No meio de uma das piores pandemias da história recente e mantido sob investigação do Ministério Público Federal (MPF) por irregularidades de R$ 24 milhões com licitações, o Instituto Evandro Chagas (IEC) transformou-se num aparelho político, com tensa disputa interna, perseguições e desmandos, segundo denúncias de servidores ao Ver-o-Fato.
Ou seja, trilha um caminho tortuoso que coloca sob risco sua própria e bela história científica, reconhecida mundialmente e motivo de orgulho para os amazônidas, em especial os paraenses. De acordo com um desses servidores, “o Evandro Chagas está cada vez mais esquecido pela comunidade cientifica, mergulhado nas gestões egocêntricas, monocráticas e excludentes, sem haver real preocupação com a ciência, com o avanço tecnológico e auxilio à saúde pública do país”.
Diz outra fonte que o IEC vive sob “gestões desastrosas nos últimos 12 anos” e que anda praticamente desaparecido do cenário nacional quando se fala em agravos relacionados à saúde pública. Observa também que o Instituto poderia estar na linha de frente no enfrentamento ao avassalador coronavírus, já que possui em seus quadros técnicos pesquisadores de reputação internacional.
Documentos em poder do Ver-o-Fato apontam que exemplos relativamente recentes podem ser citados, como a epidemia de febre amarela em 2016, onde outras instituições protagonizaram o sequenciamento de centenas de genomas do vírus, estabelecendo modelos matemáticos que explicaram a origem e dispersão do vírus e contribuíram substancialmente para o entendimento de suas características genéticas.
O fato mais recente foi a paralisação dos serviços de manutenção preventiva e corretiva de mais de uma centena de computadores. O apagão dos computadores ameaça, inclusive, uma das joias tecnológicas do Instituto, um ‘clusters’ (grupo de computadores interconectados), abrigado em sala protegida contra incêndio do prédio da instituição, que gera dados importantes na área de saúde pública, tais como análises de genomas virais como os da dengue, zika e chikungunya.
Contrato suspenso e risco aos testes da Covid-19
Com mais de 80 anos, vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o Evandro Chagas possui a maior coleção de arbovírus do Brasil e a 2ª maior do mundo, por isso virou referência na área de doenças tropicais.Hoje, ele é dirigido pela farmacêutica-bioquímica Giselle Maria Viana e sobrevive enfrentando escassez de recursos federais e má gestão, segundo servidores ouvidos. O problema da TI, segundo enfatizam os denunciantes, seria apenas a ponta do iceberg.
Os documentos destacam que o contrato com a empresa, terceirizada, responsável pelos serviços na infraestrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação chegou ao fim no último dia 29. Sem renovação do contrato e sem uma nova licitação a tempo, os problemas na área começaram a pipocar.
Apesar do Setor de Informática do IEC ter entrado em campo para minimizar os impactos causados pela interrupção do serviço da empresa Montreal Informática S/A, o risco de paralisação de diversas atividades torna-se a cada dia cada vez mais real e próximo.
Entre as atividades em risco estão, os próprios testes de Covid-19 que a instituição realiza e que podem ficar comprometidos devido à falta de manutenção do Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), cuja função, entre outras, é de enviar os resultados dos exames laboratoriais de casos suspeitos ou confirmados das doenças de notificação compulsórias (caso do novo coronavírus) ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
O GAL também auxilia nas tomadas de decisões epidemiológicas e gerenciais do Evandro Chagas, que faz parte da lista das referências laboratoriais do país para diagnóstico do SARS-CoV-2, o causador da atual pandemia do novo coronavírus.
O Instituto realiza testes, por detecção molecular desse vírus, a partir de amostras oriundas de 10 estados: Pará, Amazonas, Acre, Amapá, Rio Grande do Norte, Roraima, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Maranhão.
Acidente biológico e isolamento
Segundo os documentos, outra triste realidade é a condição do laboratório NB3, cuja funcionalidade tem sido questionada desde sua inauguração em 2014. Em recente avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o laboratório foi questionado por diferentes irregularidades, como o mal funcionamento do sistema de segurança, presença de vírus classificados como nível 4 em área de risco classe 2, ausência de sistema de controle com monitoramento de câmeras, além da inexistência de sistema de identificação eletrônica de entrada de pessoal.
Houve inclusive um acidente biológico envolvendo um técnico que manipulava um virus de periculosidade 3 (vírus rocio), causador de encefalite – inflamação das meninges do cérebro – e com capacidade de ser transmitido em área urbana pelo mosquito Culex, que existe em maior quantidade no país e que ataca à noite.
A vítima do acidente foi o servidor Sanderson Corrêa Araújo, que realizava procedimento de inoculação de solução com víscera (cérebro de rato) macerada, infectada por vírus rocio, classe de risco 3. Ele se feriu com a seringa. O acidente foi classificado de risco com exposição ao agente biológico e o servidor teve que ficar isolado, sendo orientado a tomar precauções para evitar contaminação em massa.
