Documentos públicos falsos, grilagem de terras, posse injusta e de má fé, expedição de certidões de registro imobiliário por cartório “fantasma”. Esse cardápio indigesto de ilegalidades citadas no processo, que sustenta um pedido de nulidade de sentença e deslocamento de ação reivindicatória de posse do Acará para a Vara Agrária de Castanhal, será julgado nesta segunda-feira, 9, pelos desembargadores da 1ª Turma de Direito Público e Privado, do Tribunal de Justiça do Pará.
Os personagens do processo são a família Tabaranã e a empresa Agropalma, que vem acumulando sucessivas derrotas judiciais na tentativa de provar ser legítima proprietária de 106 mil hectares de terras entre os municípios do Acará, Moju e Tailândia, onde ela planta, industrializa e exporta óleo de dendê extraído da palma para diversos países do mundo.
A Agropalma já tem mais de 50 mil hectares das áreas com decisão judicial de cancelamento e bloqueio das matrículas em cartórios. Nesse e em outros casos, a Justiça do Pará tem dado hoje provas de seriedade e firmeza em suas decisões, não compactuando – como ocorreu em vários casos no passado – com decisões de seus próprios pares que redundaram em imensos prejuízos ao patrimônio fundiário de particulares e do Estado do Pará.
O foco dos desembargadores da 1ª Turma é uma polêmica sentença lavrada em maio de 2015 pelo juiz do Acará, Wilson de Souza Corrêa, que deu razão à Agropalma na ação de José Maria Tabarana da Costa e Aida Raimunda Maia da Costa. O que será julgado é a apelação cível dos Tabaranã contra a decisão do juiz na ação reivindicatória de posse com pedido de tutela antecipada, cumulada com pedido de indenização por perdas e danos decorrente de posse injusta e de má fé contra a Agropalma,
Essa 1ª Turma é integrada pelos desembargadores Célia Regina Pinheiro, relatora e presidente do TJ já eleita, mas ainda não empossada,, Ezilda Pastana Mutran, Roberto Moura, Maria Elvina Gemaque Taveira e Rosileide Maria da Costa Cunha.
“Julgo improcedente o pedido formulado na inicial por José Maria Tabarana da Costa e Aida Raimunda Maia da Costa, devidamente qualificados nos autos, contra Agropalma S.A, Craia-Agroindustrial S.A e Companhia Agroindustrial do Pará, e extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo. 269, I, do CPC. Condeno os autores ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como fixo os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa”, sentenciou o juiz Wilson Corrêa, acolhendo integralmente os argumentos da empresa.
Sentença com falhas
Alegam os Tabaranã, por meio de seus advogados, que a sentença de Wilson Corrêa “não está fundamentada corretamente, porque desprezou o contraditório e a ampla defesa, sendo, portanto, ato nulo de pleno direito nos termos do art. 93, IX, da CF/88”. Sustentam eles que o juiz sequer analisou devidamente a documentação apresentada pela família, “em razão do julgamento açodado e antecipado da lide pelo magistrado”.
Dizem ainda que o juiz “julgou o processo antes mesmo de saneá-lo, não dando sequer a oportunidade da instrução processual, entendendo que um caso de tal complexidade fundiária pudesse ser julgado antecipadamente, sem o devido contraditório”. E chamam a atenção para o fato de que o próprio magistrado determinou a “intimação do Iterpa e do Incra para se manifestarem sobre o possível interesse na lide”.
Todavia, apenas o Iterpa foi intimado e apresentou manifestação na qual afirma dizer que “não é capaz de se manifestar de forma inequívoca no prazo estipulado, solicitando, expressamente, mais 90 dias para apresentação de um estudo, com o caráter de auxiliar o juízo para o deslinde da questão, e até mesmo, para manifestar se haveria interesse no feito, conforme às fls. 803/804, dos autos”. O pedido do Iterpa foi ignorado pelo juiz.
