Como acontece nas guerras, a primeira vítima dos fatos é a verdade. O que ocorreu ontem à noite em Vila do Conde, no município de Barcarena está com a velha e surrada cara de mais uma tragédia socioambiental anunciada. Em vista disso, para os que preferem ficar ao lado do poder econômico, resta tentar esconder a verdade e manipular fatos.
Está muito difícil agir dessa forma, porque evidências e provas da gravidade do ocorrido começam a aparecer de várias fontes confiáveis e das próprias vítimas, estas com relatos pungentes sobre o que sofreram após inalarem gases perigosos liberados pelo hidrossulfito de sódio, substância extremamente perigosa e que era usada – não se sabe em que circunstâncias – pela Imerys Rio Capim em sua planta industrial.
O hidrossulfito de sódio, de acordo com advertência do fabricante, é uma “substância redutora que pode se auto inflamar e liberar gases tóxicos por exposição a umidade ou vapores ácidos”. Além disso, pode provocar incêndios e formar misturas explosivas com o ar, liberando gases muito tóxicos ao reagir com ácidos”.
Após a explosão e o incêndio, o céu da região foi coberto por uma coluna de fumaça tóxica, impactando diversas comunidades, tanto no Bairro Industrial, colado à fábrica da Imerys, como em outras localidades mais próximas. Imediatamente pessoas começaram a passar mal, além de queixas sobre coceira pelo corpo e dificuldades para respirar.
Cerca de 30 moradores foram levados para hospitais de Barcarena, mas os cálculos apontam que milhares de pessoas sofreram as consequências dessa grotesca poluição e envenenamento da atmosfera. Syanne Melo, 29 anos e grávida de dois meses, disse ao jornal O Liberal ter passado muito mal depois do incêndio e a madrugada toda.
“Me deu falta de ar, enjoo, por causa da fumaça. O fedor era horrível mesmo. Eu fui no médico era por volta de 22h, sai 4h. Fui pra UPA de Vila dos Cabanos. Tava tampando minha garganta, não conseguia beber água”, relatou Syanne. O pai dela, Adenilson Melo, contou que precisou ceder o remédio que toma para que a filha conseguisse voltar a respirar.
Pai e filha disseram ainda que tiveram que parar uma ambulância no meio da estrada para socorrer a gestante. Ela precisou de oxigenação artificial até chegar no hospital. Ao Ver-o-Fato, Carlos Alberto Santos disse que muitas pessoas sequer puderam chegar a um hospital ou UPA de Barcarena, porque moram em comunidades distantes e sem transporte. Foram socorridas por vizinhos.
Para ele, a Imerys foi omissa em socorrer quem passou mal. O mesmo entendimento teve Eisnner Furtado, sinaleiro de cargas. “Eu pedi uma explicação deles, fui na fábrica, Pedindo pra eles virem nas casas para avisar se era grave ou não, se precisar evacuar. Meus filhos e minha esposa não conseguindo respirar, estavam com ardência nos olhos, foi horrível”, denunciou.
Omissões do poder público
A revolta contra a falta de providências da Imerys é grande entre os impactados pela contaminação atmosférica. Eles decidiram convocar todos os moradores atingidos pelas consequências da explosão e incêndio para uma reunião às 17 horas desta terça-feira, 7,, no salão paroquial Cristo Rei, no bairro Industrial.
Será uma assembleia geral de todas as associações e entidades dos movimentos sociais de Barcarena e nela estará presente o advogado Ismael Moraes, que patrocina as ações coletivas contra a Hydro Alunorte e o Grupo Norsk Hydro. Moraes tem conhecimento das atividades e irregularidades da Imerys/RCC.
Durante essa assembleia serão avaliados os danos causados às comunidades e encaminhadas providências para organizar os documentos pessoais de cada morador para ajuizamento de ações individuais contra a empresa. Também será discutido que ações podem ser tomadas pelas omissões do Poder Público em deixar funcionar na região indústrias que colocam risco contínuo à vida e à saúde das famílias de Vila do Conde.
Vazou caulim no rio
Contaminação no ar e também nos rios e igarapés. Fotos enviadas ao Ver-o-Fato por moradores de Vila do Conde denunciam que logo depois da explosão e incêndio na empresa, ontem, houve um novo vazamento de caulim no rio Curuperé, já bastante castigado pela poluição a ponto de o peixe ter desaparecido do local.
Os crimes socioambientais da Imerys são recorrentes e ela já responde a processos na Justiça paraense. Em junho de 2007, houve um primeiro vazamento de mais de 200 mil metros cúbicos de caulim, que atingiu diretamente a bacia do rio das Cobras, praias e igarapés locais.
A água esbranquiçada alcançou extensão de 19 quilômetros, tornando-se, conforme resultados da perícia divulgados quatro meses após o acidente, imprópria “para o consumo humano e para o banho”. Poços artesianos de moradores locais foram comprometidos. Os riscos de rompimento da barragem de rejeitos obrigaram a retirada de 73 pessoas de suas casas. O abastecimento de água passou a ser feito por caminhões-pipa (2), devido à falta de sistema de saneamento básico no bairro.
Em março de 2008, novo vazamento da bacia de rejeitos agravou ainda mais a situação dos moradores da Vila do Conde, que mais uma vez se viram impedidos de usarem os recursos hídricos da região – foram atingidos os igarapés Curuperé, Dendê e São João, além da praia de Vila do Conde e o rio das Cobras.
Segundo laudo do Instituto de Criminalística, os rejeitos da mineração de caulim contêm “uma alta concentração de metais como ferro, alumínio, zinco e cádmio”, entre outros que se acumulam no organismo, podendo trazer diversos agravos à saúde, como doenças degenerativas, disfunções hepáticas, deficiências imunológicas e demência.
Como, na ocasião do acidente, o entorno de Barcarena já vinha sendo monitorado, havia mais de cinco anos, pelo Instituto Evandro Chagas, pôde-se constatar que após o acidente houve “alterações de ausência de vida animal e no PH do lençol freático nas comunidades da Vila Industrial e de São José (rio Dendê).
A história volta a se repetir. É mais poluição e sofrimento às comunidades.
Paralisar a Imerys
Em suas redes sociais, o governador Helder Barbalho, sem citar ou se solidarizar com as vítimas da contaminação pós-incêndio na Imerys, postou que já havia entrado em contato com o prefeito Renato Ogawa, de Barcarena, “oferecendo ajuda”. Disse ainda que os órgãos do estado já estavam em contato com a prefeitura para providências.
Sobre a postagem de Helder, o advogado Ismael Moraes, tratando diretamente sobre o incêndio na Imerys, afirmou: “governador, o Estado tem todas as justificativas para embargar e paralisar a Imerys. Ela constitui uma estrutura ilegal. Eu posso demonstrar perante todas as autoridades do Estado e os executivos dessa indústria todas as irregularidades que a impedem de existir. Interdição da Imerys já”.
Veja as duas postagens:

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