“Mas quando você me amar, me abrace e me beije bem devagar.”
(Belchior, Coração Selvagem, 1977)
O mosaico icônico do pintor austríaco Gustav Klimt no quadro “O Beijo” (1907) nos convida a refletir sobre seus protagonistas, a mulher e o homem, e sobre a polêmica que se instaurou pela posição da mulher ajoelhada perante o homem.
Um ser, dois gêneros.
Gêneros diferentes em vários aspectos e é sobre essas diferenças que vamos falar um pouco, na tentativa despretensiosa de alcançar um nível mais aprofundado de compreensão.
Além da óbvia diferença biológica, mulher e homem são distintos na maneira de pensar, na forma de ver e sentir o mundo e as pessoas que lhes cercam. São diferentes acentuadamente nas suas expectativas. Klimt retratou essas diferenças de modo sutil e poético por meio de flores coloridas e retângulos alvinegros. Que bom que a natureza nos fez assim, tão diferentes. Uma diferença que produz diversidade, temperando a humanidade com cores e formas distintas.
Mas a beleza dessa diferença pode ser traiçoeira, sobretudo quando utilizada como pretexto para se atribuir à mulher e ao homem papéis e posições diferentes nas relações sociais, gerando desigualdade. Foi assim que o homem, detentor de maior força física que a mulher, a subjugou durante séculos a fio, controlando-a, dentro e fora do lar.
Verdade que muita coisa mudou. Na história mais recente do nosso país, após décadas de luta, as mulheres conquistaram, ao menos em alguns aspectos, a denominada igualdade formal, consagrada na Constituição Federal de 1988, seguida por diversas Leis voltadas para a implementação de políticas públicas de proteção à mulher, cujo exemplar mais emblemático é a denominada Lei Maria da Penha.
Erro, todavia, pensar que esses avanços legislativos corrigiram a desigualdade entre mulheres e homens. Prova disso está no Mapa das Mulheres na Política 2019 – relatório publicado pela Organização das Nações Unidas e pela União Interparlamentar –, no qual o Brasil ocupa a 134ª posição, dentre 193 nações, no ranking de representatividade feminina no Parlamento. Atualmente, dos 81 senadores eleitos no Brasil, apenas 12 são mulheres. Na Câmara, as mulheres ocupam somente 77 das 513 cadeiras.
O caso atual da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo quadro é composto majoritariamente por mulheres, é emblemático, pois entre os 27 presidentes de seccionais atuais não existe uma única mulher. Já entre os 81 conselheiros federais, somente 17 são mulheres. Esse cenário de desigualdade, por outro lado, impulsionou a OAB a aprovar regramento inédito de paridade de gênero, que vai valer para as eleições a serem realizadas no corrente ano, devendo as chapas atenderem ao percentual de 50% para candidaturas de cada gênero, tanto para titulares quanto suplentes.
Essa desigualdade no plano da representação política é apenas reflexo de um problema mais profundo, a herança atávica de opressão da mulher, que ainda persiste.
Ações afirmativas, a exemplo do que foi feito no âmbito da OAB, direcionadas ao aumento da participação da mulher no processo político, reduzem, é claro, essa desigualdade. Tem que dar à esposa de César o que é da esposa de César.
Diferença, sim. Desigualdade, jamais. Entretanto, a superação dessa desigualdade secular de gênero exige um esforço maior, que se opera no plano individual. Exige um novo olhar do homem sobre a mulher e da mulher sobre si mesma. Não, na obra de Klimt não existe nenhum domínio do homem sobre a mulher. Mas se você teve essa impressão, é porque seu olhar precisa ser mudado.