O caso Agropalma, que envolve grilagem de terras de 106 mil hectares entre os municípios do Acará, Moju e Tailândia e até mesmo a utilização de documentos fraudulentos de um cartório “fantasma”, ganhou um novo contorno policial. Segundo o Ver-o-Fato apurou, a Polícia Federal esteve duas vezes na sede do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e uma na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, durante este mês de janeiro, para cumprir decisão do juiz federal Antônio Carlos Almeida Campelo.
O inquérito, que tramita na Polícia Federal para apurar as fraudes, chegou a sofrer um duro golpe, quando o próprio juiz Antônio Carlos Campelo, após concessão de habeas-corpus aos diretores da Agropalma, Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas – presos pela PF durante operação realizada em março de 2018, juntamente com a cartorária Maria do Socorro Puga de Oliveira e seu filho, Antônio Pinto Lobato, ambos donos do cartório “fantasma” Oliveira Santos, além de um agrimensor -, determinou que os dois diretores fossem excluídos da investigação e os documentos que faziam parte desse trabalho devolvidos ao Iterpa e ao Incra.
Com a entrada do Ministério Público Federal (MPF) no caso e contestações sobre a exclusão dos dois diretores da Agropalma das investigações, o juiz, a pedido do delegado da PF, Diego Campos, acolheu a manifestação, determinando a reinclusão de Antônio Pereira da Silva e José Hilário Rodrigues de Freitas no inquérito policial. Além disso, o Iterpa e o Incra teriam de devolver a documentação que a ambos fora devolvida para que a investigação da PF prossiga e chegue ao final.
Um fato novo levou o delegado a convencer o juiz: os dois diretores da Agropalma – que não fariam mais parte do comando da empresa no Pará, embora os comentários sejam de que ambos a ela continuariam a prestar serviços – tentaram obter a alteração de cadastro junto à Receita Federal das fazendas Castanheira, Roda de Fogo, Paraíso do Norte e Três Estrelas, todas sob apuração no inquérito.
O mais grave é que, mesmo cientes de que as áreas eram objeto de investigação, a dupla de servidores da Agropalma foi até a Receita Federal juntar documentos oriundos de cartório Inexistente e restaurados mediante fraude pelo então oficial interino do Cartório de Registro de Imóveis do Acará, Francisco Valdete Rosa do Carmo. Esse oficial teria recebido R$ 183 mil para facilitar a vida da Agropalma, mas ao que parece só fez piorar as coisas.
Chama a atenção, até de um leigo no assunto, o fato de que as terras citadas no inquérito da PF já tiveram seus registros cancelados pela Corregedoria das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Está tudo documentado nos autos do processo administrativo n° 2017.7.003914-3, onde restou provado que as restaurações das matrículas em favor da Agropalma foram realizadas mediante grotescas fraudes.
Ordem era parar, mas não parou
Outra coisa: os processos administrativos da Agropalma apreendidos pela Polícia Federal estavam paralisados por força do despacho do então presidente do Iterpa, Max André Brandão da Costa. Foi ele quem determinou a guarda dos processos até decisão judicial definitiva, dando cumprimento à recomendação n° 011/2018-MP/5ªPJ/DPP/MA, emitida pela 5ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, cuja titular é o fiscal da lei, Antônio Lopes Maurício.
A informação repassada ao Ver-o-Fato por uma fonte é a de que o atual presidente do Iterpa, Bruno Kono, teria não só ignorado o despacho do então presidente do órgão, Max André Brandão da Costa, para paralisar o andamento dos processos administrativos como a própria recomendação emitida pelo Ministério Público do Estado, dando prosseguimento aos processos de “regularização” fundiária da Agropalma. Os espelhos dos processos obtidos no site do próprio Iterpa apontam que esses processos caminhavam na velocidade de um carro de Fórmula 1.
A PF retornou duas vezes ao Iterpa para cumprir a ordem judicial porque a direção do órgão deixou de entregar documentos de outros processos que estavam arrolados no despacho do juiz Antônio Carlos Campelo, o que caracterizaria desobediência à determinação da justiça.
O promotor Antônio Lopes Maurício é bem claro na recomendação feita ao Iterpa em 01 de outubro de 2018. Ele começa afirmando que “se verificam fortes indícios de grilagem em terras públicas, praticada pela empresa Agropalma S/A com total conivência do ex-presidente do Iterpa, uma vez que mesmo, ciente das ilegalidades praticadas, quedou-se inerte, pois não adotou as providencias legais necessárias para estancar as ilegalidades existentes”.
Mais adiante, observa que após diligências iniciais realizadas pela promotoria “constatou-se fortes indícios de grilagem em terras particulares e, sobretudo, em
terras públicas, praticada pela Agropalma, prática esta da qual os servidores do Iterpa, da Procuradoria Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) supostamente possuíam total conhecimento”, mas nada fizeram para combater as irregularidades. Nesta fase, as irregularidades ocorreram durante o governo de Simão Jatene.
De acordo ainda com o promotor, no ofício número 648/2017-GP, o ex-presidente do Iterpa, Daniel Nunes Lopes, informou, em suma, que os processos de números 08029 de 31/12/1973; 06856/1979 e 0068/1945, que têm por objeto a demarcação em lote, legitimação de posse e compra de terras “se encontram sem movimentação por interesse das próprias partes peticionantes (família Tabaranã)”, afirmação esta do ex-presidente que, diz Antônio Lopes Maurício, “limpidamente viola os termos do artigo 25, I da Lei n° 4.584/75, uma vez que incumbe ao próprio Iterpa promover a revisão dos processos pendentes iniciados anteriormente ao Decreto n° 9.094/75, o que deveria ter ocorrido nos processos mencionados”.
