O Brasil tomou conhecimento esta semana do modo chocante como foi morto no Rio de Janeiro o imigrante de origem congolesa Moïse Kabagambe, barbaramente linchado a pauladas por homens que faziam a segurança de um dos quiosques da praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, durante a noite, em pleno movimento de pessoas ali próximo, no calçadão, incluindo frequentadores e consumidores do local, que continuaram a agir normalmente diante da barbárie.
O corpo foi abandonado ali perto, numa escadaria que dá acesso à praia, com as mãos amarradas, como se fosse um animal qualquer. Tinha 25 anos e vivia com a família no Brasil desde 2011, na condição de refugiado político, fugindo da guerra em seu país natal.
De acordo com a família, Moïse saiu de casa na segunda-feira, 31, para cobrar o pagamento de duas diárias devidas pelo quiosque onde havia trabalhado. Testemunhas dizem que cinco pessoas cometeram o espancamento até a morte do refugiado. Mas qual o motivo para tão desmedida violência? A própria embaixada do Congo no Brasil e integrantes da comunidade congolesa no Rio de Janeiro apontam para evidências de xenofobia e lembrou de outros quatro assassinatos de congoleses no Rio de Janeiro, desde que, em 2011, quando mais de 1 mil congoleses foram acolhidos no Brasil.
Hoje são mais de 52 mil refugiados africanos no Brasil, estudantes e trabalhadores integrados à vida brasileira, em situação regular e muitos deles de países de língua portuguesa. Outros entram ilegalmente no país, em porões de navios cargueiros, sobreviventes de guerras e violações de direitos humanos. Aqui, ainda são alvos de xenofobia, resquícios de um racismo que vem do longo período de escravidão no Brasil, encerrado há pouco mais de 100 anos. Imigrantes africanos podem não ser tão bem recebidos no Brasil quanto europeus, por exemplo. Muitos caem no mercado informal de trabalho, sem direitos, trabalhando como ambulantes, mesmo que tenham formação superior e qualificação em seus países.
Os negros imigrantes acabam sofrendo, no Brasil, a mesma violência, ou pior, que também atinge os negros brasileiros, que acabam sendo alvos preferenciais da violência. Novamente no Rio, esta semana, um homem negro foi morto por um vizinho, militar da Marinha, que o confundiu com um bandido, na frente do condomínio onde moravam.
Em 2007, um alojamento de estudantes africanos foi incendiado na Universidade de Brasília, por um grupo de brasileiros contrários à sua presença na instituição. Em 2011, um estudante promissor da Guiné Bissau foi assassinado no Brasil, por espancamento, com a participação de dois policiais, por ter sido confundido com um bandido, ao pedir informação.
Nesse ponto, é preciso lembrar a importância da presença africana no Brasil, sobretudo do Congo, que junto com Angola, foram as regiões africanas de onde mais foram enviadas pessoas escravizadas para o Brasil. A importância do Congo e da África em geral para a cultura brasileira é imensa, como pode ser constatado no carnaval, com a cultura do samba, que se desenvolveu no Rio de Janeiro, primeiramente, na região portuária da Pequena África, trazida por emigrantes baianos, que se misturaram aos negros cariocas, o que resultou no grande espetáculo que é o carnaval carioca.
Espero que a repercussão do caso Moïse Kabagambe ajude o Brasil a superar esse culto à violência, à solução de conflitos pelas próprias mãos, aos justiçamentos e linchamentos que embaçam a nossa condição de seres humanos. Como disse Nelson Mandela em sua autobiografia “O longo caminho para a liberdade”, 1994: “Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”.