Presidente da CDP e diretora de gestão portuária autorizaram o embarque , mas administrador do porto discordou, alegando não haver licença ambiental para a operação
Uma denúncia protocolada na Polícia Federal, em Belém, e no Ministério Público Federal no Pará, (MPF) e obtida com exclusividade pelo Ver-o-Fato, revela uma operação portuária supostamente irregular no Porto de Vila do Conde, em Barcarena, região metropolitana de Belém, trazendo à tona um cenário de desrespeito às leis brasileiras e possíveis crimes ambientais. O navio Federal Tokoro, atracado no porto, está realizando o embarque de 44 mil toneladas de farelo de soja sem licença ambiental válida para este tipo de carga, configurando uma grave violação ambiental, administrativa e regulatória.
A denúncia aponta que a autorização para essa operação foi concedida pelo presidente da Companhia Docas do Pará (CDP), Jardel Rodrigues da Silva, que segundo o documento, é “suspeito de figurar em três processos de tipificação criminal”, sendo um deles em tramitação na 4ª Vara Federal de Belém por suposto desvio de R$ 23 milhões da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), onde já atuou. por conta disso, ele chegou a ser preso pela Polícia Federal em 2019.
De acordo com a denúncia, o Porto de Vila do Conde não possui licença ambiental para operar cargas de origem vegetal, como soja, milho, madeira ou celulose, o que torna irregular a movimentação do farelo de soja no navio Tokoro. A carga é potencialmente danosa ao meio ambiente, violando a Lei nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. A situação se agrava com a informação de que a atracação do navio foi viabilizada após a revogação de uma Ordem de Entrada (OE) de outro navio, que já estava autorizado para operar com carga licenciada.
Essa substituição, sem respaldo técnico ou ambiental, sugere desvio de finalidade, favorecimento indevido e violação ao princípio da isonomia entre operadores portuários, gerando prejuízos logísticos e comerciais.
A denúncia também destaca um possível descumprimento de ordem judicial. Na sexta-feira, 11, um mandado de segurança foi impetrado para tentar autorizar judicialmente a atracação do federal Tokoro, mas a liminar não foi apreciada ou foi indeferida pela justiça. Ainda assim, Jardel e diretora de gestão portuária, Rosândela Oliveira de Carvalho autorizaram a operação, ignorando a decisão judicial e os alertas do administrador portuário de Vila do Conde, Roberto Brilhante, que tentou impedir a atracação por meios administrativos, apontando a ausência de licença ambiental e a incompatibilidade do berço para a carga. Brilhante, inclusive teria sido afastado do cargo por divergir da direção da CDP.
As decisões autoritárias da CDP, segundo o documento, desconsideraram a legislação vigente e podem configurar infração ambiental, violação de decisão judicial, abuso de autoridade, favorecimento indevido e até improbidade administrativa.
O caso expõe uma crise profunda na gestão portuária brasileira, onde interesses políticos e decisões arbitrárias parecem sobrepor-se à legalidade e à proteção ambiental. A denúncia solicita ao MPF a instauração de inquérito civil público e investigações criminais, a interrupção imediata da operação do navio, a apuração da responsabilidade dos gestores envolvidos e o afastamento cautelar de Jardel e Rodângela de seus cargos.
Além disso, pede que o caso seja comunicado ao Ibama, à Antaq, ao Ministério dos Portos e Aeroportos e à Secretaria Nacional de Portos para medidas administrativas e fiscalizatórias.
Semas estabeleceu regras, ignoradas
Em 21 de junho de 2024, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) emitiu a Notificação nº 183018/GEINFRA/CINFAP/DLA/SAGRA/2024 à Companhia Docas do Pará (CDP), definindo critérios rigorosos para a movimentação de cargas como farelo de soja e caroço de açaí no Porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA).
A medida, que respondia a solicitações da própria CDP, visava garantir a conformidade ambiental e a segurança das operações portuárias. Contudo, a CDP aparentemente desrespeitou essas diretrizes, conforme apontado em denúncias recentes.
A Semas autorizou a movimentação das cargas por um período determinado, com base na Licença de Operação nº 7126/2012, automaticamente prorrogada, que permite a movimentação de cargas gerais na área portuária. No entanto, a autorização veio com condições estritas para evitar danos ambientais e assegurar a legalidade das operações.
Entre as exigências, destacam-se: a proibição de alterar a descarga de pior caso conforme o Plano de Emergência Individual (PEI) vigente; a obrigatoriedade de cumprir a legislação ambiental e normas técnicas, utilizando mão de obra qualificada e medidas de controle de impactos; a instalação de lonas entre o navio e as bacias metálicas para evitar a queda de material em corpos hídricos; a ativação imediata do PEI e do Plano de Ação de Emergência (PAE) em caso de incidentes; a limpeza periódica das lonas e do píer, com destinação adequada dos resíduos conforme o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS); a adoção de cercos preventivos completos ao redor das embarcações; a comunicação imediata à Semas sobre qualquer acidente ambiental; e a apresentação anual de relatórios detalhando conformidades, não conformidades, medidas de mitigação e certificados de destinação final de resíduos.
Assinado digitalmente por Marcelo Augusto Moreno da Silva Alves, o documento reforça a necessidade de proteção ambiental e segurança operacional, exigências que, segundo denúncias protocoladas no Ministério Público Federal, não foram seguidas pela CDP.
Com a palavra, os citados
O Ver-o-Fato procurou por meio telefônico e mensagem de aplicativo cada um dos citados, mas até a publicação desta matéria nenhum deles retornou as ligações, à exceção do gabinete do ministro dos Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho. ” O Ministério tomará providências”, disse uma assessora do ministro, pedindo que o Ver-o-Fato protocolasse um pedido de manifestação à Ouvidoria da pasta.
O presidente da CDP, Jardel Rodrigues da Silva, não respondeu a nenhuma das chamadas, incluindo a de mensagem por Whatsaap com resumo da denúncia feita à PF e ao MPF.
O mesmo aconteceu com a diretora Rosândela de Carvalho, também informada pelo Ver-o-Fato com pedido de manifestação. A chefe de gabinete da CDP justificou que os dois dirigentes estavam no porto de Vila do Conde no momento em que foram procurados pelo portal, acrescentando que lá não pega sinal de celular. A PF e o MPF não se manifestaram sobre a denúncia a ambos enviada. Do mesmo modo, o administrador do porto, Roberto Brilhante, não quis falar ou responder às mensagens.
O espaço está aberto à manifestação de todos.
ADMINISTRADOR VETOU
