O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, foram alvo na manhã desta quarta-feira, 19, de operação da Polícia Federal que investiga irregularidades na exportação de madeira do País. Agentes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em endereços do ministro e na sede da pasta, em Brasília, para recolher documentos. As medidas fazem parte da Operação Akuanduba, que investiga crimes contra a administração pública – corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando – envolvendo agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.
Segundo a PF, as investigações tiveram início em janeiro, a partir de denúncia de autoridades estrangeiras sobre “possível desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”. A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que também determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Salles.
O ministro do STF ainda ordenou o afastamento preventivo de dez pessoas que ocupam cargos de confiança na estrutura do ministério, entre elas Bim e Leopoldo Penteado Butkiewicz, assessor especial do gabinete de Salles.
Ao todo, cerca de 160 policiais federais cumprem 35 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, em São Paulo e no Pará. Por volta das 7h30, três agentes da Polícia Federal deixaram a sede do ministério carregando malotes. Duas viaturas da corporação seguem em frente ao prédio da pasta. Salles chegou na sede da PF em Brasília por volta das 8h.
Na decisão que abriu a ‘Akuanduba’, Alexandre de Moraes também determinou a suspensão de um despacho assinado pelo presidente do Ibama, em fevereiro de 2020, que liberou a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade de uma autorização específica. Como mostrou o Estadão na época, Bim chegou a receber uma “nota de agradecimento e esperança” do Centro das Indústrias do Pará (CIP), que representa os madeireiros do Estado.
A corporação informou que o nome da ofensiva, Akuanduba, faz referência a ‘uma divindade da mitologia dos índios Araras, que habitam o estado do Pará’. “Segundo a lenda, se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, restabelecendo a ordem”, registrou a PF em nota. A reportagem tentou falar diretamente com Salles, que não atendeu às ligações.
“Contrabando de produtos florestais”
Na representação enviada à Alexandre, os investigadores sustentaram que a empreitada criminosa sob suspeita ‘não apenas realiza o patrocínio do interesse privado de madeireiros e exportadores, através da legalização e de forma retroativa de milhares de carregamentos de produtos florestais exportados em dissonância com as normas ambientais vigentes entre os anos de 2019 e 2020 mas, também, tem criado sérios obstáculos à ação fiscalizatória do Poder Público no trato das questões ambientais com inegáveis prejuízos a toda a sociedade’.
Ao decretar quebra de sigilo, Alexandre aponta ‘movimentação extremamente atípica’ envolvendo Salles
Na decisão da Operação Akuanduba, Alexandre revelou um relatório de inteligência financeira, elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que noticiou a ‘existência de diversas comunicações de operações suspeitas’ envolvendo o ministro Ricardo Salles, o secretário adjunto de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Olivaldi Alves Azevedo Borges, e duas empresas investigadas pelo suposto esquema de ‘facilitação ao contrabando de produtos florestais’.
“Ressalto, por oportuno, que o RIF n. 60322.2.2536.4046 (Volume VIII) envolvendo o agente público com prerrogativa de foro (Ministro do Meio Ambiente) indicou movimentação extremamente atípica envolvendo o escritório de advocacia cujo Ministro de Estado é sócio (50%), durante o período compreendido de 01/01/2012 a 30/06/2020, em valores totais de R$ 14.162.084,00, situação que recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos”, registrou Alexandre.
A indicação se deu em trecho da decisão em que o ministro do STF fundamenta a ordem de quebra dos sigilos bancário e fiscal dos investigados. A ordem atingiu as 18 pessoas e cinco empresas que são alvos de buscas na ofensiva aberta nesta quarta, 19.
Investigação partiu de informações de autoridades dos EUA
A decisão do ministro do STF aponta que as investigações da Operação Akuanduba tiveram início com informações prestadas pela Embaixada do Estados Unidos, que compartilhou com a PF ‘inúmeros documentos’ produzidos por Bryan Landry, adido do Serviço de Pesca e Vida Selvagem (FWS – órgão equivalente ao Ibama) naquele País. Tais papeis tratavam da apreensão no Porto de Savannah, no Estado da Geórgia, de três cargas de produtos florestais sem a respectiva documentação.
No ofício, Bryan Landry apontou que o FWS tinha preocupações com relação a ‘possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto’ por representantes da Tradelink (empresa que é alvo da Akuanduba) e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica. O adido do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA informou que o órgão abriu uma investigação relativa à empresa suas práticas de compras, histórico de importação do Brasil e possível envolvimento em práticas corruptas, fraudes e outros crimes.
