19.