Quem os imaginaria reunidos na mesma foto?
De um lado da pequena mesa de trabalho de um gabinete de Brasília, o coronel Jarbas Passarinho, um dos dezessete assinantes do AI-5.
O documento que oficializou a suspensão de todos os direitos constitucionais dos brasileiros, pela Ditadura Militar Pós-1964.
Até mesmo o direito à vida porque o AI-5 levou ao uso da tortura pelos policiais da repressão política,como instrumento de Estado.
De outro lado da mesa, Vladmir Herzog, assassinado, com a permissão dada pelo AI-5, por policiais torturadores nos porões do II Exército de São Paulo, um ano e alguns meses mais tarde.
O que Vlado fazia, em 1974, ali, com os cotovelos fincados naquela mesa, dedos entrelaçados perto da boca, olhos fixos em Passarinho, como se estivesse rezando?
Observava Passarinho, no cumprimento de uma obrigação ética do exercício de sua profissão.
Pois como editor de Cultura, da Revista Visão, preparava um balanço da produção dos artistas brasileiros, realizada sob perseguição dos agentes da ditadura nos dez anos anteriores.
E, ouvia o outro lado, como mandava sua ética profissional, na versão de um dos homens fortes do regime autoritário, naquele ano, colocado no cargo de ministro da Educação, sob a vigilância atenta do major Ney Braga, senador do partido oficial de apoio aos militares, a Arena.
Hoje, se Herzog e Passarinho ainda estivessem vivos, o jornalista não precisaria se concentrar tanto na pessoa do coronel porque dois doutores em História Social, da USP – Amarílio Ferreira e Marisa Bittar -, empenharam esforço para entender como ele pensava.
Analisaram, em 2006, cinquenta e cinco artigos publicados pelo coronel, no jornal O Estado de S. Paulo, para escreverem o ensaio- “Jarbas Passarinho, ideologia tecnocrática e Ditadura Militar” -, divulgado pela Revista HISTEDBR, da Faculdade de Educação da Unicamp.
Trecho da conclusão a que chegaram:
– “A fidelidade ideológica assumida pelo coronel Passarinho em relação ao regime militar faz com que ele não reconheça a verdade contida em determinadas pesquisas históricas.
Aos 86 anos de vida, ele se investe no papel de narrador da ‘verdadeira’ história do período militar.
No desempenho da nova missão, ele condena os historiadores que insistem em contrariar a sua visão histórica dos fatos.
Mesmo quando se trata de um episódio, que condenado pelas premissas do tempo ulterior, se tornou indefensável politicamente. É o caso, por exemplo, do AI-5”.
Os dois estudiosos acrescentaram:
– “O coronel Jarbas Passarinho não é um homem arrependido do seu passado histórico.
Muito pelo contrário. Ele se orgulhava de ter sido um dos principais protagonistas dos acontecimentos que fizeram a Ditadura Militar.
As posições ideológicas que continuou defendendo, 40 anos depois do golpe de Estado de 1964, ainda são as mesmas que assumiu durante o contexto da Guerra Fria”.
Portanto, “O algoz e a Vítima” teria de ser mesmo o título da foto.
(Ilustração: Vladmir Herzog e Jarbas Passarinho)