O juiz federal Gilson Jader Vieira Gonçalves Filho, da 4ª Vara, tomou importantes decisões na ação penal da qual a Agropalma e outros acusados são réus por corrupção, fraudes em documentos públicos, peculato e estelionato. Esse processo é apenas um, pois existem outros, que tramitam também na justiça estadual, envolvendo a empresa que é a maior produtora de dendê do país.
” Defiro o pedido de quebra do sigilo bancário para determinar quer o Banco Santander forneça, no prazo de 30 dias, os dados bancários do titular da conta emitente do cheque nº 000336, datado de 22/11/2011, no valor de R$ 150.000,00 e cheque nº 000339, datado de 24/11/2011, no valor de R$ 33.000,00, ambos do Banco Santander, inclusive com o envio de fotocópia dos referidos cheques”, determina o juiz, acolhendo pedido do Ministério Público Federal (MPF) – leia-se procurador da República José Augusto Torres Potiguar, fiscal da lei responsável pelo setor que trata de casos de corrupção.
Os dois cheques foram emitidos pela Agropalma, cliente do Banco Santander, somando R$ 183 mil e sacados pelo então cartorário Francisco Valdete Rosa do Carmo, que na ocasião atuava na comarca do Acará. Esse dinheiro seria para bancar supostas custas de certidões de terras em favor da Agropalma que a justiça, aliás, já mandou bloquear e cancelar nos cartórios por serem produto de fraudes.
Vantagem indevida
A denúncia do MPF, diz o juiz na decisão, aponta que, no ano de 2011 e nos dias 18 de dezembro de 2013, 03 de janeiro de 2014, 06 de janeiro de 2014, e 27 de maio de 2014, Francisco Valdete do Carmo, “valendo-se de suas funções públicas enquanto titular do Cartório de Registro de Imóveis do Município do Acará, recebeu vantagem indevida oferecida por José Hilário Rodrigues de Freitas”, então presidente da Agropalma, e Antônio Pereira da Silva, então-gerente-geral da empresa, já falecido.
Valdete do Carmo foi acionado pela dupla de dirigentes da Agropalma “para restaurar livros cartorários em desconformidade com a realidade, a conferir aparente legalidade a ocupações indevidas de propriedades rurais, beneficiando as empresas do Grupo Agropalma junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao Instituto de Terras do Estado do Pará (Iterpa) e à Receita Federal, em esquema de apropriação indevida de terras públicas e particulares, fenômeno popularmente denominado de grilagem”.
“Os indícios de materialidade e de autoria dos delitos encontram-se nos elementos informativos do inquérito policial nº 1002054-56.2021.4.01.3900 (IPL 2020.0060055-SR/PF/PA), instaurado a partir da notícia-crime de ID 4896600 e que subsidiam a denúncia, já recebida por este Juízo no ID 650823003, notadamente o conteúdo do depoimento prestado à Polícia Federal pelo denunciado Francisco Valdete Rosa do Carmo, que destoou da análise do material apreendido no decorrer da Operação Apate, a qual revelou a existência de e-mails de Antônio Pereira da Silva Filho, nos quais há menção a cheques em valores
acima de R$ 100.000,00, em muito destoantes das quantias insertas na tabela de emolumentos cobrados em cartórios do interior”.
No ID 424395855 – pág. 33/37,consta e-mail enviado por Eder Jofre Costa a Antônio Pereira da Silva e por este encaminhado a outro destinatário (sinolpa@sinolpa.com.br), intitulado “FINANCEIRO: AQUISIÇÃO DE TERRAS”, no qual consta informação de que Francisco Valdete Rosa do Carmo teria recebido R$ 183.000,00, divididos em dois cheques, ambos do Banco Santander, identificados como (i) cheque n° 000336, datado de 22/11/2011, no valor de R$ 150.000,00; e (ii) cheque n° 000339, datado de 24/11/2011, no valor de R$ 33.000,00, nominais ao Cartório do Acará, em pagamento por restaurações de matrículas, cujo valor total superaria aos emolumentos cobrados para restaurações de matrículas pelos Cartórios de Registro de Imóveis.
