Por unanimidade, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, derrubou decisão do juiz da 4ª Vara Federal de Belém, Antônio Carlos Campelo, que em setembro de 2018, numa ordem judicial que caiu como verdadeira bomba dentro da Polícia Federal no Pará, havia determinado o trancamento definitivo do inquérito policial que investiga a participação, em fraudes e grilagem de terras privadas e públicas, do ex-gerente e ex-presidente da empresa Agropalma, respectivamente Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas.
Agentes públicos também são investigados. O inquérito na PF já foi concluído e enviado ao Ministério Público Federal (MPF).
Na decisão, Antônio Carlos Campelo, também havia ameaçado com multa diária de R$ 100 mil o delegado da PF em Belém, Diego Campos, caso o policial descumprisse a ordem de excluir do inquérito os ex-dirigentes da Agropalma.Campelo mandou também a PF devolver celulares e computadores dos ex-diretores, além de documentos da Agropalma.
A tese de defesa da empresa para obter o habeas-corpus e trancamento do inquérito era de prescrição do prazo para investigar por falsidade ideológica a dupla de ex-diretores, que além disso teriam mais de 70 anos de idade. Nesse caso, em razão da idade, o tempo de prescrição para quem usa documentos falsos, cairia de 12 para 6 anos.
Ainda em outubro de 2018, a procuradora da República no Pará, Meliza Alves Pessoa, pediu que o juiz federal reconsiderasse a decisão, mas ele não a atendeu. Diante disso e sem perda de tempo, a procuradora do Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao TRF-1, para que as investigações contra os ex-diretores da empresa continuassem, inclusive as perícias em documentos supostamente falsos.
Para Meliza, os fatos investigados contra os ex-diretores vão além da apresentação de documentos falsos para legalizar supostas terras da empresa e alcançam outras ilegalidades praticadas pela dupla nos anos de 2016 e 2017. Portanto, a alegada prescrição, argumentada pelo juiz Antonio Carlos Campelo para abortar o inquérito, ainda estaria longe de acontecer.

Crimes prolongados, diz o TRF-1
Segundo o relator no TRF-1 do recurso em sentido estrito impetrado pelo MPF, o juiz federal Marllon Sousa, “se a autoridade policial e o MPF relatam que os fatos investigados se prolongaram no tempo – bem além do ano de 2006 – e, também, que a linha investigativa revelou a prática de outros crimes, afigura-se precoce o trancamento do inquérito, como feito na sentença. Sim, porque se há nos autos dados informativos no sentido de que os crimes não se encerraram no ano de 2006, mas se prolongaram até meados de 2016 e 2017, não há reconhecer o transcurso do lapso prescricional”.
“Nessas condições, está evidente” – afirma ainda o relator do recurso – “que o magistrado sentenciante (Antônio Carlos Campelo) partiu de uma premissa equivocada, qual seja, a de que os fatos delitivos se resumem ao ano de 2006, para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal e determinar o trancamento das investigações”.
Enfatiza também o relator que, como se sabe, o trancamento do inquérito policial, por falta de justa causa, situa-se no campo da excepcionalidade, “apenas sendo cabível, na estreita via do habeas corpus, quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade”.
Mais adiante e na parte final de seu voto, seguido à unanimidade pelos desembargadores federais da Terceira Turma, o juiz federal convocado Marllon Souza é taxativo: ” cumpre ressaltar que a própria existência desses processos administrativos suspeitos, cuja relação completa encontra-se nos ID’s 4896626 e 14620987, evidencia que os fatos apurados no IPL 119/2016 se protraem no tempo, bastando para tanto atentar às datas de instauração desses procedimentos, entre os anos de 2010 e 2016, dada a possibilidade de terem sido instruídos com documentos contrafeitos, que atribuem à empresa AGROPALMA a propriedade sobre áreas que não a pertencem “.
“É preciso considerar ainda que os fatos originários imputados aos pacientes podem tanto caracterizar o delito de uso de documento falso (art. 304 do CP), como também o crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP). Nesse último caso, o marco inicial da prescrição é o do conhecimento do falso, na forma do art. 111, IV, do Código Penal. No caso ora examinado, o falso só veio a lume em 2016, quando da instauração do Inquérito Policial 119/2016, não havendo, portanto, que se falar em decurso de prazo prescricional”, diz Sousa
“O fato é que sob qualquer ângulo que se examine a questão posta neste feito, a conclusão é inarredavelmente no sentido de que o magistrado a quo foi precipitado ao conceder a ordem para trancar investigação que seguia regularmente seu curso e que estava amparada em elementos probatórios consistentes que implicavam os pacientes, o que foi por ele mesmo chancelado ao deferir buscas e apreensões e prisões temporárias. Ante do exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito para afastar a prescrição e determinar que as investigações empreendidas nos autos do Inquérito Policial n.
