Bento Maciel Parente foi um capitão-mor do Gram-Pará, que, no período compreendido entre os anos de 1621 e 1626, inegavelmente, realizou algumas obras em nossa região.
Como permitia o cargo que lhe deu o Rei de Portugal.
Pois, dentro do império colonial lusitano, o capitão-mor era a autoridade máxima numa determinada capitania.
A ele cabia as responsabilidades de administrar a capitania e de comandar suas tropas.
Com poder para, inclusive, julgar crimes, impor penas e tomar a posse de terras.
Na verdade, o período em que Bento Maciel Parente ocupou este cargo no Gram-Pará, poderia ter se tornado numa lembrança prazerosa para os paraenses.
Afinal, foi quando a Metrópole portuguesa transformou o Gram-Pará num grande estado, no qual incluiu o Maranhão, o Ceará e toda a atual Amazônia brasileira, tornando-o independente do Brasil.
E, subordinado diretamente à corte de Portugal, na época, ela própria, por sua vez, dependente da Espanha.
Ocorreu que não era Bento Maciel quem a ainda reduzida população de Belém, formada por colonos portugueses, queria ver no comando do Gram-Pará.
Preferia Pedro Teixeira o “bandeirantes da Amazônia”.
Consciente disto, Bento Maciel logo tratou de agradar os representantes das duas maiores forças sociais do império português, presentes no Gram-Pará: os militares e os religiosos.
Os militares ele agradaria mandando executar importante obra de reforma do Forte do Presépio que havia sido construído, em 1616, por ordem de Francisco Caldeira de Castelo Branco.
No forte, seria levantada uma muralha com extensão de 90 braças (cerca de 165 metros), altura de dezessete palmos (3 metros e 74 centímetros), e, largura de sete palmos (pouco mais de um metro e meio).
Graças a ele, a fortificação passaria, ainda, a dispor de novas guaritas, alojamentos e armazéns para munições.
Para os religiosos, foram construídas por ordem de Bento Maciel duas capelas, ambas de taipa de pilão, uma técnica construtiva em que se empregavam caixas de madeira, dentro da qual se juntavam barro, pedras e aglutinantes.
A primeira, existiria, do lado do fosso do forte, por mais de 160 anos.
Depois, desapareceu completamente.
Chamava-se Capela do Santo Cristo.
A segunda, a de São João, imediatamente prestou um serviço ao desenvolvimento do reduzido povoado de Belém.
Pois, para chegarem até a capelinha, os moradores abririam um quarto caminho, paralelo aos três já existentes em Belém.
Os caminhos do Norte (atual Rua Siqueira Mendes), do Espírito Santo (hoje, a Rua Dr. Assis), e,o dos Cavaleiros (a Rua Dr. Malcher).
O novo caminho, o de São João, foi aberto em direção à igrejinha do mesmo nome.
Seria,mais tarde, chamado de Rua Tomázia Perdigão.
Depois, surgiriam ali os novos os caminhos que atravessaram os quatro já existentes.
E, assim, surgiu o primeiro gradeado de ruas de Belém, que daria origem a seu primeiro bairro, então, chamado de Cidade (depois, de Cidade Velha)
Bento Maciel, além destas obras, também foi responsável pela criação do brasão da capital do Gram-Pará.
Na qual, usou símbolos representativos do domínio colonial da nossa região.
Ele dividiu o brasão em quatro áreas.
Pôs em cada uma delas imagens diferentes, as quais receberam, em 1648, a interpretação de frei Christovão de Lisboa, em seu opúsculo “Razões das Cousas do Estado do Maranhão”.
Na primeira área, do alto do brasão, e, à esquerda de quem o vê, há dois braços humanos, cujas mãos seguram cestos com flores e frutas.
Sob o cesto, aparecem duas curtas frases, em latim, de sentido um tanto cabalístico, mas que, segundo frei Christovão, se refeririam aos rios Amazonas e Tocantins.
Na área embaixo desta, há um castelo de cujo pórtico sai o caminho que representaria a pretensa origem nobre do fundador da cidade.
Isoladamente, o caminho, por sua vez, remeteria à obediência que os sucessores de Castelo Branco deviam às autoridades portuguesas.
No lado oposto, do alto do brasão, há um sol poente, sobre outra frase em latim.
Ambos colocados ali, segundo frei Christovão, para lembrar que Castelo Branco,antes de desembarcar no local onde fundou Belém, tinha aguardado a aurora do dia seguinte, como faziam, em geral, os conquistadores portugueses.
Por fim, embaixo desta área, há um prado, cortado por um rio, de onde uma mula e um cavalo olham para o céu, espantados.
Sobre os animais, outra frase latina enigmática.
Representaria a surpresa dos selvagens diante da chegada dos portugueses, o vigor dos campos do Gram-Pará, e, suas potencialidades econômicas.
O brasão Bento Maciel mandou esculpir em lioz, um granito de alta resistência, para ornamentação do pórtico de um prédio. ´
Mas, por pouco, a criação dele não foi apagada em nossa memória porque o prédio onde ficou instalado foi destruído pela Cabanagem.
Salvou-o do esquecimento, Paulo José da Silva Gama,o Barão de Bagé, que, em 1825, encontrou um exemplar daquele opúsculo de frei Christovão, com sua descrição, numa biblioteca de obras antigas, da cidade de Braga, em Portugal,
Com os dados fornecidos pelo opúsculo, o barão mandou reconstituir o brasão.
O original, de qualquer forma – supunha o pesquisador Augusto Meira Filho, autor de “Evolução histórica de Belém do Grão-Pará” -, um dia talvez venha a ser encontrado em alguma escavação arqueológica.
