Relatório da Operação Sisamnes afirma que processos fraudulentos de falência e recuperações eram exitosos por meio da corrupção de autoridades do Judiciário; empresa envolvida não se manifestou sobre conclusões da PF
O relatório parcial da Polícia Federal na investigação sobre venda de decisões judiciais, segundo reportagem deste sábado, 11, do jornal O Estado de São Paulo, aponta a existência de um esquema de fraudes em recuperações judiciais milionárias ligadas ao agronegócio, capitaneado pelo grupo empresarial Fource.
O inquérito detectou que os principais processos suspeitos de irregularidades no Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvem falências ou recuperações judiciais do agro. Um dos casos desse tipo, por exemplo, foi denunciado pelo próprio empresário envolvido na recuperação judicial, o produtor de algodão José Pupin, que admitiu à Justiça operações fraudulentas do seu processo. A denúncia foi revelada pelo Estadão.
Procurada, a Fource não se manifestou sobre o relatório da PF. No caso envolvendo o empresário José Pupin, a empresa negou ter realizado irregularidades na recuperação judicial e disse que todos seus atos foram comunicados formalmente à Justiça e autorizados pelo empresário.
Como agiam os criminosos
Segundo o Estadão, o esquema funcionaria em várias etapas. Primeiro, a criação de uma justificativa artificial para que o processo tramite em um juízo cooptado pelo grupo.
“Esse arranjo costuma iniciar-se ainda na fase pré-falimentar, com a manipulação da competência territorial por meio de redomiciliações fictícias, criação de filiais artificiais e conexões jurídicas simuladas. O objetivo é garantir a distribuição do feito ao chamado ‘Juízo ótimo’, caracterizado pela previsibilidade e complacência decisória, permitindo maior controle sobre o andamento processual”, diz o relatório.
Após obter decisão judicial favorável, o grupo busca cooptar o administrador judicial, figura essencial para o andamento do processo. A etapa seguinte envolve o estabelecimento dos créditos da recuperação judicial. Segundo a PF, são inseridos créditos falsificados envolvendo empresas do mesmo grupo, com o objetivo de ter credores aliados para atuar nas votações do processo de recuperação judicial e manipular a compra dos demais créditos por valores subdimensionados.
Ao final das fraudes, o grupo empresarial responsável pela recuperação judicial se beneficiou do processo porque não precisou pagar dívidas e aumentou seu próprio patrimônio comprando ativos de forma fraudulenta, em valores abaixo do mercado.
A última etapa do processo, porém, envolve o objeto de investigação da Polícia Federal: a compra de decisões judiciais. De acordo com a investigação, essas fraudes nas recuperações judiciais só são possíveis por meio da cooptação de autoridades do Judiciário, que dão a chancela nos processos.
Corrupção judicial
“O funcionamento desse arranjo sustenta-se na produção de documentos formalmente regulares, mas materialmente inidôneos, cuja eficácia depende da corrupção judicial. Por meio da influência exercida em gabinetes, da manipulação de minutas, da antecipação de despachos e da negociação extraprocessual de decisões, os atos e documentos fraudulentos adquirem aparência de legitimidade. Sem a corrupção judicial, permaneceriam ineficazes; com ela, convertem-se em atos processuais formalmente válidos”, diz a PF.
No mesmo relatório parcial, como revelou o Estadão, a PF pediu ao ministro Cristiano Zanin autorização para aprofundar a investigação sobre o envolvimento de novos personagens no esquema de venda de sentenças e também a atuação da filha de um ministro da Corte. Zanin é relator do caso no inquérito que trata do assunto e tramita no Supremo.
A investigação da PF identificou também que o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, suspeito de operar um esquema de venda de decisões, criou falsos contatos em seu telefone celular com nomes atribuídos a servidores do STJ, mas que na verdade eram de advogados.
O Estadão mostrou ainda que o delegado encarregado do caso, Marco Bontempo, pediu para sair do comando da investigação. Ele alegou questões de saúde para pedir o desligamento da função.
PF diz que vai investigar relação do grupo J&F, dono da JBS, com lobista que vendeu decisões do STJ
Ainda de acordo com o Estadão, a Polícia Federal afirmou, no relatório parcial sobre venda de sentenças do Superior Tribunal de Justiça (STJ)apresentado nesta semana, que vai abrir uma nova frente de investigação para apurar a relação do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves com o grupo empresarial J&F, dono da JBS.
Diálogos, transações financeiras e processos no STJ indicam que o lobista foi contratado para atuar para a J&F. Sua esposa, a advogada Mirian Ribeiro Gonçalves, também investigada no esquema de venda de decisões, foi constituída como advogada em diversos processos do grupo empresarial.
Procurada, a JBS informou que os pagamentos são referentes a honorários e que o escritório não presta mais serviços à empresa. “Qualquer pagamento feito ao escritório da advogada se refere a honorários – êxito ou pró-labore – em processos da empresa. Todos os serviços possuem efetiva comprovação nos autos desses procedimentos. O escritório não presta mais serviços para a JBS”, disse a maior produtora de proteína do mundo. A defesa do lobista também foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou.
Diálogos e cifras milionárias
A PF cita um dos diálogos mantidos por Andreson a respeito dos serviços à JBS para reforçar a necessidade de investigar o caso. “No diálogo, além de mencionar cifras expressivas, denota-se que Andreson destacou que o processo estava ligado ao ‘pessoal do Sr. Zé Mineiro’, em referência a José Batista Sobrinho, fundador da JBS, maior empresa do setor de carnes do mundo e pai de Joesley e Wesley Batista, empresários amplamente conhecidos por episódios de repercussão nacional”, diz a PF.
Em outra conversa, Andreson afirmou ter recebido R$ 19 milhões do grupo por causa da atuação em um processo no STJ. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ainda detectou transferências de R$ 15 milhões da empresa JBS para o escritório de Mirian.
“Diante da quantidade de informações que apontam para a relação de Andreson e Mirian Ribeiro com o Grupo JBS e a complexidade desses elementos probatórios, consigna-se que essa vertente será mais bem aprofundada em procedimento investigativo autônomo”, escreveu a PF.
Irmãos Batista
As informações foram remetidas ao relator do caso, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, que deve ainda deliberar sobre as novas frentes de apuração.
Os irmãos Joesley e Wesley Batista já foram alvo de investigações dentro da Operação Lava Jato e fizeram até um acordo de delação premiada. O então diretor jurídico Francisco de Assis também aderiu ao acordo na época e disse ter feito pagamentos a um advogado com o objetivo de cooptar um procurador da investigação. Essas acusações posteriormente foram arquivadas na Justiça.