A recomendação do MP deixa claro a Max André Brandão da Costa que ele se “abstenha de modificar, retificar, unificar, alterar, transferir e registrar qualquer título de terra no Estado do Pará em nome e em favor da empresa Agropalma S/A e de seus representantes legais até decisão judicial que determine o contrário”. E mais: que “suspenda o andamento de processos administrativos que visem conferir a regularização fundiária de imóveis em favor da mencionada Agropalma e de seus representantes, pois nos autos deste inquérito civil restou limpidamente demonstrado que os títulos definitivos de terras ocupadas pela empresa Agropalma neste Estado possuem natureza fraudulenta e mesmo frente a esta ilegalidade o Iterpa quedou-se inerte com seus deveres legais, o que imediatamente necessita ser reparado pela administração pública estadual”
Assim, fica o presidente do Iterpa, sr. Max André Brandão da Costa, devidamente informado de que o não atendimento à presente recomendação “deixará evidenciado o propósito deliberado de desrespeitar os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, consagrados no artigo 37, caput, da Constituição Federal, bem como, o sujeitará a responder, judicialmente, por sua omissão, pela prática de ato de improbidade administrativa, com suporte nos artigos. 10 e 11, II, todos da Lei n. 8.429/92”.
O esquema criminoso
Segundo a investigação da PF – cujo delegado Diego Campos não se manifesta porque o inquérito corre em segredo de justiça -, o esquema consistia em unir terras que estariam distante uma da outra como se fossem contínuas. E nesse deslocamento, acabaram sobrepondo uma área em cima da terra de um particular que esteve na PF e denunciou o fato.
Os envolvidos no esquema dirigiam-se até um cartório em Belém, faziam uma escritura falsa, toda uma cadeia dominial falsa, terminando sempre na empresa, como se a terra depois de todas essas vindas fosse por último vendida para a Agropalma. Depois disso, os fraudadores voltavam ao município onde se localizam as terras e restauravam livros que supostamente estariam extraviados.
Resumo da ópera: tanto representantes da empresa como ex-tabeliães de alguns municípios estariam fraudando documentos com base nos documentos falsificados.
Com a palavra, o Iterpa
Procurado por meio de telefone, na manhã desta quinta-feira, 30, o atual presidente do Iterpa, Bruno Kono, negou que esteja praticando alguma ilegalidade ou queira criar obstáculo ao trabalho da Polícia Federal na obtenção de documentos sobre os processos que envolvam a Agropalma. “Nós entregamos os processos que foram solicitados e não houve nenhum problema”, disse Kono.
“O que chegou no meu conhecimento e foi objeto de protocolo e a ocorrência, quando o delegado da Polícia Federal compareceu conosco e fez o procedimento agora em 2020, solicitando os processos, nós fizemos o levantamento, no dia seguinte ele compareceu e levou os processos
Sobre a decisão do ex-presidente da autarquia, que seguindo recomendação do MP mandou paralisar a tramitação dos processos de interesse da Agropalma, Kono explicou que havia um entendimento sobre a não paralisação absoluta dos processos. “O que houve, inclusive, é que nós chamamos as partes, tanto o pessoal da Agropalma quanto a família Tabaranã e estabelecemos uma mesa de mediação. Isso tudo foi registrado, conversado e tratado, que nós iríamos continuar a instrução para os dois lados, tanto para definir a favor de um lado, como para o de outro. Então, isso tinha conhecimento das duas partes. Não foi nada à revelia de uma parte ou de outra”, afirmou o presidente do Iterpa.
Segundo ele, Agropalma e a família Tabaranã sabiam que o Iterpa “buscava a verdade através da instrução processual” e o acordo para que a instrução prosseguisse foi lavrada em ata após a reunião do Iterpa com as partes. Foi em razão disso, completou Kono, que ele” deu seguimento” à tramitação dos processos.
Com a palavra, a família Tabaranã
Procurada para se manifestar sobre as declarações de Bruno Kono, a respeito de um acordo entre o Iterpa, a família e a Agropalma, o representante da família Tabaranã não quis falar com o Ver-o-Fato, alegando que o caso se encontra sob investigação da Polícia Federal. Em nota, porém, Tabaranã enfatiza que havia alertado o presidente do Iterpa com relação às irregularidades documentais da empresa Agropalma, que seriam as seguintes:
A) Descumprimento de decisão judicial com trânsito em julgado; B) Deslocamento de títulos; C) Uso de documentos fraudulentos, conforme atesta decisão do Poder Judiciário; D) Descumprimento da recomendação do Ministério Público do Pará; E) Ocupação irregular de terras particulares e públicas.
Diz ainda a nota que o próprio procedimento instaurado pela família requer a imediata paralisação de 16 processos que tramitam no Iterpa, tendo como requerente a Agropalma. E lembra que o requerimento de paralisação “está fundamentado na Recomendação do Ministério Público, em decisão judicial com trânsito em julgado e a legislação fundiária do Estado do Pará”.
Mais adiante, a nota diz que após o procedimento instaurado pela família, o Iterpa “propôs a mediação do litígio”. Quanto à alegação de Bruno Kono de que as
partes convencionaram a regular tramitação, a família Tabaranã chama isso de ” uma inverdade, pois essa foi uma posição exclusiva do Iterpa, posteriormente questionada pela própria família perante o Iterpa e o Ministério Público Agrário”. Salienta ainda que sobre o tal “acordo” citado por Kono, o Iterpa não promoveu a sua regular tramitação.
Por fim, a família informa que sempre prezou pela legalidade e buscou a regular tramitação de seus processos administrativos.
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