Ademais, consta o depoimento prestado por Antônio Manoel Câmara Leal nos autos do IPL nº 00167/2014.0000104-7, conduzido no âmbito da Polícia Civil (ID 424395877 – pág. 01/02), no qual, relatou que foi contratado pela empresa Agropalma em meados do ano de 2011, para fazer restaurações de matrículas diversas no Cartório do Acará. Informou que a documentação necessária foi solicitada por Antônio Pereira da Silva, gerente-geral da sociedade, de quem também recebeu o pedido assinado de restauração. Asseverou que entregou os documentos (em sua maioria, escrituras públicas de compra e venda) e o pedido de restauração ao cartorário no Acará, para onde fez diversas viagens no período.
Helicóptero na parada
Relatou que, em uma dessas viagens, foi de helicóptero até o município, na companhia de Antônio Pereira da Silva, com o objetivo agilizar as restaurações pleiteadas, e que, noutra ocasião, novamente a bordo de um helicóptero, viajou ao lado do Presidente do Grupo, José Hilário Rodrigues de Freitas, até a residência do tabelião Francisco Valdete Rosa do Carmo, localizada em Concórdia do Pará, onde presenciou novo pedido de agilização dos processos de restauração.
Declarou que os pedidos surtiram efeito, pois as restaurações foram providenciadas em duas etapas. Ainda, consta no depoimento prestado, Antônio Manoel ressaltou que, já em Belém, após a realização dos trabalhos de restauração, levou duas vezes Francisco Valdete à Agropalma, para receber os valores dos emolumentos. Recordou que, na primeira oportunidade, Francisco Valdete recebeu um cheque nominal de R$ 170.000,00 do Banco Santander; na segunda, dez dias depois, recebeu outro cheque nominal do mesmo banco, no valor de R$ 70.000,00.
Salientou que ficou surpreso com os valores, tendo em vista que uma restauração custava em R$ 119,00 e que todos os processos de restauração, somados, não representariam 5% da quantia repassada pela Agropalma ao tabelião. Além disso, constam o documento intitulado “Contas a Pagar – Títulos Liquidados”, extratos de contas bancárias, e o comprovante de transferência (“Pagamento a Fornecedores”), insertos no ID 424395860 – pág. 39/43, revelam quatro pagamentos feitos pela Agropalma a Francisco Valdete nos dias 18/12/2013, 3/1/2014, 6/1/2014 e 27/5/2014, que totalizam R$ 18.009,60, sendo que este último pagamento foi efetuado por meio de transferência bancária diretamente para a conta-corrente pessoa física, em nome do denunciado (ID 424395860 – pág. 43), “fato que, de plano, contribui para afastar a hipótese de que se tratava de valores referentes a serviços cartorários, mais se coadunando com uma remuneração pelas fraudes praticadas”, diz o magistrado.
A partir dos elementos colhidos na investigação criminal, o Ministério Público Federal denunciou os envolvidos no esquema relatado, havendo indícios bastantes de materialidade e autoria a fundamentar a presente medida cautelar requerida. “Como decorrência do direito à intimidade e à vida privada do cidadão, a Constituição Federal de 1988 assegurou, em seu art. 5º, XII, a inviolabilidade do sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas e telefônicas, bem como do sigilo de dados, ressalvada a possibilidade de acesso ao conteúdo por decisão judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
No entanto, conforme entendimento consolidado pelo STF, “não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” (MS 23452/RJ, Min. Celso de Mello).
Visando regulamentar o preceito constitucional, o art. 1º, § 4º, inciso VI, da Lei Complementar n.105, de 10 de janeiro de 2001, dispôs sobre a quebra de sigilo bancário: “Art. 1° As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. […] § 4° A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: […] V – contra o sistema financeiro nacional; VI – contra a Administração Pública; VII contra a ordem tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa. (grifei)
Foi requerido o afastamento do sigilo bancário em face do titular da conta no Banco Santander emitente dos cheques n° 000336 e n° 000339 nominais ao Cartório de Registro de Imóveis do Município do Acará/PA, cujo titular Francisco Valdete Rosa do Carmo investigado supramencionado. Como já analisado acima, há indícios suficientes para o deferimento da medida pleiteada pelo Ministério Público Federal.