Investigação do MPF
O Evandro Chagas também está sendo investigado pelo Ministério Público Federal por irregularidades na contratação de empresa fornecedora de materiais e equipamentos laboratoriais.
A investigação teve início a partir de denúncias realizadas por meio do canal de Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal “Fala BR”. Após realizar inspeções e levantamentos para apurar os fatos, a direção do instituto levou a situação ao conhecimento da Controladoria-Geral da União (CGU) e do MPF por meio de relatório feito pela própria Instituição.
As fraudes investigadas ocorreriam desde o processo de seleção de fornecedores até a execução de contratos de fornecimento de insumos laboratoriais.
Foram detectadas, em editais de licitações, cláusulas que restringiam a competição e acabavam por favorecer a empresa investigada. Além disso, verificou-se superfaturamento por quantidade e por preço de produtos que não correspondiam ao que era solicitado nos pedidos.
Os recursos envolvidos são provenientes do Ministério da Saúde. Com base em levantamentos preliminares feitos pela CGU, há suspeita de irregularidades em pelo menos 10 processos licitatórios, que juntos somam mais de R$ 24 milhões.
Com a palavra, o IEC
O Ver-o-Fato procurou o Evandro Chagas para ouvir a versão do órgão a paralisação dos computadores. Veja, abaixo, a nota da assessoria de comunicação: as o vER-
“Ananindeua-PA, 15 de maio de 2020
Prezado Senhor Carlos Mendes,
Portal Ver-O-Fato
Em primeiro lugar, agradecemos a oportunidade de esclarecer alguns pontos importantes em relação aos seus questionamentos sobre o Contrato de Informática do Instituto Evandro Chagas, órgão subordinado à Secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com a empresa MI Montreal, fato que gerou matéria alarmista no blog do jornalista Jeso Carneiro, intitulada “Em meio à pandemia, “apagão” ameaça computadores do Evandro Chagas.”, de 12/05/2020.
- O contrato com a MI Montreal para a manutenção preventiva e corretiva foi finalizado no dia 29 de abril de 2020 e não foi renovado já que o mesmo havia esgotado o prazo máximo de renovações previsto na Lei 8.666, de 27 de junho de 1993;
- Importante ressaltar que, com a prevista finalização do contrato de prestação de serviços, servidores do IEC/SVS/MS (que já atuavam no setor) e outros que passaram a agregar a equipe assumiram os serviços da contratada, de forma planejada e sistêmica, não deixando nenhuma margem para um possível “apagão computacional”, com a saída da equipe terceirizada da MI Montreal;
- A capacidade de atendimento está reduzida de uma forma geral no Instituto Evandro Chagas desde o dia 23/03/2020, quando implantamos a primeira versão do Plano de Contingenciamento da Covid-19, e todas seções/setores/serviços/departamentos reduziram seu efetivo, levando-se em consideração os servidores considerados de risco, os que poderiam trabalhar home-office e os que poderiam trabalhar em escalas. Porém, os serviços essenciais estão sendo mantidos em sua totalidade;
- Um novo processo para a contração de empresa para prestação de serviços na manutenção preventiva e corretiva no departamento de TIC já se encontra em andamento e seu processo licitatório dentro do rito legal vigente irá ocorrer a qualquer momento;
- O equipamento Cluster, mencionado em matéria publicada em um blog na internet, foi adquirido no ano de 2012, e cabe esclarecer que o mesmo não corre nenhum risco, do ponto de vista tecnológico e de manutenção;
- Esclarecemos ainda que, serviços como o GAL (Gerenciamento de Ambiente Laboratorial), serviços de e-mail, SEI (Serviço Eletrônico de Informações) estão em pleno funcionamento, inclusive com atualizações recentes, realizadas pelas empresas responsáveis. Sendo assim, todos os serviços relacionados à COVID-19 continuam plenamente em ordem;
Por fim, o IEC/SVS/MS reafirma a importância da informação para toda a população, especialmente nesse momento de pandemia, porém, ressalta a necessidade da responsabilidade pela apuração e a busca da informação verdadeira para que não se gere notícias alarmistas e/ou fantasiosas que possam causar pânico desnecessário na sociedade.
Esperamos ter esclarecido o episódio, mais uma vez agradecendo a oportunidade, visto que este fato – totalmente ordinário, em se tratando de contratos internos finalizados de modo legal e planejado – não deveria gerar nenhum tipo de notícia extraordinária, em nosso entendimento, já que em resumo, como foi informado anteriormente ao jornalista Jeso Carneiro, não havia materialidade quanto ao assunto apresentado, posto que, o que houve, foi apenas uma transição de contrato de TI, devido à finalização do período de vigência contratual. Ou seja, um processo previsto, informado às partes devidas e programado, portanto sem gerar nenhum dano, tampouco colapso aos processos do IEC/SVS/MS.Ficamos à disposição para contatos futuros pelo canal oficial via [email protected] ou pelos fones: 91-3214-2249.
Atenciosamente,
Assessoria de Comunicação – ASCOM
Instituto Evandro Chagas”
Discussion about this post