119/2016 retomem o curso normal. É o voto”, resume.
Veja, abaixo, o acórdão do TRF-1 e a íntegra do voto do relator:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398) 1000884-54.2018.4.01.3900
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA)
RECORRIDO: ANTONIO PEREIRA DA SILVA, JOSE HILARIO RODRIGUES DE FREITAS
Advogados do(a) RECORRIDO: ANETE DENISE PEREIRA MARTINS – PA10691-A, RAFAEL
OLIVEIRA ARAUJO – PA19573-A, ROBERTO LAURIA – PA7388-A
EMENTA
PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO CONTRA SENTENÇA
QUE TRANCOU INQUÉRITO POLICIAL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. CRIMES DE FALSO
PRATICADOS PERANTE O INCRA COM VISTAS À REGULARIZAÇÃO DE TERRAS.
TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL COM BASE NA PRESCRIÇÃO PELA PENA EM
ABSTRATO. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES
AUTORIZADORAS DA CONCESSÃO. INDÍCIOS DA PRÁTICA DE OUTROS CRIMES.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO PARA DETERMINAR A RETOMADA DO
CURSO DO INQUÉRITO POLICIAL.
O trancamento ou a suspensão de inquérito policial é medida excepcional que só se justifica quando há manifesta atipicidade da conduta, presença de causa de extinção da punibilidade do acusado ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, evidenciando constrangimento ilegal.
O pretendido trancamento das investigações só pode ocorrer à evidência da constatação de ser o fato atípico ou com a demonstração de que, sendo típico, não tenha o indiciado relação com ele, circunstâncias que configurariam a falta de justa causa, sempre à consideração de ser a ordem de trancamento medida excepcional. In casu, não se verifica dita situação de excepcionalidade.
Se há nos autos dados informativos no sentido de que os crimes não se encerraram no ano de 2006, mas se prolongaram até meados de 2016 e 2017, resta evidente que o magistrado sentenciante partiu de uma premissa equivocada, qual seja, a de que os fatos delitivos se resumem ao ano de 2006, para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal e determinar o trancamento das investigações.
Tratando-se de inquérito policial, o enquadramento que há nos autos é aquele sugerido pela autoridade policial ao instaurar a investigação, fato que não impede uma avaliação diversa pelo Ministério Público Federal quando da formação da opinio delicti e, também, não obsta que, no curso das investigações, outros delitos sejam apurados.
As investigações devem prosseguir, pois outras infrações penais são possíveis de visualização no presente caso e, também, porque os delitos de falso não se resumem ao ano de 2006, termo a quo considerado pelo sentenciante para reconhecer o transcurso do prazo prescricional.
Recurso do Ministério Público Federal provido, para afastar prescrição e determinar que as investigações empreendidas nos autos do Inquérito Policial n. 119/2016 retomem o curso normal.
ACÓRDÃO
Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento ao recurso.
Terceira Turma do TRF da 1ª. Região – Brasília, 09 de fevereiro de 2021.
Juiz Federal MARLLON SOUSA
Relator Convocado
JUSTIÇA FEDERAL
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
PROCESSO Nº 1000884-54.2018.4.01.3900
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398)
RECORRENTE: Ministério Público Federal (Procuradoria)
RECORRIDO: ANTONIO PEREIRA DA SILVA e outros
RELATOR(A):NEY DE BARROS BELLO FILHO
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 1ª Região
Gab. 09 – DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO
Processo Judicial
Eletrônico
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO/RECURSO EX OFFICIO (11398) 1000884-54.2018.4.01.3900
RELATÓRIO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (Relator Convocado):
Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra sentença prolatada pelo Juízo da 4ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Pará, que concedeu a ordem de habeas corpus pleiteada por Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas, ora recorridos, para trancar o IPL n. 119/2016, instaurado para apurar a prática de crimes de falsidade documental e uso de documento falso perante o INCRA, com fundamento na ocorrência da prescrição, com base na pena em abstrato.Em razões recursais, o MPF argumenta que o objeto da apuração do Inquérito Policial n. 119/2016 é bem mais amplo que aquele considerado pelo magistrado a quo para fins de contagem do prazo prescricional.
