As dificuldades financeiras entre receita e despesa dos últimos balanços, a partir de 2019, não devem ser problema para a venda da empresa Agropalma, como desejam as cinco herdeiras do banqueiro Aloisio Faria. A empresa ostenta boa cotação no mercado, seja nacional ou internacional. Essa cotação, porém, é o oposto sobre a reputação fundiária dos 107 mil hectares que ela detém como posse no Pará, entre os municípios do Acará e Tailândia.
Sobre essa imensa área, onde a Agropalma mantém seus projetos de dendê e conservação florestal, pesam gravíssimas acusações de fraudes, uso de documentos falsos, estelionato e até mesmo corrupção, segundo imputações feitas à empresa pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal.
Em São Paulo, onde fica a sede do Grupo Alfa, do qual a Agropalma faz parte, tem sido intensa a movimentação de interessados, de acordo com fonte ao Ver-o-Fato, após a divulgação, no começo deste mês, pelo jornal Valor Econômico, de que as cinco filhas do falecido banqueiro querem vender todo o patrimônio, principalmente o Banco Alfa, a Casa e Construção e a Agropalma, os três pilares financeiros da organização empresarial.
Somente o Ver-o-Fato, contudo, já publicou, como publica agora, com detalhes inéditos, tudo o que está por detrás desse bilionário negócio e os problemas que eles trazem para as partes .
Enquanto ocorrem reuniões e contatos com supostos interessados na compra das empresas, a Agropalma anuncia ter fechado uma grande parceria com a Biofílica, empresa especializada em conservação de florestas e comercialização de serviços ambientais. O negócio que provocou euforia entre os diretores da produtora de dendê, envolve projeto de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+).
“O projeto desenhado com a Biofílica terá 30 anos de duração e irá viabilizar a venda de créditos de carbono pela Agropalma a partir do seu segundo ano”, informou a empresa em nota enviada ao Valor. “Responsável por uma área de 107 mil hectares na região amazônica, a companhia preserva 64 mil hectares, com investimentos de cerca de R$ 1,5 milhão por ano em seu programa de Proteção Florestal”, diz ela em sua página oficial na Internet ao anunciar a parceria com a Biofílica.
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Ainda de acordo com a empresa, a busca pelo carbono zero é um dos principais desafios de empresas e governos na busca pelo cumprimento das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris. “O projeto Redd+ é um grande passo nesse sentido”, afirma Tulio Dias Brito, diretor de sustentabilidade da Agropalma.
Ainda no terreno da sustentabilidade, a empresa anunciou que, na temporada 2018/19, concluiu 100% da rastreabilidade do óleo de palma que produz, da colheita dos frutos às suas cinco indústrias de extração e duas refinarias. “A companhia também desenvolveu um código de ética e conduta para fornecedores e prestadores de serviços”, afirma.
A Biofílica tem em seu portfólio de projetos a maior área sob certificação de créditos de carbono florestal na Amazônia, com 1,5 milhão de hectares sob conservação. E conta com um banco de florestas para compensação de reserva legal de mais de 4,6 milhões de hectares em todos os biomas do país.
A Agropalma lembra que os projetos REDD+ combinam atividades como manejo sustentável, promoção do agroextrativismo e monitoramento de biodiversidade, financiadas a partir da comercialização de créditos de carbono. Trata-se de um mecanismo desenvolvido no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento na conservação de suas florestas, implementado por meio do uso de padrões de certificação voltados ao mercado voluntário.
Carbono, bilhões em 64 mil hectares
Sem dúvida. a Agropalma acertou em uma bilionária mosca verde ao fechar parceria com a Biofílica para venda de carbono das florestas que não são dela, embora detenha a posse. Juridicamente, de acordo com advogados especializados em questões socioambientais, lá na frente a Agropalma terá que dividir seus polpudos lucros com os verdadeiros proprietários das terras, sejam particulares, Estado ou União Federal. Para a empresa, no momento, isso pouco importa.
Vender carbono, o grande negócio da hora, é ajudar o planeta a diminuir consideravelmente a quantidade de gás carbónico (CO2) na atmosfera: Para se ter uma ideia dessa importância, cada hectare de floresta em desenvolvimento é capaz de absorver 200 toneladas de carbono. Em 2021, o mercado nunca esteve tão aquecido, atraindo cada vez mais grandes empresas, principalmente as localizadas na região amazônica.
