Há dois anos que o banco Santander, apesar de notificado, vem ignorando, até com certo ar de deboche, decisão da 4ª Vara da Justiça Federal no Pará – leia-se juiz Antônio Carlos Campelo – que determinou o envio de cheques bancários que comprovariam o envolvimento em corrupção do cartorário Francisco Valdete Rosa do Carmo.
O cartorário é réu denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) na ação penal em que é acusado de receber R$ 183 mil da empresa Agropalma, em dois cheques, para falsificar documentos públicos no cartório do Acará. O objetivo dessa fraude seria “legalizar” extensas áreas de terras em favor da empresa produtora de óleo de dendê na região entre os municípios do Acará e Tailândia.
Apesar de o banco Santander não ter até hoje remetido os cheques originais do suborno à 4ª Vara Federal, o juiz Antônio Carlos Campelo nada fez para cumprir o pedido feito pelo delegado da Polícia Federal em Belém, Diego Campos, responsável pelo inquérito.
Na denúncia à Justiça Federal, encaminhada em abril passado, o MPF renovou o pedido de providências de Campelo junto ao banco Santander, para que o magistrado expeça novamente ofício ao banco. Nesse novo ofício, o juiz deve exigir que ” a instituição financeira encaminhe cópias e dados de cheques nominais emitidos a Francisco Valdete Rosa do Carmo, possível não-correntista, no ano de 2011, em valores acima de R$ 30 mil, conforme determinado na decisão de ID 424395891 – pág. 13/30, precisamente na pág. 29/30 daqueles autos”.
Uma fonte disse ao Ver-O-Fato que se Campelo se mantiver inerte ele corre o risco de sofrer uma representação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O primeiro cheque retido pelo Santander tem o número 000336 e data de 22 de novembro de 2011, no valor de R$ 150 mil, enquanto segundo cheque, número 000339 e no valor de R$ 33 mil, foi emitido dois dias depois, ou seja, 24 de novembro daquele ano. Os cheques são nominais ao Cartório do Acará e em pagamento por restaurações de matrículas de terras.
Na denúncia apresentada no final de abril deste ano pela procuradora da República Meliza Alves Barbosa Pessoa, do MPF, na ação penal contra o cartorário Valdete Rosa do Carmo e outros três acusados, incluindo o ex-presidente da Agropalma, Hilário Rodrigues de Freitas, ela afirma que o recebimento dos R$ 183 mil por Valdete é “muito superior aos emolumentos cobrados para restaurações de matrículas pelos cartórios de registro de imóveis “.
Por cada restauração, oficialmente o interessado deveria pagar R$ 119,00. Todas as restaurações de áreas de interesse da Agropalma, no total, não chegariam a R$ 2 mil, ou menos de 5% do valor dos cheques emitidos pela Agropalma junto ao banco Santander para pagar Valdete.
Helicóptero e diretores na casa do cartorário
Chama a atenção, na denúncia do MPF, o que diz em depoimento prestado no inquérito da Polícia Civil do Acará, o sr. Antônio Manoel Câmara Leal – falecido recentemente de covid-19 -, contratado pela Agropalma para providenciar as restaurações das matrículas fajutas. ” Antônio Câmara Leal, além de ratificar que o Cartório Oliveira Santos era fictício, pois o município do Acará contava com o cartório do Ofício Único –, disse à polícia que foi contratado pela Agropalma, em meados do ano de 2011, para fazer restaurações de matrículas diversas no Cartório do Acará”.
Leal informou que a documentação necessária foi solicitada por Antônio Pereira da Silva – então gerente-geral da Agropalma, falecido de covid-19 em janeiro de 2021 -, de quem também recebeu o pedido assinado de restauração. “Asseverou que entregou os documentos (em sua maioria, escrituras públicas de compra e venda) e o pedido de restauração ao cartorário no Acará, para onde fez diversas viagens no período”.
Segundo o relato de Antônio Leal, em uma dessas viagens, ele “foi de helicóptero até o município, na companhia de Antônio Pereira da Silva, com o objetivo agilizar as restaurações pleiteadas”, e que, noutra ocasião, “novamente a bordo de um helicóptero, viajou ao lado do Presidente do Grupo Agropalma, José Hilário Rodrigues de Freitas, até a residência do tabelião Francisco Valdete Rosa do Carmo, localizada em Concórdia do Pará, onde presenciou novo pedido de agilização dos processos de restauração”. Declarou ainda que os pedidos “surtiram efeito, pois as restaurações foram providenciadas em duas etapas”.
Baseado em documentos apreendidos pela Polícia Federal na Agropalma, diz o MPF na denúncia, transformada em ação penal: “por derradeiro, o documento intitulado “Contas a Pagar – Títulos Liquidados”, extratos de contas bancárias, e o comprovante de transferência (“Pagamento a Fornecedores”), constantes do ID 424395860 – pág. 39/43, revelam quatro pagamentos feitos pela Agropalma a Francisco Valdete, nos dias 18/12/2013, 3/1/2014, 6/1/2014 e 27/5/2014, que totalizam R$ 18.009,60 (dezoito mil, nove reais e sessenta centavos)”.
” Cumpre enfatizar, neste ponto, que o último pagamento registrado, realizado no dia 27/5/2014, foi efetuado por meio de transferência bancária diretamente para a conta corrente pessoa física, em nome do denunciado (ID 424395860 – pág. 43), fato que, de plano, contribui para afastar a hipótese de que se tratava de valores referentes a serviços cartorários, mais se coadunando, dado o destino conferido ao numerário, com benesse paga a título pessoal”, resume o MPF.
Valdete: “não recordo ter recebido cheques”
O que disse, em depoimento na PF, o cartorário Francisco Valdete Rosa do Carmo: “(…) que sempre soube que o cartório Oliveira Santos nunca existiu; que não sabe se Maria do Socorro Puga esteve a frente do cartório Oliveira Santos; que não tem nenhuma relação com Antônio Pereira da Silva; que Antônio Pereira da Silva esteve algumas vezes no cartório do Acará; que Antônio Pereira da Silva esteve no cartório do Acará para solicitar a restauração da documentação relativa às terras pertencentes à Agropalma”.
E mais: ” que foi em razão do processo de restauração dos documentos das terras da Agropalma que conheceu Antônio Pereira da Silva; que Antonio Pereira e José Hilário nunca lhe pediram nenhuma irregularidade, tampouco lhe ofereceram qualquer quantia; que as restaurações dos documentos da Agropalma não foram realizadas com base em certidões do cartório Oliveira Santos; que as restaurações foram feitas com base nas certidões lavradas pela senhora Maria do Socorro no período em que ela era tabeliã do cartório Lobato do Acará”.
Por fim: ” que o registro público das terras da Agropalma foi feito com base em escrituras públicas lavradas por dois cartórios de Belém/PA; (…) que nunca teve contato com a certidão da senhora Maria do Socorro, do Cartório Oliveira Santos; QUE não se recorda de ter recebido cheques de representantes da Agropalma; que os únicos valores que recebeu dos representantes da Agropalma foram relativos aos emolumentos do serviço cartorário, nada além disso.”
Documentos da PF ao juiz Campelo e a ordem deferida ao Santander:


