Foi uma saraivada de estocadas, algumas contundentes. O alvo, o governo de Helder Barbalho (MDB). A autoria, o ex-governador do Pará por três mandatos, Simão Jatene (sem partido), em 38 minutos de entrevista ao jornalista Evandro Correia, editor do site O Antagônico. Jatene praticamente confirmou o que muitos já desconfiavam: vai enfrentar Helder nas urnas, em 2022, disputando o quarto mandato ao cargo máximo do executivo estadual.
Jatene disparou críticas a Helder, chamando-o de arrogante, não ter princípios e de praticar o culto à personalidade, usando o cargo público. Também disse que nunca na história do Pará um governador foi alvo da Polícia Federal – referia-se aos diversos escândalos durante a pandemia, quando teriam sido desviados dos cofres públicos cerca de R$ 1,2 bilhão.
A primeira estocada foi sobre famílias que se revezam no poder, numa clara alusão aos Barbalho. “O poder não é uma dinastia, isso é coisa da Idade Média,. é péssimo”, disse o ex-governador, acrescentando que ele próprio não é originário de família de políticos e nem pretende ter familiares na política.
Sobre a saída dele do PSDB, partido no qual militou desde a fundação no estado, declarou que resolveu deixá-lo quando percebeu que o partido “estava tomando um rumo muito complicado”. E citou um exemplo, para ele “inexplicável e de grande oportunismo”, que foi a rejeição das contas do último governo dele, pela Alepa – com aprovação da esmagadora maioria obediente a Helder -, mas sem o PSDB se posicionar contra isso.
“Isso foi de uma inaceitável subserviência”, enfatizou. Segundo Jatene, os tucanos da Alepa que se calaram diante da rejeição das contas “participaram do governo e sabiam que as contas não tinham nenhum problema”. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) aprovou as contas por unanimidade e o Tesouro Nacional deu os conceitos A e B para essas contas, “de um governo que era contrário a nós, governo do PT, que não tinha nenhuma razão para avaliar as contas do estado de forma positiva”, acrescentou, dizendo que até isso aceitou com paciência.
Além disso, declarou ter oferecido a oportunidade de uma explicação dos tucanos para o que aconteceu, mas sem resposta. Disse acreditar, e nem é contra que em algum momento forças divergentes terminem se aliando e alinhando para enfrentar um desafio maior. “É um exercício complicado? É, mas necessário”. E citou como exemplo a União dos Estados Unidos com a Rússia, porém, para enfrentar o nazismo de Hitler. “Era uma causa maior, em favor da humanidade”, ponderou.
PF na casa de Helder e no palácio
“Eu quero que me digam qual é a razão objetiva, qual é a nobre causa, nesse momento, que é a defendida pelo governo que aí está e que precisaria de apoio do PSDB para que ela não fosse colocada em xeque? Vamos lá: quais são as grandes realizações desse governo? Eu desconheço. Então, é um governo que não tem projetos. E não tenho dúvidas em dizer isso, porque as coisas que foram tocadas, e mal tocadas, com algumas por aí mal arranjadas, são fruto, não digo que são meus, são de um projeto de grupo passado, mas não é do que está aí. Então, não tem projeto”, enfatizou.
Em seguida, disse que o governo de Helder é um governo que não tem princípios, “haja vista a forma como se comportou esse tempo inteiro na pandemia no que diz respeito à gestão dos recursos públicos que ensejou algumas operações da Polícia Federal”. “Vocês já pensaram bem, isso é inédito nesse Estado. Quantos governadores já passaram por aqui? Quantas vezes nós assistimos isso? A Polícia Federal vai na casa do governador, vai no Palácio do Governo, que é uma instituição que deve representar a própria sociedade. Então, é brutal, isso. Terceiro ponto: é um governo de um autoritarismo, um egocentrismo, de uma obsessão pelo poder que pra mim é uma coisa maluca. Vocês andaram noticiando; tinha gente sido presa porque supostamente ia fazer manifestação (em Tucuruí) contra o governador. Previamente, já prendem. Aí, alguém que está aí vem querer falar de democracia? Alguém que está apoiando isso vai poder criticar fulano ou beltrano? esse negócio de império, reizinho, já passou”.
