Oswaldo Coimbra – escritor e jornalista
O criador talentoso de melodias é um artista apto para o renascimento permanente. Mesmo no universo da música popular regido pelas leis mutantes da moda, sempre servil aos novos gêneros, ritmos, instrumentos e timbres vocais.
No caldeirão da cultural popular do Brasil, já ferveram e esfriaram músicas de inúmeros gêneros, ritmos, grupos e intérpretes individuais, nacionais e estrangeiras, ao longo de poucas décadas. Até a negação da melodia já foi moda, numa onda de gravações de instrumentos percussivos no curto ciclo do “Fim da Canção”.
Neste caldeirão só não sumiram melodias cuja beleza as mantem sempre frescas, mesmo sendo antigas. Como, para citar algumas, as das músicas Bésame Mucho, As Rosas Não Falam, A Noite de Meu Bem.
Seus criadores – Consuelo Velásquez, Cartola e Dolores Duran – pertencem a um ramo específico da criação musical. A de uma “persona que, sin especial conocimiento técnico compone melodias musicalies, por lo general, breves y sencillas”, como o The FreeDictionary, da Farlex define o melodista.
Este tipo de artista costuma surgir em região com forte identidade cultural. Como, no Brasil, a Bahia, Minas Gerais, e, entre outras, o Pará.
Em nosso estado, um nativo de 70 anos obtém educação musical variada sem ir a conservatório. Em parte, apenas por sua exposição permanente aos sons do caldeirão cultural brasileiro. No qual – é bom não esquecer – também encontraram lugar as músicas francesas, italianas, africanas, gregas etc tocadas pelas rádios, até os anos 60.
Em outra parte, pela audição de muita música religiosa – a de novenas e missas solenes, com canto gregoriano. Além de músicas caribenhas, captadas por rádios no interior da Amazônia.
Não espanta, portanto, que, no Pará, tenham nascido grandes melodistas. Um deles, no passado, Waldemar Henrique.
Nem que da geração seguinte à de Waldemar tenham emergido mais artistas talentosos, como Alcyr Guimarães.
Waldemar recebeu formação musical erudita. Mas, para sobreviver, adaptou-se ao trabalho de músico em cassinos e rádios, de sua época, no eixo Rio-São Paulo. Morreu com 91 anos, em 1995, cercado pela admiração de seus conterrâneos.
Já Alcyr Guimarães sofreu influências modernizantes. Contudo, criou melodias impregnadas de refinada melancolia que -como o spleen de Baudelaire -,expressam sentimento profundo de desânimo, isolamento, angústia e tédio existencial.
Ele faleceu, em 2.020, com 68 anos, em circunstâncias muito diferentes das de Waldemar Henrique. Num clima de tragédia familiar, perseguido por acusações com endosso só de policiais. Os quais as divulgaram ilegalmente pela imprensa, apressada e irresponsavelmente, antes de qualquer manifestação da Justiça.
Desde então, transcorreram dois anos, período suficiente para revelar a força da beleza contida nas melodias de Alcyr.
Elas sobreviveram.
Estão no Spotifly, no Youtube, no Facebook. (Republicada da coluna de Oswaldo Coimbra, no Diário do Pará, em 13/08/2022)