Publicações condenam a decisão de Alexandre de Moraes e dizem que a supressão da rede social para os brasileiros foi uma atitude excessiva. Lula também é criticado
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as operações da plataforma X (antigo Twitter) no Brasil gerou uma onda de críticas de importantes veículos internacionais de mídia. O Washington Post e a revista The Economist publicaram editoriais nesta semana que questionam a medida e seus impactos sobre a liberdade de expressão e o clima de investimentos no Brasil.
“O bloqueio total da plataforma para todos os brasileiros representa uma forma grave de censura, alinhando o Brasil com países como China e Rússia, em vez de com o mundo livre”, afirma o editorial. O Post também critica o comentário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que apoiou a decisão como um sinal contra a “extrema-direita” de Elon Musk. O jornal vê essa postura como um retrocesso para a democracia e uma ameaça à liberdade de expressão.
Já a The Economist, em editorial publicado na terça-feira (3.set.2024), questiona se a medida brasileira é uma resposta apropriada a problemas de liberdade de expressão. A revista britânica compara a decisão com ações de outros governos, como a tentativa dos EUA de banir o TikTok e as investigações na França contra o CEO do Telegram.
“A liberdade de expressão é um valor essencial para o progresso social. Restringi-la em nome da moralidade ou segurança pode ser perigoso e contraproducente”, argumenta a Economist. Embora a revista critique as práticas de Elon Musk, chamando-o de um “libertário de conveniência”, defende que a resposta a opiniões controversas não deve ser a censura.
Embora ambos os editoriais critiquem a decisão de Moraes, não mencionam explicitamente as possíveis repercussões econômicas. No entanto, a suspensão do X pode ter implicações graves para o Brasil em termos de confiança de investidores estrangeiros. A decisão de restringir o acesso a uma plataforma globalmente significativa pode ser vista como um sinal de instabilidade e censura, o que pode desencorajar grandes empresas internacionais de investir no país.
Enquanto o debate continua, a suspensão do X serve como um alerta para o Brasil sobre os desafios que enfrenta ao equilibrar a regulamentação da liberdade de expressão e a manutenção de um ambiente de negócios estável e atrativo para investidores estrangeiros.
Leia o editorial do The Washington Post (tradução)
Opinião: Na Luta pela liberdade de expressão, O X de Musk marcou a posição certa
“Quando se trata de liberdade de expressão, Elon Musk frequentemente fala mais do que age. No entanto, em sua mais recente disputa pública sobre o assunto, ele está conseguindo fazer ambas as coisas. O bilionário CEO da Tesla e da SpaceX está correto ao afirmar que a decisão de um jurista brasileiro de proibir unilateralmente o X, que ele possui, de operar no país é um ataque à liberdade na internet ao redor do mundo.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, tem buscado combater a desinformação online por anos, ordenando que plataformas removam uma série de postagens que ele considera ameaçadoras à democracia. O esforço recebeu elogios de comentaristas de centro-esquerda durante os últimos anos do governo do então presidente Jair Bolsonaro, que e seus apoiadores ameaçaram não aceitar os resultados se perdessem a eleição de 2022. De fato, remover mentiras que podem distorcer votos ou incitar violência pode ser uma atitude responsável em certas circunstâncias limitadas. Mas é além de irresponsável que o governo tome tais decisões. A situação no Brasil mostra por quê.
A campanha de Moraes para remover conteúdo pode ter sido eficaz no combate a teorias da conspiração de direita, mas a um custo substancial para a liberdade de expressão — com mandatos de remoção e até ordens de prisão muitas vezes emitidas sob sigilo e com pouca justificativa. A recente ação contra o X é uma continuidade desse padrão, mas em uma escala muito maior: depois que o X ignorou as ordens do tribunal para bloquear mais de 140 contas, o juiz ameaçou prender seu representante legal no Brasil.
Isso levou Musk a retirar a equipe do X do país. A ausência de uma presença física levou Moraes a ordenar que o X fosse bloqueado para todos os 220 milhões de brasileiros, que, segundo ele, poderiam enfrentar multas de quase US$ 9.000 por dia se tentassem contornar a restrição.
Se isso soa autoritário, é exatamente isso que é. Independentemente da ameaça representada pelas contas que Moraes queria remover, a ameaça de um funcionário do governo limitar a expressão de 220 milhões de pessoas é maior. Junto com a decisão de Moraes de congelar os ativos da Starlink, outra empresa de Musk, essa medida alinha o Brasil não com o mundo livre, mas com países como China e Rússia.
Nada disso quer dizer que Musk tenha buscado seus objetivos pelos meios mais práticos, ou mesmo pelos mais éticos. Suas próprias postagens são frequentemente gratuitas e inflamadas, incluindo sua recente republicação de uma declaração de que o governo dos EUA deveria ser composto exclusivamente de “machos alfa com alto nível de testosterona”. Ele não combate consistentemente as mentiras online, mas sim as espalha esporadicamente. Apenas esta semana, ele promoveu uma entrevista de Tucker Carlson com um historiador que defende Hitler. Enquanto isso, Musk baniu estranhamente o termo “cisgênero”.
No que diz respeito a seguir regras de controle de discurso de outros países, o compromisso de Musk com a expressão irrestrita também tem sido inconsistente. Outras empresas, como Meta e Google, frequentemente desafiam ordens que consideram objetáveis no tribunal — e publicam informações sobre seus ataques legais. O Twitter fez o mesmo — quando ainda era Twitter. Agora, como X, a empresa parece preferir adotar posições legais baseadas em um conjunto de valores pouco claro. Não há um relatório de transparência a ser encontrado, mas todos os sinais apontam para um aumento, e não uma diminuição, na conformidade com as exigências do estado.
