A Justiça Federal no Pará acolheu integralmente uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e determinou que a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) passe a divulgar de forma ativa, acessível, contínua e detalhada todas as informações contidas nas Guias de Trânsito Animal (GTAs) emitidas no estado.
A sentença, proferida nesta quarta-feira (8), obriga a agência a disponibilizar os dados em seu site oficial, em formato aberto e estruturado — como planilhas —, de modo que possam ser facilmente consultados pela sociedade civil, pesquisadores e órgãos de controle.
As GTAs são documentos oficiais exigidos para o transporte de animais no Brasil. Elas registram informações sobre origem, destino, finalidade do transporte, vacinação, procedência e destino dos rebanhos, entre outros dados.
Segundo a decisão, a Adepará deverá tornar públicos itens como:
número e data de emissão da guia;
volume de animais transportados;
dados de procedência e destino (nome do estabelecimento, CPF/CNPJ e município);
finalidade do transporte;
idade dos animais;
unidade expedidora;
observações;
e o documento integral da GTA.
Para a procuradora da República Priscila Ianzer Jardim Lucas Bermúdez, a sentença representa “uma vitória da sociedade no combate ao desmatamento e na promoção do controle social sobre a cadeia produtiva da pecuária”.
A transparência, afirma, é fundamental para que a população e instituições possam rastrear a origem do gado e verificar se ele não provém de áreas desmatadas ilegalmente, embargadas ou pertencentes a comunidades tradicionais.
Histórico do caso e atuação do MPF
A ação civil pública foi ajuizada pelo MPF em 2020, depois que a Adepará descumpriu uma recomendação para adequar-se às normas de transparência previstas na Constituição e na Lei de Acesso à Informação (LAI).
O órgão ministerial sustentou que a omissão da agência violava o princípio da publicidade da administração pública e impedia o acesso da sociedade a informações ambientais de interesse coletivo.
O processo integra o Projeto Transparência das Informações Ambientais, da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, que busca assegurar o acesso público a dados e decisões de órgãos ambientais em todo o país.
Em novembro de 2024, a Justiça Federal chegou a conceder uma liminar favorável ao MPF, obrigando a Adepará a apresentar um cronograma de divulgação dos dados. Na ocasião, reconheceu-se o direito constitucional ao acesso à informação e o risco de dano decorrente da falta de transparência.
Contudo, a liminar foi suspensa após recurso da Adepará, que alegou violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), argumentando que a publicação das GTAs exporia informações pessoais de produtores rurais.
O MPF recorreu, defendendo que o direito à informação ambiental prevalece sobre o interesse privado, uma vez que se trata de atividade econômica com impacto direto no meio ambiente. “O ônus da transparência é parte do custo de produzir na Amazônia”, destacou o órgão.
Fundamentos da sentença
Na decisão final, a Justiça Federal acolheu os argumentos do MPF e enfatizou que as informações contidas nas GTAs não são dados pessoais sensíveis, mas registros de uma atividade econômica regulamentada e fiscalizada pelo Estado, portanto de interesse público e ambiental.
A sentença afirma: “É possível e necessário compatibilizar a LGPD com a LAI e com a Constituição Federal, garantindo proteção contra abusos, mas sem inviabilizar o dever de transparência imposto ao Estado.”
O juiz também reforçou que os dados referentes à movimentação de gado não se confundem com informações íntimas, de saúde, de comportamento ou financeiras protegidas por sigilo constitucional.
A decisão citou ainda precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhecem a tripla vertente do direito à informação ambiental — ativa, passiva e reativa —, e destacou o enunciado da I Jornada de Justiça Climática e Transformação Ecológica, promovida pela Escola da Magistratura Federal do TRF-1, recomendando o compartilhamento público das GTAs, observados os limites da LGPD.
O julgamento reforça, segundo o MPF, o compromisso da Justiça Federal em promover a transparência e o controle social sobre a cadeia pecuária amazônica, especialmente às vésperas da COP30, que ocorrerá em Belém.
Dados públicos
A sentença representa um marco importante na convergência entre transparência ambiental e combate ao desmatamento na Amazônia. A obrigatoriedade de divulgar as GTAs retira o véu de opacidade que, por anos, dificultou a rastreabilidade da origem do gado — elo central de uma das cadeias produtivas mais associadas à destruição da floresta.
Ao reafirmar que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o privado, a decisão cria jurisprudência relevante para outros estados da Amazônia Legal. Além disso, desmonta o uso da LGPD como escudo indevido para esconder dados públicos, um argumento recorrente em órgãos ambientais resistentes à transparência.
Em síntese, a decisão não apenas impõe luz sobre o fluxo da pecuária paraense, mas também fortalece os mecanismos de governança ambiental e combate à ilegalidade, alinhando o Brasil a compromissos internacionais de rastreabilidade e sustentabilidade.
Ação Civil Pública nº 1013342-35.2020.4.01.3900 – Justiça Federal do Pará