Aduz que é impossível advogar a tese de que os crimes investigados se resumem ao crime de falso praticado no ano de Diz que, da simples análise dos processos administrativos apreendidos na sede do INCRA, é possível verificar a existência de outros delitos, além daquele tipificado no art. 304 do CP. A esse respeito, relata que o IPL n. 119/2016 foi instaurado para apurar delitos de falsificação de documentos públicos, falsidade ideológica, uso de documento falso e associação criminosa, daí ser equivocada a premissa adotada pelo sentenciante, de se considerar que a investigação tem por objeto apenas o crime do art. 304 do CP e, nesse sentido, reconhecer o transcurso do prazo prescricional com base na pena em abstrato.
Requer o provimento do recurso para afastar a prescrição e determinar o regular prosseguimento das investigações empreendidas nos autos do IPL n. 119/2016.Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal. Nesta instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso. É o relatório.
VOTO – VENCEDOR
VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (Relator Convocado):
Como relatado, cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra sentença que concedeu a ordem de habeas corpus buscada por Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas, ora recorridos, para trancar o IPL n. 119/2016, instaurado para apurar a prática de crimes de falsidade documental e uso de documento falso perante o INCRA, com fundamento na ocorrência da prescrição, com base na pena em abstrato.Infere-se dos autos que o inquérito policial em referência foi instaurado no âmbito da SR/DPF/PA, para apurar a prática de crime de uso de documento falso perante o INCRA, supostamente perpetrado por Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas – enquanto representantes da empresa AGROPALMA – e com vistas à regularização de terras no Estado do Pará.
No curso das investigações, Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas, ora recorridos, impetraram habeas corpus pleiteando o trancamento do inquérito policial, ao argumento de que a pretensão punitiva já estava fulminada pela prescrição, com base na pena em abstrato. A autoridade policial e o Ministério Público Federal se manifestaram pela denegação da ordem, ao fundamento de que os crimes em apuração não poderiam ser considerados prescritos, pois se
protraíram no tempo desde o ano de 2006 até meados de 2016 e 2017, e, ainda, porque os fatos investigados vão além da apresentação de documentos contrafeitos perante o INCRA, daí ser prematuro trancamento do inquérito, cujas investigações revelam a possível prática de outros delitos.
Contudo, o magistrado a quo, concedeu a ordem para determinar o trancamento do IPL n.119/2016. Fundamentou que: os fatos tidos como delituosos, a serem apurados no citado IPL, dizem respeito a documentos falsos, protocolados no INCRA em 2006, utilizados nos processos de certificação de imóveis rurais.O crime a ser investigado corresponde ao tipo penal previsto no art. 304 do CP, cuja pena máxima seria de 6 (seis) anos, o que resulta em uma prescrição em abstrato de 12 (doze) anos.
Contudo, nos termos do artigo 115 do Código Penal, os prazos de prescrição são reduzidos pela metade se, na data da sentença, o agente for mais de 70 (setenta) anos. Em decorrência da comprovação de que ambos possuem mais de 70 (setenta) anos de idade, deve a prescrição cair para a metade, isto é, para 6 (seis) anos. Como o fato delituoso teria ocorrido em 2006, essa conduta resta fulminada pela prescrição em concreto em abstrato. Em que pese a fundamentação declinada na sentença, a análise dos autos corrobora a tese ministerial.
Ora, se a autoridade policial e o MPF relatam que os fatos investigados se prolongaram no tempo – bem além do ano de 2006 – e, também, que a linha investigativa revelou a prática de outros crimes, afigura-se precoce o trancamento do inquérito, como feito na sentença. Sim, porque se há nos autos dados informativos no sentido de que os crimes não se encerraram no ano de 2006, mas se prolongaram até meados de 2016 e 2017, não há reconhecer o transcurso do lapso prescricional.
Nessas condições, está evidente que o magistrado sentenciante partiu de uma premissa equivocada, qual seja, a de que os fatos delitivos se resumem ao ano de 2006, para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal e determinar o trancamento das investigações. Como se sabe, o trancamento do inquérito policial,
por falta de justa causa, situa-se no campo da excepcionalidade, apenas sendo cabível, na estreita via do habeas corpus, quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda da incidência de causa de extinção da punibilidade.
