Segundo o governo estadual, criminosos usaram drones para lançar bombas contra as forças policiais e a população no Complexo da Penha, numa escalada inédita de enfrentamento
O Brasil já ingressou, de forma incontestável, na era do narcoestado. A constatação não é mero exagero retórico — é o retrato cru de um país em que o poder paralelo, fortemente armado e tecnologicamente equipado, desafia o Estado de igual para igual. A mais recente prova vem do Rio de Janeiro, palco da Operação Contenção, deflagrada nesta terça-feira (28) pelo governo fluminense, uma ação conjunta das forças de segurança estaduais para conter a expansão territorial do Comando Vermelho (CV) — facção que domina amplas áreas da capital e avança por outras regiões do país. As informações são da Folha de S.Paulo.
Desde as primeiras horas do dia, policiais civis e militares ocupam os complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio, regiões que abrigam 26 comunidades. A ofensiva, de grandes proporções, visa cumprir 69 mandados de prisão em 180 endereços. Até o momento, 23 criminosos foram presos, dois foram mortos em confrontos, e dez fuzis foram apreendidos — um arsenal que revela o poder bélico das facções.
O saldo trágico inclui sete feridos por bala, entre eles um policial e três civis inocentes, atingidos durante os intensos tiroteios. Uma mulher foi baleada dentro de uma academia, o que simboliza o colapso da fronteira entre guerra e vida cotidiana nas comunidades sob domínio do tráfico.
Drones, bombas e barricadas
Segundo o governo estadual, criminosos usaram drones para lançar bombas contra as forças policiais e a população no Complexo da Penha, numa escalada inédita de enfrentamento. As quadrilhas também ergueram barricadas nas vias principais, numa tática de defesa territorial que remete a zonas de conflito urbano em países sob domínio do narcotráfico — algo que, até poucos anos atrás, parecia impensável no Brasil.
A operação é resultado de um ano de investigação conduzido pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público do Rio. A apuração revelou que o Complexo da Penha se tornou base estratégica da expansão do Comando Vermelho, especialmente por sua localização próxima a vias expressas, que facilitam o escoamento de drogas e armas para outras áreas do estado, como Jacarepaguá.
A Promotoria denunciou 67 pessoas por associação para o tráfico, e três por tortura. Entre os denunciados estão Edgar Alves de Andrade, o “Doca”, considerado o principal líder da facção na Penha e em comunidades como Gardênia Azul, César Maia e Juramento, e Pedro Paulo Guedes (“Pedro Bala”), Carlos Costa Neves (“Gadernal”) e Washington César Braga da Silva (“Grandão”), todos apontados como líderes operacionais.
Segundo a denúncia, o grupo controla a logística, as finanças e o aparato armado do tráfico, além de ordenar execuções de quem desobedece suas determinações.
Estado sitiado
O secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Santos, reconheceu em entrevista ao Bom Dia Rio que o enfrentamento é desigual:
“Estamos falando de 9 milhões de metros quadrados de desordem urbana, com becos intransitáveis, casas irregulares e criminosos que dominam o território. É impossível enfrentar isso apenas com o efetivo do estado.”
A operação mobiliza a Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), o COE (Comando de Operações Especiais) e diversas unidades táticas das polícias Civil e Militar, apoiadas por drones, dois helicópteros, 32 veículos blindados e 12 veículos de demolição. Mesmo assim, o aparato estatal parece pequeno diante da estrutura bélica e territorial do crime organizado.
A rotina do medo
Moradores dos complexos relatam tiroteios intensos e dificuldade de circulação desde o início da manhã. Cinco unidades de saúde suspenderam o funcionamento, e as atividades externas das clínicas da família estão interrompidas. A população vive acuada entre as balas do tráfico e o fogo cruzado das forças de segurança.
O que se observa no Rio — e que, pouco a pouco, se replica em outros estados — é mais do que a falência de políticas públicas. É a consolidação de um poder paralelo que já se comporta como um Estado dentro do Estado, com controle territorial, arrecadação própria, capacidade militar e aparato de inteligência.
Quando criminosos passam a utilizar drones e bombas contra as forças oficiais, e o governo admite que não consegue enfrentar o crime sozinho, fica evidente que o Brasil rompeu a linha tênue entre a criminalidade e o narcoestado.
O país entrou numa nova era — sombria, violenta e de difícil reversão — em que a soberania do Estado é desafiada não apenas nas fronteiras, mas dentro das cidades.
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