Além dos documentos sobre o caso, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil também encaminhou à PF amostras das respectivas madeiras apreendidas no Porto de Savannah. A Polícia Federal pediu que os materiais fossem periciados, solicitação que foi atendida por Alexandre. O ministro do STF considerou que o exame pericial era ‘imprescindível’ uma vez que ‘poderá revelar se as madeiras apreendidas pelas autoridades norte-americanas foram extraídas do local indicado ou eram derivadas de outro local (origem ilícita)’.
“A documentação encaminhada pela autoridade policial traz fortes indícios de um encadeamento de condutas complexas da qual teria participação autoridade com prerrogativa de foro – Ministro de Estado – , agentes públicos e pessoas jurídicas, com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas, a revelar que as investigações possuem reflexos transnacionais”, ponderou Alexandre na decisão.
Intimidação e represálias a testemunhas
Na decisão que abriu a ofensiva realizada nesta manhã, Alexandre de Moraes ainda determinou o afastamento, por 90 dias, de servidores do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, entre eles o presidente do do órgão, Eduardo Bim, e o assessor especial do gabinete do ministro do meio ambiente Leopoldo Penteado Butkiewicz. O ministro do STF decretou a medida por considerar que tais agentes públicos teriam tido envolvimento direto com com o suposto esquema de facilitação ao contrabando de madeira.
Segundo Alexandre, os fatos descritos pela PF caracterizariam diversos crimes – corrupção passiva, facilitação de contrabando, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, contrabando, crimes contra a administração ambiental, lavagem de dinheiro, integrar organização criminosa e obstrução de justiça -, inclusive com a possibilidade do material apreendido nos EUA caracterizar possível ‘lavagem’ de produtos florestais de outras áreas. O ministro também registrou que foram apontadas comunicações ao COAF de operações suspeitas.
Além disso, a decisão da Akuanduba registra que quatro das testemunhas ouvidas pela Polícia Federal se disseram preocupadas e com medo de sofrer represálias do IBAMA após os seus depoimentos. Segundo Alexandre, a PF indicou que houve prática de intimidação por parte de agentes públicos do órgão – todos nomeados por Salles – em relação à uma das testemunhas.
“Assim, é razoável que, ao menos nesse primeiro momento da investigação, onde a manutenção dos agentes públicos nos respectivos cargos poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e de intimidação a outros servidores públicos, se determine o a suspensão do exercício da função pública para os servidores públicos que tiveram envolvimento direto nos fatos descritos pela autoridade policial”, registrou Alexandre em sua decisão.
Alexandre viu ‘perigo de dano irreparável’ em despacho que liberou exportação de madeiras
Além das buscas, das quebras de sigilo e dos afastamentos de servidores, Alexandre determinou a suspensão de despacho assinado pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, que liberou a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade de uma autorização específica. A decisão foi tomada pelo ministro do Supremo ‘em respeito ao princípio da precaução e ação preventiva’
Alexandre ponderou que o despacho – que é um dos pontos centrais da investigação da ‘Akuanduba’ – ‘foi emitido mesmo com parecer contrário de servidores públicos experientes do órgão e somente após as apreensões de algumas cargas que teriam chegado aos EUA e à Europa sem documento idôneo’.
Segundo o ministro havia ‘perigo de dano irreparável’ do entendimento de Bim, pois ele teria teria permitido, de forma retroativa, a regularização de milhares de cargas exportadas sem as respectivas licenças entre 2019 e 2020.
“Além disso, embora o tema envolvendo o desflorestamento tenha sido sempre tratado de forma muito sensível e com grande preocupação, inclusive com repercussão na mídia nacional e internacional, a autoridade policial junta depoimentos que revelariam denúncias de sucateamento dos órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente, o afastamento de fiscais de carreira com anos de experiência de suas funções e a adoção de novos procedimentos/interpretações, em verdadeiro descompasso com os princípios constitucionais ambientais, dentre eles o da prevenção”, registrou ainda o ministro em sua decisão. Fonte: O Estado de São Paulo.
Nota da Aimex
A respeito da operação da Polícia Federal e da decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, em nota enviada ao Ver-o-Fato, a Aimex assim se manifestou:”
“A Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará está inteiramente disponível para colaborar com as investigações. A AIMEX atua com a representação do setor para que tenhamos um cenário de absoluta legalidade e de acordo com os princípios da sustentabilidade.
Informa, ainda, que a madeira produzida e comercializada no Estado do Pará pelos seus associados possui toda a documentação de garantia de legalidade e rastreabilidade, com todas as autorizações exigidas legalmente e outorgas necessárias a essa atividade, desde a sua origem na floresta até o consumidor final que adquire esse produto”.
















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