Como o brasão, o próprio nome de Bento Maciel poderia ter caído no esquecimento como ocorreu com outras figuras daquele momento.
Não foi, porém, sobretudo pelo brasão nem por outra de suas obras que Bento Maciel permaneceu na História do Pará.
E sim pela forma chocantemente cruel como ele tratou os índios do Gram-Pará, naqueles primeiros anos de sua colonização.
Ele se tornou tão indômito, feroz e incansável na sua obsessão pelo extermínio perverso dos primeiros habitantes de nossa região, que com este comportamento já aparece no “Compêndio de História do Brasil”, escrito em 1843, por José Ignácio de Abreu e Lima.
Hoje, os antropólogos o veem como o maior algoz da nossa população original.
E pode ser colocado entre os grandes serial killers da História da Humanidade.
Desta sua faceta repulsiva trataremos exclusivamente em nosso próximo artigo a ser publicado domingo.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
The coat of arms of Belém was the work of an indigenous murderer
Bento Maciel Parente was a captain-major of Grão-Pará who, between 1621 and 1626, undeniably carried out some works in our region, as permitted by the position granted to him by the King of Portugal. Within the Portuguese colonial empire, the captain-major was the highest authority in a given captaincy, responsible for administering it, commanding its troops, judging crimes, imposing penalties, and seizing lands.
In fact, the period during which Bento Maciel Parente held this position in Grão-Pará could have become a pleasant memory for the people of Pará. After all, it was during this time that the Portuguese Crown transformed Grão-Pará into a large state, encompassing Maranhão, Ceará, and all of present-day Brazilian Amazonia, making it independent from Brazil and directly subordinate to the Portuguese court, which was itself dependent on Spain at the time.
However, Bento Maciel was not the figure the small population of Belém, composed of Portuguese settlers, wanted to see leading Grão-Pará. They preferred Pedro Teixeira, the “bandeirante of the Amazon.” Aware of this, Bento Maciel quickly sought to please the representatives of the two most powerful social forces in the Portuguese empire present in Grão-Pará: the military and the clergy.
To appease the military, he ordered significant renovations to the Forte do Presépio, built in 1616 by order of Francisco Caldeira de Castelo Branco. The fort was enhanced with a wall extending 90 fathoms (about 165 meters), standing 17 palms high (3.74 meters), and 7 palms wide (just over 1.5 meters). Thanks to him, the fortification also gained new watchtowers, barracks, and ammunition storage.
For the clergy, Bento Maciel ordered the construction of two rammed-earth chapels, a technique using wooden molds filled with clay, stones, and binding agents. The first, the Chapel of the Holy Christ, stood by the fort’s moat for over 160 years before completely disappearing.
The second, the Chapel of São João, immediately contributed to the development of Belém’s small settlement. To reach the chapel, residents opened a fourth path parallel to the three already existing in Belém: the Northern Path (now Rua Siqueira Mendes), the Holy Spirit Path (now Rua Dr. Assis), and the Knights’ Path (now Rua Dr. Malcher). The new São João path, later called Rua Tomázia Perdigão, was created toward the chapel of the same name.
Subsequently, new paths intersected the four existing ones, forming Belém’s first street grid and giving rise to its first neighborhood, then called Cidade (later Cidade Velha).
Beyond these works, Bento Maciel was also responsible for creating the coat of arms of the capital of Grão-Pará, using symbols representing the colonial dominion of the region. He divided the coat of arms into four sections, each with distinct images, which were interpreted in 1648 by Friar Cristóvão de Lisboa in his booklet “Razões das Cousas do Estado do Maranhão.”
In the top left section, two human arms hold baskets of flowers and fruits, with two short Latin phrases beneath, somewhat cryptic but, according to Friar Cristóvão, referring to the Amazon and Tocantins rivers. Below this, a castle with a path leading from its gate symbolizes the alleged noble origin of the city’s founder, while the path itself represents the obedience owed by Castelo Branco’s successors to Portuguese authorities.
On the opposite side, at the top, a setting sun above another Latin phrase signifies, per Friar Cristóvão, that Castelo Branco waited for dawn before landing at the site where he founded Belém, as Portuguese conquerors typically did. Finally, in the bottom section, a meadow crossed by a river shows a mule and a horse looking skyward in astonishment, with another enigmatic Latin phrase above them.
This represents the natives’ surprise at the Portuguese arrival, the vigor of Grão-Pará’s fields, and their economic potential.
Bento Maciel had the coat of arms carved in lioz, a highly durable granite, to adorn a building’s entrance. However, it nearly faded from memory when the building was destroyed during the Cabanagem rebellion. It was preserved thanks to Paulo José da Silva Gama, the Baron of Bagé, who, in 1825, found a copy of Friar Cristóvão’s booklet in a library of ancient works in Braga, Portugal.
Using the booklet’s description, the baron had the coat of arms reconstructed. Researcher Augusto Meira Filho, author of Historical Evolution of Belém do Grão-Pará, suggested the original might one day be found in an archaeological excavation.
Like the coat of arms, Bento Maciel’s name could have faded into obscurity, as happened with other figures of that era. However, he remained in Pará’s history not primarily for the coat of arms or his other works but for the shockingly cruel way he treated the indigenous people of Grão-Pará during the early years of its colonization.
His relentless and ferocious obsession with the perverse extermination of the region’s original inhabitants earned him a place in José Ignácio de Abreu e Lima’s 1843 Compendium of Brazilian History. Today, anthropologists regard him as the greatest tormentor of our original population, placing him among history’s notorious serial killers.
We will address this repulsive facet of his legacy exclusively in our next article, to be published on Sunday.
*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Illustration: the coat of arms of Belém created by Bento Maciel)