Houve um recorde de investimentos internacionais. O preço é atraente: cada hectare de CO2 custava no ano passado em torno de 57 euros, ou R$ 365,00 – estima-se um aumento de preço em 15%, em 2022. Na ponta da caneta, ou calculadora, a Agropalma fechou um negócio que catapulta seu preço de venda, incluindo os 64 mil hectares de florestas preservadas dos 107 mil que ela detém a posse. No total, o valor alcança R$ 4.672 bilhões.
Bauxita na parada
Há, ainda, outro trunfo de venda não pesado na balança da negociação da Agropalma com eventuais interessados em comprá-la. O Ver-o-Fato teve acesso a um estudo do doutor em Ciências, com ênfase em Desenvolvimento Socioambiental, pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), Elielson Pereira da Silva.
Ele informa em seu trabalho que a Agropalma protocolou na Agência Nacional de Mineração (ANM), desde 2014, com pedidos sucessivos de renovação, 17 projetos de prospecção mineral de bauxita nas terras localizadas entre o Acará e Tailândia. A empresa diz à ANM que a prospecção será feita em 121 mil hecares, mais de 14 mil hectares além dos 107 mil que estão sob sua posse, 58 mil dos quais já foram anulados e cancelados por decisão judicial.
“A despeito da impossibilidade de acesso aos autos processuais indexados ao Sistema Eletrônico de Informações (SEI), limitados à mera visualização de sua tramitação, a análise coligida dos espelhos dos processos minerários constantes no cadastro mineiro revela que todos os prazos dos alvarás de pesquisa encontram-se vencidos:64,7% deles com vigência expirada em 2018, 17,6% vencidos em 2019 e 17,6% em 2015”, diz o pesquisador.
Em 88,2% dos processos, a Agropalma solicitou a prorrogação da validade dos alvarás, que foram indeferidos pela ANM. A empresa apresentou pedidos de reconsideração individualizados, atualmente em fase de análise. Apenas em dois processos a dilação do prazo de validade dos alvarás não foi solicitada pela companhia, conquanto estejam encerrados.
Pressão sobre comunidades vulneráveis
Para Elielson Silva, os projetos minerários da Agropalma “espelham uma situação concreta de incidência das estratégias de exportação agromineral e das topografias da morte. Está articulada a outras quatro frentes de pressão existentes sobre o território quilombola da Balsa, no Alto Acará”, hoje controlado com mão de ferro e homens armados contratados pela empresa..
A primeira frente de pressão, explica o pesquisador, é o controle do uso da terra para “ampliação intensiva de dendezais e imobilização de extensas áreas de reserva legal, os quais se concretizam por meio de registros imobiliários irregulares questionados pelo Ministério Público Estadual e por cadastros ambientais rurais que intrusam em 71,8% do território etnicamente configurado da Balsa”.
A segunda, é a proposta de criação de um “corredor ecológico” reunindo áreas de reservas privadas de empresas de plantação do dendê no Alto Acará, particularmente da Agropalma e da ex-Biopalma, atualmente Brasil Biofuels (BBF), sugerida por uma consultoria técnica contratada pela Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), com o objetivo de propiciar a obtenção de recursos financeiros por meio da venda de créditos de carbono.
“Parte considerável das áreas correspondentes ao referido “corredor” abrange terras tradicionalmente ocupadas reivindicadas pelos quilombolas da Balsa/Palmares/Turi-açu/Gonçalves e da Amarqualta. Os dois territórios são separados pelo Projeto de Assentamento Calmaria”, exdplica.
A obra de asfaltamento de 150 quilômetros da rodovia estadual PA-256, da Vila Canaã, em Ipixuna do Pará, às margens do Rio Capim, ao entroncamento da rodovia estadual PA-150, em Tailândia, é a terceira frente de pressão sobre as populações vulneráveis. Essa obra será financiada “mediante operação de crédito contratada junto ao Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, sediado em Xangai, na China”.
A quarta está na iminente construção da Ferrovia Paraense, de 515 km, que ligará o sudeste do Pará ao Porto de Vila do Conde, em Barcarena. A construção da obra ferroviária está estimada em 7 bilhões de reais e será executada em consonância com o protocolo de intenções firmado com a empresa China Communication Construction Company (CCCCSA), controladora da brasileira Concremat. “Analisando as projeções cartográficas do empreendimento nota-se que o território quilombola da Balsa será cortado ao meio pela estrada de ferro”, resume Elielson Silva.