Propostas do governo para reduzir disfunções estruturais que travam os negócios só avançarão se não forem sabotadas por petismo retrógrado e lobbies de grupos viciados em privilégios. Leia no editorial de hoje do Estadão.
“O governo, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), listou 17 projetos prioritários a serem executados nos próximos 24 meses para reduzir o custo Brasil – o conjunto de disfunções estruturais que travam os negócios, encarecendo produtos e serviços, inibindo investimentos e comprometendo a produtividade e a geração de empregos.
Um levantamento do Movimento Brasil Competitivo estimou que, em comparação à média de custos de produção dos países da OCDE – um grupo das democracias ricas –, as despesas adicionais que as empresas desembolsam todo ano para produzir no País chegam a R$ 1,7 trilhão, cerca de 20% do PIB.
Seis fatores respondem por mais de 80% desse custo. Só o ônus de mão de obra – composto pelas deficiências de capital humano, encargos trabalhistas e judicialização dos riscos trabalhistas – responde por até R$ 360 bilhões. As dificuldades de honrar tributos em um sistema complicado e oneroso respondem por até R$ 310 bilhões. Os gastos com uma infraestrutura precária pesam até R$ 290 bilhões na produção. Restrições à oferta de capital e os custos do crédito representam até R$ 260 bilhões adicionais, enquanto a ineficácia e a instabilidade jurídico-regulatória oneram os produtores em até R$ 210 bilhões, e os impostos para importação, em R$ 150 bilhões.
Alguns problemas já foram parcialmente enfrentados, por exemplo, com a reforma trabalhista ou o arcabouço fiscal (no caso do déficit orçamentário, que impacta os juros). Outros estão sendo enfrentados agora, como na reforma tributária. Mas frequentemente esses esforços são minados por alas retrógradas do próprio governo, que insistem em “rever” modernizações trabalhistas ou ameaçar sua própria meta fiscal. É o custo PT. A reforma tributária também tem sido desidratada por pressões de grupos corporativos ávidos em manter privilégios injustificáveis.
As propostas do CNDI miram aspectos mais específicos, sobretudo da produção industrial, relacionados à infraestrutura, regulação, tributação e crédito.
Algumas iniciativas consistem simplesmente em consumar a regulação de legislações já aprovadas, como a Lei do Gás e os marcos da cabotagem e das ferrovias. Outras acertam no diagnóstico, mas não desenham soluções concretas, como, por exemplo, “remover barreiras à entrada de novos investidores” ou “realizar acordos comerciais com parceiros estratégicos” – um sintoma, talvez, da falta de clareza ou disposição do governo em relação à integração ao comércio internacional.
Dez em dez empresários sofrem com os custos de transporte e logística. O plano do CNDI aponta medidas indispensáveis, como qualificar a estruturação, a governança e a prestação de contas de projetos de infraestrutura, onde o desperdício é crônico e crescente. Mas ainda não é claro com quais meios se fará isso.
Várias iniciativas visam à desburocratização, seja harmonizando leis e regulações regionais díspares (como no setor de gás natural), seja simplificando processos de autorização (como para os terminais de uso privado nos portos) ou racionalizando encargos setoriais (como os incidentes sobre a tarifa de energia elétrica) e taxas (como as incidentes sobre as exportações via portos).
Os projetos foram definidos após uma consulta pública com empresas e entidades representativas de toda a economia. Seu maior mérito é registrar em um único documento um consenso razoavelmente consolidado sobre as prioridades para a redução do custo Brasil. Resta saber se, para tirá-las do papel, setores atualmente privilegiados estarão dispostos a renunciar a seus benefícios em prol do desenvolvimento sustentável geral, e até que ponto o governo terá disposição e foco para as articulações políticas necessárias. Isso vale especialmente para o maior dos entraves, o fiscal.
Ampliar uma carga tributária que já consome um terço do PIB é inviável. A opção é controlar gastos. Mas, dado o credo desenvolvimentista do governo e o fato de que cada área de potencial reajuste é dominada por algum grupo de influência, esse caminho está longe de estar garantido”.