Mas, após a sentença, veio a manifestação do Iterpa, inclusive, juntando mapas que comprovam o deslocamento de títulos pela Agropalma e certidão de registro de imóveis comprovando que a área ocupada pela ré, encontra-se arrecadada em nome do Estado do Pará”. Como se isso não bastasse , o Iterpa manifestou o interesse público na demanda, requerendo o declínio da competência da vara do Juízo da Comarca do Acará para a Vara Agrária de Castanhal, posto que parte das áreas rurais que a empresa Agropalma alega serem de sua propriedade foram arrecadadas pelo Estado do Pará”.
Detalhe mais recente: o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Leonardo Tavares, já reconheceu o interesse público no caso e isso foi mantido pelos desembargadores do Tribunal Pleno, em julgamento posteriormente agravado pela Agropalma, que novamente perdeu, desta vez por duas vezes, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) .
“O juiz de Primeira Instância, de forma abrupta e sem apreciar a petição do Iterpa, julgou o processo antecipadamente às folhas 904/919, no estado em que se encontrava, contendo a sentença 16 páginas, sendo 6 delas somente do relatório e as outras 10 de fundamentação e dispositivo, contendo citações doutrinárias esparsas sobre o instituto da posse e propriedade e silenciando por completo de enfrentar o mérito sobre os documentos acostados, com rasa alusão a parecer elaborado por técnico contratado e pago pela Agropalma, em flagrante testilha com que emana do artigo. 489, §1º, incisos I, II e IV do CPC”, argumentam os advogados da família Tabaranã.
Esse artigo 489, em seu parágrafo e incisos, afirmam que são elementos essenciais da sentença: “§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (…) IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.
O parecer do perito contratado pela Agropalma sobre uma das áreas e acolhido pelo juiz, também é contestado. Os advogados afirmam que esse parecer “foi desqualificado pela perícia realizada por meio do Instituto Renato Chaves, em inquérito policial, que detectou a falsidade das conclusões a que chegou o parecerista, inclusive, porque, confirma os erros do laudo apresentado em juízo em razão do injustificado deslocamento de área rurais para dar uma aparente legalidade aos títulos inidôneos apresentados nos autos”.
A decretação da nulidade da sentença do juiz do Acará, dizem por fim os advogados dos Tabaranã, visa “o retorno do processo à primeira instância, permitindo a devida produção de provas com o respeito ao contraditório, princípio processual corolário do devido processo legal, devendo, no caso, ser reconhecido como competente o Juízo Agrário da Vara de Castanhal para os processos dessa natureza fundiária”.
Quem vai atuar no julgamento, pelo Ministério Público, é a procuradora de Justiça, Rosa Carvalho. Na defesa da Agropalma estarão os advogados do escritório Silveira & Athias.
O que diz a Agropalma
Como em todas as manifestações já feitas em outros processos sobre este rumoroso caso, a Agropalma diz que é a dona das terras, que agiu de boa fé e que se houve ilegalidades ela não concorreu para isso. Diz também que paga seus impostos ao Estado e que gera empregos. Também refuta a acusação do Ministério Público de que estaria envolvida com a grilagem das áreas.
No processo do Acará, a empresa alega, entre outras coisas, que “a posse da ré decorre sobre todas as áreas de seu projeto agroindustrial, inclusive as reservas legais,decorre de seu direito de propriedade sobre as mesmas”. Enfatiza que a titulação dominial de suas terras encontram-se onde deveriam estar: matriculadas nos ofícios de registro de imóveis das comarcas em que estão situadas” e que as aquisições “não se deram ilicitamente,mas sim, por meio e forma legais”.
O Ver-o-Fato está de olho e vai acompanhar o julgamento, trazendo detalhes para seus leitores. A sessão da 1ª Turma de Direito Público e Privado começa às 9 da manhã desta segunda-feira e a transmissão será por meio virtual em razão das precauções contra a pandemia da Covid-19.
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