“Vislumbro os requisitos”, diz juiz
Os argumentos contidos na representação baseados na documentação acostada aos autos, com detalhamento dos fatos denunciados no bojo do IPL 2020.0060055-SR/PF/PA (PJe nº 1002054- 56.2021.4.01.3900), conduzem ao deferimento da medida ora pleiteada, diante dos indícios de materialidade delitiva e autoria das pessoas indicadas, quanto à prática de crimes capitulados no art. 317, §1° do Código Penal, bem como no art. 2°, §4°, inciso II, da Lei n° 12.850/2013, visando à correta elucidação destes.
No caso, portanto, vislumbro presentes os requisitos para deferimento do procedimento cautelar, quais sejam: a verossimilhança da alegação (fumus comissi delicti), os indícios de autoria e a existência de risco na demora (periculum in mora). Ademais, o afastamento do sigilo fiscal se justifica porque, uma vez determinado ao Banco Santander (ID 960181678) o repasse de informações quanto à existência de cheques nominais ao réu Francisco Valdete Rosa do Carmo, em valores acima de R$ 30.000,00, a fim de confirmar subsidiar a acusação no recebimento de vantagem indevida pelo referido investigado, apenas foi respondido de que o investigado Francisco Valdete não recebeu valores em conta do Banco Santander, por não ser correntista da citada instituição bancária.
“Logo, diante da expressa referência, nos autos, acerca da transação que envolveu os cheques nº000336 do Banco Santander, nominal ao Cartório do Único Ofício de Acará, na data do dia 22/11/2011, no valor de R$ 150.000,00 e nº 000339 do Banco Santander, nominal ao Cartório do Único Ofício de Acará, na data do dia 24/11/2011, no valor de R$ 33.000,00, a quebra do sigilo bancário ora requerida se apresenta, no momento, como o único meio de se chegar à verdade real em relação aos fatos investigados”, resume o juiz.
Outras decisões
O Ver-o-Fato teve acesso à íntegra da decisão do juiz da 4ª Vara Federal e nela é possível observar que Gilson Jader também tomou outras medida. Por exemplo, ele admitiu o ingresso no processo dos herdeiros de José Maria Tabaranã da Costa, representados pelo advogado Leonardo Victor Costa Bahia, como assistentes de acusação, nos termos do artigo 268 e ss do CPP.
O juiz absolveu sumariamente a cartorária Maria do Socorro Puga de Oliveira Santos, denunciada pelo MPF e que comandava o cartório “fantasma” Oliveira Santos, onde foram lavradas escrituras fraudulentas de terras em favor da Agropalma. Socorro foi absolvida com fundamento no artigo 397, III, do Código de Processo Penal (CPP). Esse artigo diz que o fato narrado na acusação não constitui crime.
No caso do presidente da Agropalma, José Hilário Rodrigues de Freitas, o juiz declarou “extinta a punibilidade” apenas em relação ao crime tipificado no art. 333, parágrafo único, do CP, quanto aos fatos ocorridos em 2011, nos termos do art. 109, II, c/c art. 115, todos do CP, permanecendo o processo em relação aos fatos narrados em 2013 e 2014, quanto ao suposto crime de corrupção ativa, além dos crimes de uso de documentos falsos e organização criminosa.
Ou seja, os crimes de 2011 estão prescritos. O artigo 333 do Código Penal (CP) imputa pena de 1 a 8 anos de reclusão e multa a quem “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
Por fim, o magistrado designou o dia 11 de setembro de 2023, às 13h30, para realização da audiência de instrução e julgamento, por videoconferência, quando serão ouvidas as 15 testemunhas de acusação e defesa, além do interrogatório de três réus.
Escrituras canceladas valem na Receita Federal?
Apesar de as escrituras fraudulentas de cerca de 80 mil hectares das terras entre o Acará e Tailândia terem sido bloqueadas e canceladas pela Justiça Estadual, o Ver-o-Fato foi informado por uma fonte de que esses documentos, sem nenhum valor legal, estariam sendo usados junto à Receita Federal para legitimar transações financeiras.
Se isto for verdade, já que a Receita não dá informações a respeito disso, o Ministério Público Federal (MPF) deveria lembrar à Receita as implicações legais que isso pode acarretar, caso a própria Receita ainda não tenha sido informada sobre as decisões do judiciário paraense.