Muitas das ordens com as quais o X cumpriu tiveram pouca justificativa além de preservar a sensibilidade dos líderes: o X, por exemplo, concordou em remover links na Índia para um documentário da BBC crítico ao Primeiro-Ministro Narendra Modi. Mesmo no caso do Brasil, Musk não apresentou uma queixa em nenhum fórum. Ele simplesmente seguiu os mandatos até, eventualmente, não o fazendo mais.
Apesar de tudo isso, os brasileiros não deveriam ter que tolerar um governo que suprime pontos de vista políticos, por mais repugnantes que um tribunal possa considerar essas opiniões. Musk tem o direito de expressar sua opinião e de ter o devido processo legal, apesar da visão demagógica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o assunto: “O mundo não é obrigado a tolerar o livre arbítrio da extrema-direita de Musk só porque ele é rico”, afirmou. Essa resposta reflete mal na vocação democrática de Lula, que foi legitimamente eleito em 2022.
E todo o episódio está se transformando em uma lição para democracias que acreditam que a resposta para expressões problemáticas na internet é suprimí-las.”
Leia o editorial do The Economist (tradução)
“A liberdade de expressão tornou-se um campo de batalha cultural, e aqueles que deveriam defendê-la estão permanecendo em silêncio
No Brasil, juízes bloquearam o acesso ao X, uma das redes sociais mais populares do país. Na França, promotores proibiram o chefe do Telegram de deixar o país enquanto investigam a plataforma de mensagens. Na Grã-Bretanha, juízes estão condenando usuários de redes sociais à prisão por mensagens postadas online durante recentes tumultos. Nos Estados Unidos, há planos para banir o TikTok, um aplicativo de propriedade chinesa extremamente popular.
As discussões sobre liberdade de expressão estão começando a ferver, à medida que os governos apertam o cerco ao discurso online.
Em alguns casos, a repressão é justificável. O caso da França contra o Telegram, um aplicativo fundado na Rússia que possui 50% mais usuários no mundo todo do que o X, foca na sua moderação de conteúdo ilegal. O aplicativo, que tem apenas cerca de 50 funcionários, é visto há muito tempo como um lugar fácil para compartilhar material envolvendo abuso infantil e anunciar drogas e outras contrabandos. O Telegram considera as acusações francesas “absurdas” e afirma que está em conformidade com as normas digitais europeias. Independentemente do que a investigação conclua, ela ao menos visa algo que é ilegal.
A ação draconiana dos EUA contra o TikTok também é defensável. O aplicativo é usado por mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo e abalou um mercado pouco competitivo. Mas, com uma empresa-mãe sediada em Pequim, é vulnerável à manipulação pelo Partido Comunista Chinês — o que é importante, dado o número de usuários que trata o TikTok como sua fonte de notícias. Indivíduos têm o direito à liberdade de expressão, mas governos estrangeiros não. Banir o TikTok é um último recurso razoável se a empresa não conseguir cortar seus laços com Pequim.
No entanto, outros casos recentes buscam censurar e punir discursos que deveriam estar dentro da lei. O Brasil baniu o X devido à sua recusa em cumprir ordens judiciais opacas para remover dezenas de contas, incluindo aquelas pertencentes a membros de seu Congresso; usuários que tentam acessar a plataforma enfrentam multas ruinosas. A Índia, os Emirados Árabes Unidos e outros estão tentando enfraquecer a criptografia. A Malásia afirmou que postagens sobre religião devem ser aprovadas pelo Departamento de Desenvolvimento Islâmico.
Democracias ricas também estão recorrendo mais frequentemente à censura. A União Europeia está investigando o X por fomentar desinformação e racismo — ambos problemáticos, mas não alvos apropriados para a lei. A Grã-Bretanha está certa em prender aqueles que claramente incitam violência e esperar que as plataformas observem a lei, mas quando condenou um homem por postar um tweet considerado simplesmente “grosseiramente ofensivo”, ultrapassou os limites da censura injustificada. Até mesmo nos EUA, que possuem a tradição de liberdade de expressão mais forte do mundo, o Facebook acusou a Casa Branca de pressioná-lo para remover sátira sobre a covid-19.
Os debates sobre discurso e lei estão em curso desde a invenção do livro, para não mencionar o Facebook. Nossa posição de longa data é clara: somente com a liberdade de errar as sociedades podem avançar lentamente em direção ao que é certo. O que mudou é que hoje as objeções mais ruidosas à repressão da liberdade de expressão vêm de direitistas como Elon Musk, chefe do X, enquanto muitos liberais autodenominados aplaudem o que veem como um golpe contra bilionários apoiadores de Trump. À medida que o discurso se torna um campo de batalha cultural, aqueles que discordam da política de Musk e seus aliados tornaram-se relaxados diante do ataque.
Eles deveriam acordar. As restrições crescentes sobre o que é dito afetam todos que usam plataformas online, não apenas os bilionários que as possuem. Além disso, a liberdade de expressão está longe de estar segura nas mãos de libertários de ocasião como Musk, que processa aqueles com quem discorda, baniu palavras que não gosta de sua plataforma e é cordial com Vladimir Putin, cuja ferramenta preferida de moderação de conteúdo é o Novichok. A capacidade de falar livremente é talvez o valor liberal essencial. É hora de os verdadeiros liberais se manifestarem e defendê-la.”