Nesse sentido, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL E FALSIDADE IDEOLÓGICA. INDICIAMENTO INDIRETO. INQUÉRITO POLICIAL. TRANCAMENTO. INVIABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento prematuro de persecução penal, sobretudo em fase embrionária como a do inquérito policial e via habeas corpus, é medida excepcional, admissível somente quando emergem dos autos, de plano e sem necessidade de apreciação probatória, a absoluta falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia.
2. Na fase inquisitorial, não há necessidade de a autoridade policial interrogar o indiciado e instaurar a ampla defesa e o contraditório durante o investigatório policial. Nessa etapa extrajudicial, deve ser assegurado à parte, tão somente, acesso amplo aos elementos de prova documentados, o que ocorreu na hipótese sob análise.
3. Assim, também na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, “O mero indiciamento em inquérito policial, desde que não abusivo e anterior ao recebimento de eventual denúncia, não configura constrangimento ilegal passível de ser sanado pela via do habeas corpus” (RHC n. 78.579/SP, Rel.Ministro Felix Fischer, 5ª T., DJe 12/5/2017).
4. À luz dessas premissas, não há constrangimento ilegal advindo de acórdão que não conhece de habeas corpus impetrado contra decisão do Juízo de primeiro grau de julgar improcedente pedido de trancamento de inquérito policial, postulado em razão de indiciamento indireto por suposta prática de crime ambiental e falsidade ideológica.
5. Ordem denegada.(STJ. HC 389.441, Sexta Turma, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe de 02/04/2019). PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. INQUÉRITO. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.1. O trancamento do inquérito policial por falta de justa causa, em sede de habeas corpus, é medida excepcional, somente se justificando se demonstrada, inequivocamente, a ausência de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, hipóteses não verificadas na espécie. 2. No caso concreto, quanto à alegação específica de prescrição, tem-se que o débito tributário foi objeto de parcelamento e que não se sabe, precisamente, as datas em que teria havido a inclusão e exclusão da pessoa jurídica gerida pela
recorrente no financiamento do montante a ser solvido, o que tem impacto direto na prescrição, pois a pretensão punitiva, como cediço, é diretamente influenciada pelo tempo em que esteve a devedora honrando ou não as parcelas mensais.
Recurso não provido. (RHC – RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS – 88367 2017.02.08206-7, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ – SEXTA TURMA, DJE DATA:14/08/2018 ..DTPB:.) RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I, DA LEI N. 8.137/1990). GUERRA FISCAL. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. ALEGAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DO LAPSO PRESCRICIONAL, POIS NÃO HOUVE A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA VINCULANTE 24. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE SÓCIO. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA
VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. CREDITAMENTO DO ICMS, EM RAZÃO DA DIFERENÇA DE ALÍQUOTA ENTRE OS ESTADOS DA FEDERAÇÃO. OPERAÇÃO QUE, POR SI SÓ, É INCAPAZ DE CONFIGURAR CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO ÂMBITO DO STF (RE N. 628.075/RS). CONFIGURAÇÃO DE, NO MÁXIMO, DÉBITO TRIBUTÁRIO. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
RECONHECIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.(…)
É assente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o trancamento de ação penal ou de inquérito policial, na via eleita, constitui medida excepcional, somente admitida quando restar demonstrado, sem a necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da autoria ou prova da materialidade.(…)(RHC 93.168/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020) . Com efeito, tratando-se de inquérito policial, o enquadramento legal que há nos autos é aquele sugerido pela autoridade policial ao instaurar a investigação. Tal fato, contudo, não constitui óbice a que o Ministério Público proceda à avaliação diversa, quando da formação da opinio delicti.
Como dito, o enquadramento jurídico dado aos fatos no inquérito é provisório.Ainda, nada obsta a que, no curso das investigações, outros delitos sejam apurados. No caso específico dos autos, o desacerto do trancamento das investigações fica ainda mais evidente porque tanto a autoridade policial quanto o MPF relatam a existência de outros crimes, além daquele apontando na portaria inaugural de instauração do inquérito policial. Desse modo, compreendo que as investigações
podem e devem prosseguir, pois outras infrações penais são possíveis de visualização no presente caso e, também, porque os delitos de falso não se resumem ao ano de 2006, termo a quo considerado pelo sentenciante.
