Autores mostram que a imposição de ideias contamina desde os modelos educacionais arcaicos até às mais recentes estratégias digitais
Sandra Teschner *
Controlar a narrativa não transforma a verdade pessoal do narrador em fatos; trata-se meramente de uma percepção individual ou mesmo de um enredo construído intencionalmente para se tornar palatável a um grupo de pessoas. Este grupo, por sua vez, faz a mensagem ressoar, aceitando a narrativa de alguém como um conceito universal, não passível de discordância, pois carrega, supostamente, o peso da verdade absoluta.
A relação de ideias passa, então, a fazer às vezes de evidências científicas e o pensamento, subjugado à cartilha de seus autores, proporciona um grande estrago ao diálogo, além de gerar infelicidade. Nenhuma novidade que um mínimo de observação da comunicação contemporânea já não tenha comprovado.
Não é de hoje que filósofos tentam jogar luz nas trevas das diferenças. Segundo Immanuel Kant, pensar é uma atividade autônoma, e que requer coragem para exercê-la. Em sua “Crítica à faculdade de julgar”, Kant pontuou: “Queremos submeter o objeto aos nossos próprios olhos, como se nossa satisfação dependesse dessa sensação. E se chamarmos, então, o objeto de belo, acreditamos ter uma voz universal e reivindicamos a concordância de todos”.
O filósofo alemão Anders Indset introduz seu livro “O pensamento Infectado” (ainda sem tradução em português) com a seguinte máxima: “O absolutismo nos impede até mesmo de imaginar um mundo justo para nossos netos”.
Numa crítica que vai dos modelos educacionais arcaicos às redes sociais, Indset apela para que assumamos a responsabilidade pelas próximas gerações e possamos recuperar a empatia, a compreensão e a responsabilidade uns pelos outros. Defende uma nova forma de pensar que se distancia do óbvio, questiona nossas atitudes básicas que não apenas permitem mudanças, mas as acolhem: “Temos que nos abrir ao outro, aos paradoxos e simultaneidades – para reconhecer as forças efetivas em tempo hábil e agir em conformidade – antes que a sociedade seja abalada por novas catástrofes” (livre tradução do alemão).
Já o psicólogo organizacional e professor da renomada Wharton School, Adam Grant, traz a arte de repensar em seu livro “Pense de Novo”, recém-lançado no Brasil, um questionamento sobre nossas próprias opiniões. Grant afirma que a inteligência é geralmente vista como a capacidade de pensar e aprender, mas, em um mundo em rápida mutação, há outro conjunto de habilidades cognitivas que podem ser mais importantes: a capacidade de repensar e desaprender.
O autor explica ainda que a maior parte das pessoas prefere o conforto da convicção, ao desconforto da dúvida e veem o desacordo como uma ameaça.
“Em geral só damos ouvidos às opiniões que confirmam as nossas” e sugere como antígeno:
• abraçar a alegria de estar errado;
• trazer novas nuances para conversas difíceis;
• mostrar com clareza e bom humor que é possível manter a mente aberta, sem perder o poder de convencimento, nem a autoconfiança.
Comunicação empática como antídoto ao pensamento infectado
Comunicar assertivamente não é só sobre forma, técnica, mas aceitação de diferenças e requer conhecimento. A menos que possamos explicar o conteúdo a outros, nada “sabemos”, e, ao ensinarmos, chegamos ao ápice do nosso próprio aprendizado.
O psiquiatra americano William Glasser mostrou que 95% de efetividade do nosso aprendizado acontece quando explicamos, resumimos, estruturamos ou elaboramos o conceito para outras pessoas.
Segundo o escritor Shannon Terrell, quando nos sentimos compreendidos, sentimo-nos mais capacitados para falar. A comunicação reduz também os ruídos do chamado diálogo interno, aquela voz em nossa mente responsável por sabotar nosso bem-estar.
Muito difundida também é a técnica conhecida como comunicação não violenta, ou CNV, criada pelo psicólogo Marshall Rosenberg. A metodologia visa construir relacionamentos e resolver conflitos, através de um treinamento muito simples, porém contínuo:
• Esteja atento a seus julgamentos – Tente observar o que você está dizendo a si mesmo, sobre o porquê de alguém estar fazendo algo;
• Identifique os fatos – Desfaça quaisquer julgamentos. Tente descrever a situação do jeito que uma pessoa fora do contexto faria;
• Nomeie seus sentimentos – Descreva como você está se sentindo;
• Identifique e declare as necessidades básicas que levam a esses sentimentos;
• Faça seu pedido – O que a outra pessoa poderia claramente fazer para atender suas necessidades?
• E não esqueça: O outro pode não estar disposto a atender ao seu pedido, contudo comunicar ainda é um ponto de partida para iniciar a conversação.
A Felicidade tem raízes nas nossas necessidades e valores; somos responsáveis pelos nossos próprios sentimentos. Outras pessoas podem ter influência em nossas escolhas, mas a decisão de como reagiremos é nossa.
De acordo com Sandro Formica, Professor de Ciência da Felicidade, na Florida International University, nas organizações, por exemplo, constroem-se imagens inimigas de colegas que poderiam facilmente ser evitadas através da eliminação de filtros cerebrais negativos e criando mais conexões.
Formica sugere o uso de qualquer forma de comunicação empática, que envolva necessidades e valores de todos, de emissores a receptores. O resultado disso é a redução de conflitos, o aumento de comprometimento organizacional e a promoção de sentimento de pertencimento.
Narrativas não são fatos, assim como o pensamento não é só uma relação de ideias. Discordar agrega valor a todas as partes, mas há que se comunicar de forma empática, sabemos o que não sabemos. Repensar e Desaprender são habilidades cognitivas de ponta. É ensinando que aprendemos e só sabemos quando conseguimos explicar. Comunicação não violenta desarma.
* Sandra Teschner é chief happiness officer, certificada pela Florida International University e fundadora do Instituto Happiness do Brasil, centro de estudos e projetos de Felicidade Intencional. Também é escritora, palestrante e engajada social.