Na sessão foi aprovado plano de trabalho ambicioso para combater facções
Brasília – O governo comemorou com aliados da base de apoio político no Senado a vitória por comandar os trabalhos na comissão parlamentar de inquérito (CPI) que vai investigar o crime organizado em eleição nesta terça-feira (4). O senador Fabiano Contarato (PT-SE) assume a Presidência e designou Alessandro Vieira (MDB-SE) como Relator; Hamilton Mourão (PL-RS) foi eleito Vice-Presidente.
O plano de trabalho e os primeiros requerimentos de convocação e informação foram aprovados, visando investigar a atuação, expansão e funcionamento das organizações criminosas no Brasil.
A sessão teve início às 11h24, sob a presidência do senador Otto Alencar (PSD-BA), que declarou instalada a CPI, criada pelo Requerimento do Senado Federal nº 470, de 2025. O objetivo definido é apurar, em 120 dias e com limite de despesa de R$ 30 mil, o modus operandi, condições de instalação e desenvolvimento de facções e milícias em território nacional, buscando soluções e aperfeiçoamento da legislação vigente.
Ainda no início dos trabalhos, o Senador Eduardo Girão (NOVO-CE) manifestou “indignação” e “repúdio” à gestão do Governo Lula, argumentando que o governo, que “não queria que esta CPMI existisse”, estaria “tomando de assalto esta Comissão” e manobrando para que a Presidência fosse ocupada por um membro do Partido dos Trabalhadores.
Girão citou a “blindagem” em outras CPIs, como a do INSS, e criticou o veto presidencial ao fim da “saidinha temporária”, além de associar o governo a “terroristas como os do Hamas” e “ditadores, narcoterroristas como Nicolás Maduro, como Daniel Ortega”. Ele defendeu que a Presidência fosse da oposição para garantir independência e autonomia, ressaltando que “CPI é um instrumento da minoria”.
Em resposta, o senador Otto Alencar defendeu sua imparcialidade e integridade, lembrando que: “Fui oposição responsável ao Governo que V. Exa. defendeu, o Governo de Jair Bolsonaro, e, na CPI da Covid, o Presidente interferiu várias vezes para que não se montasse a CPI da Covid”. Alencar assegurou que, em sua condução de instalação, não haveria “palanque” e que a investigação ocorreria plenamente, independentemente de quem cometeu “equívocos e erros”.
O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, defendeu a indicação do senador Fabiano Contarato para a Presidência, citando sua “legitimidade”, “integridade intelectual” e 27 anos como Delegado de polícia e Professor de Direito Constitucional. Wagner também propôs o senador Alessandro Vieira como Relator, por ser o proponente da CPI e reconhecido por sua “legitimidade”. Ele enfatizou que a CPI buscaria “ofertar um caminho” e sugestões para enfrentar o crime organizado.
A oposição, por sua vez, continuou a manifestar ressalvas. O senador Flávio Bolsonaro (P -RJ) contestou a comparação com a CPI da Covid e criticou a ideia de um presidente do PT, dado que o governo não havia assinado o requerimento da CPI. Ele declarou que “nós da oposição não temos nenhum conforto em votar em alguém do PT para presidir esta Comissão”, sugerindo o General Mourão como alternativa de consenso.
O senador Marcio Bittar (PL-AC) reconheceu que é “do jogo” que governos não queiram investigações contra si, mas ressaltou a importância da CPI, destacando que “50 milhões de brasileiros, quase um quarto da população nacional deste país, estão submetidos ao mando de facções criminosas”. Bittar, embora inicialmente propenso a apoiar Mourão, indicou que daria um “voto de confiança” em Contarato e Alessandro Vieira pela autonomia demonstrada em outras ocasiões, como na CPMI do INSS.
Após as intervenções, incluindo o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que trocou as palavras “manobra” e “blindagem” por “inteligência” e “escolha correta”, e o senador Angelo Coronel (PSD-BA), que questionou o uso do termo “assalto” pelo senador Girão, o ambiente permaneceu tenso.
O senador Alessandro Vieira apelou por um foco técnico, argumentando que o combate ao crime organizado “não é um problema de governo ou oposição”. Ele mencionou assassinatos recentes de autoridades, planos de atentados e operações policiais bem-sucedidas em diversos estados, enfatizando a força do crime organizado e a necessidade de “definir prioridades e criar consensos técnicos acima da discussão política”.
“Mexicanização” versus “política de Estado que una firmeza com humanidade”
Confrontando duas visões do problema completamente distintas e sem qualquer conexão, Direita e Esquerda apresentaram seus argumentos antes da votação que definiu a presidência do Colegiado.
O senador Hamilton Mourão e o senador Fabiano Contarato, os candidatos à Presidência, fizeram suas exposições. Mourão alertou para a “mexicanização” do crime organizado no Brasil, que estaria evoluindo para um “narcoestado”, e apresentou propostas focadas na atuação das Forças Armadas nas fronteiras, lavagem de dinheiro e reconhecimento das facções como organizações terroristas.
Contarato, por sua vez, reafirmou seu compromisso com a seriedade e ética, baseando-se em sua experiência de 27 anos como Delegado. Ele defendeu uma “política de Estado que una firmeza com humanidade“, posicionando-se contra a “saidinha temporária” e a favor do aumento do período de internação para adolescentes infratores (PL 1.473/2025).
Contarato enfatizou que a segurança pública “não deve ser uma pauta apenas da direita nem uma bandeira exclusiva de conservadores; é uma obrigação de todos”. Ele lamentou as mortes em operações policiais, citando o caso de quatro policiais tombados no Rio de Janeiro (Marcus Vinícius Cardoso, Rodrigo Veloso, Cleiton Serafim e Heber Carvalho).
A votação para a Presidência foi secreta, e o resultado apontou a vitória apertada do senador Fabiano Contarato. Em seguida, acatando a sugestão da senadora Damares Alves (REPUBLICANOS-DF), o senador Hamilton Mourão foi aclamado Vice-Presidente, configurando uma mesa com perfis técnicos e de diferentes espectros políticos.
Relatoria e Plano de Trabalho
Assumindo a Presidência, o senador Contarato designou o senador Alessandro Vieira como Relator. Vieira apresentou o plano de trabalho, que inclui nove tópicos temáticos para investigação:
☞ ocupação territorial por tráfico, milícias e crimes ambientais;
☞ lavagem de dinheiro (com foco em fintechs, criptomoedas, escritórios de advocacia e setores econômicos lícitos);
☞ sistema prisional; corrupção; rotas de mercadorias ilícitas;
☞ crimes praticados por facções (incluindo digitais);
☞ integração entre segurança pública e Forças Armadas;
☞ experiências bem-sucedidas; e orçamento para segurança pública.
O plano prevê oitivas, audiências e requerimentos de informações, com o objetivo de formular propostas de alteração legislativa, incremento orçamentário e responsabilização de autoridades.
Requerimentos
Foram aprovados os primeiros requerimentos, que incluem convites para autoridades federais como o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e o Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, além de diretores da Polícia Federal e da Abin.
Também foram convidados governadores e secretários de segurança pública de estados considerados os “mais seguros” e “menos seguros” pelo Ministério da Justiça e Fórum Nacional de Segurança Pública, bem como dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, base de importantes facções.
Especialistas como o Promotor Lincoln Gakiya, o pesquisador Renato Sérgio de Lima, Joana da Costa Martins Monteiro e Leandro Piquet Carneiro, além de jornalistas investigativos e consultores em segurança pública, também foram chamados a contribuir.
Entre os requerimentos de informação aprovados, destacam-se solicitações ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e ao Ministério da Defesa sobre controle de armas, relatórios de inteligência, dados estatísticos de apreensões e operações policiais, informações sobre o sistema prisional e cooperação internacional.
Por fim, a CPI sugerirá ao Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta REPUBLICANOS-PB), a urgência na tramitação de projetos legislativos já aprovados pelo Senado, como o PL 1.473/2025, que endurece sanções a adolescentes infratores, e o PL 4.809/2024, um pacote anticrimes violentos. A sessão foi encerrada com a aprovação unânime do plano de trabalho e dos requerimentos iniciais, marcando o início formal das investigações da CPI.
Lula chama operação no Rio de “matança”
A jornalistas estrangeiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), concedeu uma coletiva de imprensa em um iate de luxo onde está hospedado há quatro dias, em Belém, onde aguarda o início da COP 30.
Uma semana após a operação contra o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão, áreas conflagradas no Estado do Rio de Janeiro, o presidente da República foi enfático: “A decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança, e houve matança. Até agora nós temos uma versão contada pela policia, contada pelo governo do estado e tem gente que quer saber se tudo aquilo aconteceu do jeito que eles falam ou se teve alguma coisa mais delicada na operação”.
“Nós estamos tentando entender essa investigação. Nós, inclusive, estamos tentando ver se é possível os legistas da Polícia Federal participarem do processo de investigação da morte, como é que foi feito, porque tem muito discurso, tem muita coisa. As pessoas foram enterradas sem que houvesse a perícia de outro órgão. Então, nós estamos trabalhando nisso”, declarou Lula.
* Reportagem: Val-André Mutran (Brasília-DF), especial para o Portal Ver-o-Fato.