A esse respeito, as ponderações tecidas pela Procuradoria Regional da República da 1ª Região que, em parecer ofertado nesta instância, frisou que: É certo
que as investigações contra os pacientes foram deflagradas em razão da notícia de utilização de documentos falsos em 2006. Esse, sem dúvida, foi o ponto de partida das diligências instrutórias, mas, como em toda e qualquer investigação, as hipóteses iniciais podem ser confirmadas, rechaçadas ou ainda ampliadas, a
depender dos naturais desdobramentos das diligências realizadas e dos elementos probatórios que forem sendo angariados no curso das apurações.
Note-se que as investigações promovidas nos autos do IPL 119/2016 não ficaram restritas ao exame apenas dos documentos falsos utilizados pelos pacientes em 2006. A autoridade policial, após angariar informações que ligariam a conduta dos pacientes a um possível esquema de grilagem de terras no Pará, inclusive com a participação de servidores públicos, representou pela prisão temporária de Antonio Pereira da Silva e pela realização de buscas e apreensões, ampliando, dessa forma, o objeto do referido inquérito, em ordem a confirmar a nova hipótese investigativa, que se apresentava como
plausível.
Vale notar que a representação pelas medidas cautelares foram não apenas referendadas pelo Ministério Público Federal, como também deferidas pelo Juízo a quo e executadas pela Polícia Federal (autos nº 1343- 73.2018.4.01.3900). O que, por si só, revela que estavam elas respaldadas por elementos indiciários consistentes a justificar o seguimento do Inquérito 119/2016 por novas linhas investigativas, para além daquelas inicialmente delimitadas na portaria de instauração. Assim, mesmo após deferir busca e apreensão na empresa AGROPALMA, ligada aos pacientes, além da prisão temporária de Antonio Pereira da Silva, o magistrado a quo, sem aguardar a conclusão das investigações nem sequer do exame do material apreendido, concedeu a ordem de habeas corpus para, de forma absolutamente precoce, estancar a investigação criminal que seguia regularmente seu curso.
O fundamento da prescrição dos fatos relativos a 2006 são inconsistentes para o trancamento do Inquérito 119/2016, pois, como já visto, o objeto inicial a ser apurado foi ampliado, inclusive com a chancela judicial, na medida em que foram deferidas prisões temporárias e buscas e apreensões com base nos elementos de prova angariados naqueles autos em relação a fatos criminosos que estavam muito além do mero uso de documentos falsos. Na verdade, as investigações já caminhavam para o enquadramento das condutas dos pacientes em delitos de associação criminosa e corrupção ativa, entre outras.
Por fim, embora a autoridade policial impetrado, que prestou as informações de fls. 100/103, tenha sido lacônica em relação aos fatos mais recentes que poderiam envolver os pacientes, ao não especificar os processos de 2016 apreendidos e que os implicaria, a lacuna foi suprida pelo MPF em primeira instância, que acompanhava as investigações, seja no parecer de fls. 138/141, seja novamente em suas razões recursais. Vejamos: Cumpre ressaltar que a própria existência desses processos administrativos suspeitos, cuja relação completa encontra-se nos ID’s 4896626 e 14620987, evidencia que os fatos apurados no IPL 119/2016 se protraem no tempo, bastando para tanto atentar às datas de instauração desses procedimentos, entre os anos de 2010 e 2016, dada a possibilidade de terem sido instruídos com documentos contrafeitos, que atribuem à empresa AGROPALMA a propriedade sobre áreas que não a pertencem.
É preciso considerar ainda que os fatos originários imputados aos pacientes podem tanto caracterizar o delito de uso de documento falso (art. 304 do CP), como também o crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP). Nesse último caso, o marco inicial da prescrição é o do conhecimento do falso, na forma do art. 111, IV, do Código Penal. No caso ora examinado, o falso só veio a lume em 2016, quando da instauração do Inquérito Policial 119/2016, não havendo, portanto, que se falar em decurso de prazo prescricional. O fato é que sob qualquer ângulo que se examine a questão posta neste feito, a conclusão é inarredavelmente no sentido de que o magistrado a quo foi precipitado ao conceder a ordem para trancar investigação que seguia regularmente seu curso e que estava amparada em elementos probatórios consistentes que implicavam os pacientes, o que foi por ele mesmo chancelado ao deferir buscas e apreensões e prisões temporárias.
Ante do exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito para afastar a prescrição e determinar que as investigações empreendidas nos autos do Inquérito Policial n.119/2016 retomem o curso normal. É o voto.
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