Nisso tudo – continua o ex-governador – o silêncio dos bons é o lado dramático da história. “Só o senhor nos salva. Pára com isso, menos. E dos dois lados. Só tem alguém que pode nos salvar disso aí. Sabe quem é? É tu (apontando para o entrevistador) e mais 8 milhões de paraenses”. Além disso, circunstancialmente alguém, no exercício da liderança, que tenha maior compromisso e maior esforço. “Tudo isso pode ser compreendido, mas isso tem que ser uma vontade da sociedade”, afirmou Jatene. O ex-governador conta que já chegaram para ele dizendo que Helder tem dinheiro pra gastar na reeleição e que isso seria um problema.
“Eu já vi se ganhar eleição sem dinheiro, sem grandes partidos políticos ao lado e já vi se perder eleição com dinheiro. Desde que seja a vontade da população. “Ah, mas a corrupção…., a corrupção tem sempre os dois lados. Nunca vi alguém se autocorromper. Outro dia chegou alguém da classe política, não vou dizer o nome, e me disse; só o senhor me salva. Perguntei o que estava acontecendo e ele disse: “estamos sendo chantageados, humilhados”. Perguntei, então porque não me chantageiam e humilham? E respondi, é porque vocês deixam”.
“Não serei omisso”
Perguntado se estava de volta ao jogo político para enfrentar Helder nas urnas, Jatene explicou: ” eu jamais seria omisso, mas isso não significa ser ou não ser candidato, significa participar. Vou continuar defendendo aqueles que não se rendem, não se vendem, defendendo as coisas que são capazes de reduzir a pobreza e a desigualdade, sem ingenuidade. Eu já disse lá atrás uma coisa que, para mim, é verdadeira: o sonho não envelhece. Eu sonho, sim. Me preocupo em saber qual vai ser a geração que virá para a frente. Não é só porque tenho filhos e netos, é porque a maioria tem filhos e netos. A sociedade que estou deixando para meus filhos e netos não é a que sonhei”.
O jornalista Evandro Correia perguntou: Jatene está pronto para ser candidato novamente a governador. Resposta: ” Deixa eu te dizer francamente. Acho que é possível ganhar essas eleições sem que o Jatene seja candidato. Isso acho que é possível. E agora te respondo a outra pergunta. Se não tivesse que se construir nada de diferente, esta pergunta já está respondida previamente. Acho que conheço um pouco desse estado. Não sou de estar por aí dando tapinha nas costas, não sou mesmo. E usaram muito isso. Usaram que eu gosto de pescar. Simples: tem gente que gosta de pescar, outros gostam de beber e outros gostam de roubar. Prefiro ficar com gente que gosta de pescar. Se nós nos organizarmos e fizermos uma grande frente, nós temos chances, sim” .
Formação de grupo
No final, ele afirmou que o governo de Helder vende uma imagem falsa, desde o trato da pandemia até a realização de obras. “Qual a obra estruturante desse governo? Eu quero uma. Não tem. Ah, é falta de dinheiro. Não é. Então, volto à questão: qual é a razão de o PSDB embarcar nisso? Tem que ter uma razão muito forte por trás que eu desconheço. Ou pelo menos não faz parte da minha visão de mundo e dos meus princípios éticos e morais”.
Provocado, reagiu que está tentando formar um grupo político. E foi enfático ao ser indagado se em 2022 estará participando da eleição. “Disso não tenha dúvida. A não ser que eu morra antes ou, sei lá, se papai do céu quiser que eu fique por uma outra razão. Precisamos ter, mais do que nunca, a consciência de que as diferenças menores têm que ser afastadas para que de fato se crie uma grande frente pra mudar isso aí. É importante ter alguns princípios, um deles é construir um novo projeto de Estado. Precisamos saber o que fazer, porque hoje não se sabe o que fazer nesse Estado. Não sabem por razões éticas e na forma de gestão dos recursos públicos, e outra porque não sabem o que fazer.
Silêncio barulhento
O Ver-o-Fato procurou a chefia de comunicação do governador Helder Barbalho para abrir espaço à manifestação dele sobre as declarações de Simão Jatene contidas na entrevista. A resposta, porém, foi apenas um singelo “boa tarde”. Foi exibida uma síntese das principais afirmações do ex-governador com a pergunta à assessoria de Helder se o governador iria responder.
Como tem sido regra do atual governo para o jornalismo independente, a resposta da chefia da Secom foi um barulhento silêncio. O espaço continua aberto à manifestação de Helder Barbalho.
Leia abaixo a entrevista completa, com créditos de O Antagônico: