País precisa acelerar a reforma que se encontra parada no Congresso, defendem o economista Luiz Carlos Hauly e o empresário Miguel Abuhab
Com o anúncio do encerramento de suas três fábricas no Brasil, a Ford escancarou a gravidade de um quadro econômico que se mantém preocupantemente inalterado nos últimos anos: estamos mergulhados em um acelerado processo de estagnação econômica, com fuga de investimentos e queda acentuada no nível de emprego qualificado.
Relatórios da Ford indicaram, inclusive, o complicadíssimo sistema tributário brasileiro – e o contencioso que o governo afirma que a empresa possui com o Fisco – como uma das causas de sua decisão de deixar de produzir automóveis no país, após mais de 100 anos.
Analistas lembraram os incentivos fiscais que a empresa recebeu há 20 anos para abrir sua fábrica em Camaçari, até então a maior da marca na América Latina, em uma verdadeira guerra fiscal entre o Rio Grande do Sul e a Bahia.
“A guerra fiscal é apenas um dos reflexos nocivos do atual sistema tributário em nossa economia. Mas o peso e a complexidade desse sistema têm consequências muito mais profundas no crescimento do país. Há pelo menos 10 anos vivemos um voo de galinha na economia, enquanto países emergentes tiveram médias de dois dígitos de crescimento. E continuaremos em queda, com desaceleração da atividade produtiva, enquanto uma reforma tributária ampla não for aprovada no Congresso”, avalia o economista e ex-deputado Luiz Carlos Hauly.
Hauly lembra que o incentivo e a renúncia fiscal custam quase R$ 500 bilhões por ano aos cofres públicos. “A reforma tributária deveria ser a prioridade número um neste momento em Brasília, completa.
Para o empresário Miguel Abuhab, autor de modelos eletrônicos que simplificam e harmonizam a cobrança de tributos, o Brasil não é competitivo devido aos impostos cumulativos. “A solução, do ponto de vista tecnológico, já existe, e deveria ser examinada com urgência pelo governo”, afirma.
O que diz a Fenafisco
“A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) entende que o fechamento das fábricas da Ford no Brasil resulta da sequência de péssimas decisões tomadas nos últimos anos, entre elas o descaso com mudanças significativas no sistema tributário. Com graves problemas de natureza fiscal no país, o sistema tributário diminui a aptidão de investidores estrangeiros. A agenda de medidas adotada neste governo para a retoma do crescimento se mostra ineficaz.
Com o fechamento das fábricas no Brasil, a Ford vai concentrar seus investimentos no México e na Argentina. Recentemente, acompanhamos a aprovação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) na Argentina, que além de tributar os super-ricos, receberá investimentos de US$ 580 milhões da montadora estadunidense. A opção da Ford pelo vizinho sul-americano demonstra que o IGF não afasta investidores, mas sim a inoperância e a falta de políticas efetivas para fomento do ambiente de negócios no país.
Outras companhias podem seguir o mesmo caminho e abandonar o país caso não haja uma reforma tributária efetiva, indo além da simples unificação de tributos e focando na redução de desigualdades e na implementação da capacidade contributiva no recolhimento de impostos. Em breve, diversos estados podem ter que arcar com quedas na arrecadação de impostos causados pelo desinvestimento de indústrias e empresas.
As atuais políticas em nada adiantaram e afetam a credibilidade do Brasil a cada dia. Afora a questão crítica da falta na agilidade na vacinação da população contra a pandemia da Covid-19, que ajuda a causar ainda mais instabilidade no cenário econômico e social no Brasil.
O estudo ‘Tributar os Super-ricos para Reconstruir o País’, apresentado por um conjunto de entidades, entre as quais a Fenafisco, sob a coordenação do professor Eduardo Fagnani (Unicamp), traz medidas efetivas para melhoria da situação fiscal brasileira e mitigação dos efeitos da pandemia do coronavírus. Uma das medidas contidas no documento é a implementação do IGF para quem possui patrimônio acima de R$ 10 milhões, com potencial arrecadatório anual de R$ 40 bilhões. Tal montante não pode ser ignorado na discussão da reforma tributária e se faz urgente.
Além do IGF, o estudo traz outras seis medidas e possui potencial arrecadatório superior a R$ 290 bilhões ao ano, acréscimo de R$ 2,9 trilhões de arrecadação em dez anos. Esperamos que os parlamentares votem o quanto antes a reforma tributária, com a adição das medidas sugeridas pelo estudo ‘Tributar os Super-ricos para Reconstruir o País’ e que está no Congresso Nacional por meio de emendas.
A restruturação do sistema tributário, com foco social e de redução de desigualdades, vai possibilitar o Brasil a saída da crise fiscal, acolhimento das famílias que se encontram na pobreza e abaixo da linha da pobreza, além da melhora no ambiente de investimentos. Com o exemplo concreto da vizinha Argentina, é possível deixar claro que medidas de progressividade tributária não afugentam investidores estrangeiros, e sim a falta de uma agenda que de fato contribua para a retomada do crescimento. (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).”
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